Justiça

Lula repete Bolsonaro e usa AGU e Ministério da Justiça contra jornalista

Órgãos do governo federal foram acionados para investigar falas de Alexandre Garcia sobre a tragédia no Rio Grande do Sul

Presidente Lula - Evaristo Sá/AFP

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, através da Advogaria Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça, abriu investigação contra o jornalista Alexandre Garcia, o acusando de compartilhar fakenews sobre a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul. A ação de usar a máquina pública contra a conduta de jornalistas, no entanto, remete ao 'modus operandi' do governo Jair Bolsonaro, que por pelo menos quatro vezes acionou os mesmo órgãos contra críticos de sua gestão.

A reação do governo petista aconteceu neste domingo, após Alexandre Garcia afirmar no programa "Oeste Sem Filtro", da Revista Oeste, que "não foi só a chuva" que causou enchentes no estado. A passagem de um ciclone na região deixou pelo menos 43 mortos no estado. Garcia, em suas afirmações, disse ainda que "no governo petista foram construídas, ao contrário do que recomendavam as medições ambientais, 3 represas pequenas, que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo. Isso causou uma enxurrada".

Logo após a repercussão de sua fala, o advogado-geral da União, Jorge Messias, anunciou em suas redes sociais que pediria a instauração de investigação contra o jornalista, que segundo ele estava fazendo uma "campanha de desinformação".

Eduardo Messias faz post sobre caso no Twitter. Reprdução/Twitter

"Determinei à Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia a imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida pelo jornalista. É inaceitável que, nesse momento de profunda dor, tenhamos que lidar com informações falsas", escreveu Messias, que ainda garantiu: "Vamos buscar a responsabilização".

Quem também reagiu foi o ministro da Justiça, Flávio Dino. Sem citar nominalmente o jornalista, Dino fez uma postagem em sua conta no Twitter afirmando que "fake news é crime e não instrumento de lura política". Ele garantiu ainda que irá acionar a Polícia Federal, para que ela adote providências.

"Reitero que fake news é crime, não é “piada” ou instrumento legítimo de luta política. Esse crime é ainda mais grave quando se refere a uma crise humanitária, pois pode gerar pânico e aumentar o sofrimento das famílias. A Polícia Federal já tem conhecimento dos fatos e adotará as providências previstas em lei", publicou.

 



Alvos Bolsonaro
Já durante o governo Jair Bolsonaro, um dos alvos de investigações foi o colunista da 'Folha de S.Paulo' Hélio Schwartsman, que respondeu a um inquérito da Polícia Federal após publicar um artigo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”. A investigação foi aberta após determinação do então ministro da Justiça e Segurança Pública e atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça.

À época, o governo usou como justificativa para o procedimento a Lei de Segurança Nacional, que prevê penas para quem “caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. A lei, criada durante a ditadura militar, foi posteriormente revogada pelo próprio Bolsonaro. Antes de sua revogação, no entanto, a Advocacia Geral da União chegou a enviar um parecer ao STF defendendo o uso da legislação.

"A fim de demonstrar os limites e garantir a permanência do Estado Democrático de Direito, a Lei de Segurança Nacional tipifica condutas que, de alguma forma, pretendam violar o regime democrático e as instituições republicanas. A Lei de Segurança Nacional mostra-se compatível com os direitos e preceitos fundamentais, inclusive com a liberdade de expressão", afirmou a AGU.

A mesma legislação foi usada contra o cartunista Renato Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat. A ação contra o primeiro foi motivada por uma charge crítica a Bolsonao. No desenho, o ex-presidente aparecia com balde e pincel nas mãos após pintar as pontas de uma cruz vermelha (símbolo usado em hospitais e ambulâncias) e transformá-la em uma suástica (símbolo do nazismo). O desenho foi feito depois que Bolsonaro sugeriu, em uma live, que seus seguidores entrassem em hospitais públicos para filmar os leitos de UTI e mostrar se eles estão realmente ocupados.

Em maio de 2021, a A Justiça Federal de Brasília mandou arquivar a investigação contra o cartunista. Na decisão, a juíza afirmou que o desenho e o seu compartilhamento não são condutas que atingem a figura do chefe do Executivo de modo a colocar sob risco a segurança e a integridade do Estado brasileiro.

O jornalista do portal Metrópoles, RIcardo Noblat, foi citado na mesma decisão. Isso porque ele também foi alvo de um pedido de investigação de Mendonça, por compartilhar a charge de Aroeira em suas redes sociais. Ele, no entanto, ainda respondeu a uma segunda ação por compartilhar um texto do escritor e jornalista Ruy Castro.

O ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a publicar em suas redes sociais um post de seu então ministro André Mendonça, onde ele justificava a motivação da abertura de inquérito junto à PF.

"Solicitei à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) abertura de inquérito para investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat, com alusão da suástica nazista ao presidente Jair Bolsonaro. O pedido de investigação leva em conta a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art. 26", escreveu o então ministro da Justiça, em mensagem reproduzida por Bolsonaro.

André Mendonça também pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar a conduta do colunista Ruy Castro, do jornal "Folha de S.Paulo" . Em um texto publicado em janeiro de 2021, Ruy Castro ironizou o presidente americano, Donald Trump, após a crise da invasão do Capitólio. O escritor disse que se o presidente americano desejasse se tornar um “mártir”,” herói” ou “ícone” para seus seguidores, poderia se matar. Ao falar de Bolsonaro, lembrou que o presidente brasileiro costuma imitar ações de Trump. E sugeriu que ele também cometesse suicídio.

Resposta AGU
Através da assessoria de imprensa, a AGU informou que não necessariamente a medida adotada pelo órgão no caso de Alexandre Garcia será um processo judicial, pode ser, por exemplo, um pedido de direito de resposta, cujo uso é consagrado no direito brasileiro. A decisão sobre como será o andamento do caso se dará após a conclusão da análise da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, unidade da AGU que trata de casos de desinformação relacionada a políticas públicas.