CÚPULA DO G20

Após denúncia 'uso da força' na Ucrânia, G20 evita pedir abandono de combustíveis fósseis

Declaração final adotou posição mais moderada sobre conflito e retirou condenação expressa à agressão russa

Cúpula do G20 - Evelyn Hookstein/Pool/AFP

Os líderes do G20 chegaram a um consenso neste sábado sobre a declaração final da cúpula, que acontece neste fim de semana em Nova Délhi, na Índia.

No texto, o grupo de países que reúne as maiores economias do mundo, a União Europeia e mais recentemente a União Africana denuncia o "uso da força" para ganho territorial na guerra na Ucrânia — posição vista como mais moderada do que a condenação expressa à "agressão da Federação Russa" feita no encontro em Bali no ano passado.

Os líderes chegaram a um consenso um dia antes do previsto. A declaração conjunta, de 37 páginas, tem "100% de unanimidade", afirmou o negociador-chefe do G20 na Índia, Amitabh Kant.

A guerra na Ucrânia foi um dos tópicos mais sensíveis do fórum, sobretudo para a anfitriã Índia, que tem buscado um equilíbrio entre sua aliança histórica com Moscou — principal fornecedora de armas — e a adesão ao grupo Quad — aliança de segurança com Austrália, Japão e Estados Unidos.

 



Segundo o chanceler indiano, Subrahmanyam Jaishankar, os líderes discutiram as "consequências significativas para a economia global" que a guerra na Ucrânia está tendo "nos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos", observando que o grupo não é uma plataforma para discussões de teor político.

A fala de Jaishankar foi interpretada como uma resposta direta à reclamação da China de que o G20 deveria ser apenas um fórum de discussões econômicas, e não assuntos como guerra e paz. O presidente chinês, Xi Jinping, não compareceu à cúpula este ano pela primeira vez desde que assumiu o poder.

Próximo ao presidente russo Vladimir Putin — que também não esteve presente e enviou o chanceler Sergei Lavrov para representá-lo —, a ausência de Xi acontece também em meio a rusgas com Nova Délhi após a divulgação do mapa do país incluindo territórios em disputa com a Índia.

Em linhas gerais, a menção ao conflito russo-ucraniano foi construída de modo que tantos os Estados Unidos e União Europeia (UE) quanto os países neutros ou aliados de Moscou pudessem conclamar uma vitória diplomática.

— Do nosso ponto de vista, [o texto] fez um trabalho muito bom — comentou Sullivan sobre a declaração. — [O G20 defende] o princípio de que os Estados não podem usar a força para procurar conquistas territoriais ou violar a integridade, a soberania territorial ou a independência política de outros Estados.

No ano passado, a declaração conjunta afirmava que o grupo "deplora nos termos mais fortes a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia e exige sua retirada completa e incondicional do território da Ucrânia".

Neste ano, não havia qualquer exigência à retirada das tropas russas da Ucrânia, embora os EUA e outros aliados de Kiev tenham pressionado por uma redação mais dura.

Outra importante diferença é a exclusão da maior parte das frases que citavam na declaração anterior opiniões divergentes sobre temas como sanções e condenação direta da Rússia, que foram substituídas por visões unanimes baseadas em princípios das Nações Unidas.

O documento também preferiu usar o termo "guerra na Ucrânia" do que "guerra contra a Ucrânia", como a aliança ocidental pró-Kiev desejava.

Um exemplo disso é a mudança no texto da declaração de Bali que dizia que "a maioria dos membros condenou veementemente a guerra". Em vez dela, o texto deste ano destaca áreas de concordância como a carta da ONU contra o uso da força e a favor da integridade territorial. A nova minuta também saúda os esforços para alcançar uma "paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia". O texto ainda reforçou o princípio que classifica o uso de armas nucleares como "inadmissível".

A versão deste ano também inclui "a era atual não deve ser de guerra", frase que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi tem repetido com frequência desde o início do conflito. Para o governo ucraniano, porém, "o G20 não tem nada do que se orgulhar" da sua declaração final.

"A Ucrânia é grata aos parceiros que tentaram incluir no texto uma formulação forte. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à agressão da Rússia contra a Ucrânia, o G20 não tem nada do que se orgulhar", escreveu o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, Oleg Nikolenko, em uma postagem no Facebook neste sábado.

No post, Nikolenko apresenta uma versão modificada do texto final da cúpula com expressões riscadas e substituídas por outras em vermelho, consideradas "corretas" para Kiev. Assim, a frase "guerra na Ucrânia" virou "guerra contra a Ucrânia", e o trecho "todos os Estados devem se abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força para fins de aquisição territorial" se transformou em "a Rússia deve se abster...".

Divergências sobre meio ambiente
O documento também enfatiza a importância de "acelerar" a luta contra as mudanças climáticas, estabelecendo a meta de triplicar a geração de energia renovável até 2030.

No entanto, o texto evitou uma cobrança objetiva dos países-membros para que abandonem os combustíveis fósseis, considerado pela ciência como um dos principais fatores para o aquecimento global. Na sexta-feira, um relatório da ONU afirma que o fim do poluente é "indispensável" para zerar as emissões.

Com grandes produtores de petróleo no grupo como EUA e Arábia Saudita, a declaração reconhece a necessidade de uma reduzir o uso de carvão como fonte de energia, mas não traça metas climáticas relevantes e reforça que o cumprimento dos acordos variam "de acordo com as circunstâncias nacionais". Juntos, os membros do G20 juntos são responsáveis cerca de 85% das emissões globais.

A questão climática foi um dos principais pontos de divergência nas negociações. O grupo cobrou o "aumento rápido e substancial" no financiamento climático e nos recursos enviados por países ricos para que nações em desenvolvimento possam fazer uma transição energética e ter uma infraestrutura adaptada às mudanças climáticas.

"Comprometemo-nos a acelerar urgentemente nossas ações para enfrentar as crises e os desafios ambientais, incluindo as mudanças climáticas", afirma o texto final da reunião.

De acordo com fontes ouvidas pela agência Reuters, um dos principais pontos de atrito entre os líderes foi a proposta sugerida por países ocidentais de triplicar as capacidades para uso de energia renovável até 2030, que inicialmente incluía um trecho mencionando a redução nas emissões de gases de efeito estufa em 60% até 2035.

A iniciativa recebeu forte oposição da Rússia, China, Arábia Saudita e Índia, e apenas a primeira parte aparece no texto.

Não houve consenso também em relação a compromissos de zerar as emissões líquidas antes de 2050, pressão que vinha sendo feita por países do G7. Em vez disso, o texto apenas reitera o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono "até meados do século", considerando também o contexto de cada nação e o avanço da ciência.

Em discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levantou a questão climática destacando que "o descompromisso com o meio ambiente nos leva a uma emergência climática sem precedentes". Segundo Lula, o tema será central na agenda do G20 quando o Brasil assumir a presidência do fórum em 2024, que terá a próxima cúpula no Rio de Janeiro.

— As secas, enchentes, tempestades e queimadas se tornam mais frequentes e minam a segurança alimentar e energética — acrescentou Lula, que prepara o país para sediar a cúpula climática da ONU (COP30) em 2025 (Com AFP, Bloomberg e New York Times).