MPF decide reabrir investigação sobre compra de pistolas na intervenção comandada por Braga Netto
General ocupou o cargo de interventor federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MP-RJ) vai pedir o desarquivamento de investigação sobre possíveis irregularidades na compra de 27 mil pistolas Glock, em 2018, durante a intervenção federal na segurança pública do estado. A medida foi decidida depois da Operação Perfídia, deflagrada nesta terça-feira, que apura supostas fraudes na dispensa ilegal de licitação e organização criminosa durante a compra de 9.360 coletes balísticos no mesmo período da intervenção.
Responsável pelo arquivamento em 2019, o procurador da República Eduardo Benones, indagado sobre o caso, disse que pedirá a reabertura das investigações pela semelhança com o inquérito da compra de coletes. Assim como a aquisição das pistolas, a compra das vestimentas foi fechada com dispensa de licitação.
A reabertura do caso permitirá que o MPF verifique, por exemplo, se foram os mesmos agentes públicos que negociaram e autorizaram a compra, entre os quais o general Braga Netto, que comandou a intervenção - o oficial, embora não tenha sido alvo de buscas na Perfídia, teve o sigilo telefônico quebrado por decisão judicial.
A compra das pistolas Glock, calibre .40, custou aos cofres federais R$ 43,3 milhões em recursos destinados à intervenção. A PM fluminense ficou com o maior número de pistolas (15 mil, no total), a Polícia Civil recebeu 9.360, enquanto a Secretaria de Administração Penitenciária teve 3 mil armas e o Corpo de Bombeiros, 64 pistolas.
Benones, também responsável pela investigação da compra de coletes, disse que um procedimento sobre as pistolas foi instaurado em 2019, uma vez que a fonte da denúncia era confiável, mas a apuração à época não conseguiu chegar a um resultado efetivo, razão pela qual decidiu pedir o arquivamento.
Operação da Polícia Federal
A investigação da Polícia Federal tem como objetivo apurar os crimes de patrocínio de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção ativa e passiva e organização criminosa supostamente praticadas por servidores públicos federais quando ocorreu a contratação da empresa americana CTU Security LLC pelo governo brasileiro. O contrato foi para a aquisição, em 2018, de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro.
Naquele ano, um decreto do então presidente Michel Temer colocou a segurança pública do Rio a cargo das Forças Armadas. O general Braga Netto, do Comando Militar do Leste (CML), foi nomeado interventor.
O general teve o sigilo de seu telefone quebrado no âmbito da operação que investiga a compra de coletes à prova de balas, realizada com sobrepreço pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, em 2018.
Sobrepreço de mais de R$ 4 milhões
A investigação começou com a cooperação internacional de Agência de Investigações de Segurança Interna (Homeland Security Investigations – HSI) na qual informa que a empresa americana CTU Security e o governo celebraram contrato, através do Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro, com suposto sobrepreço em coletes balísticos.
As autoridades americanas levantaram a suspeita de fraude no curso da investigação americana sobre assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse em julho de 2021. A empresa CTU Security LLC foi responsável pelo fornecimento de logística militar para executar a derrubar Moïse e substituí-lo por Christian Sanon, um cidadão americano-haitiano.
Segundo o G1, a Agência de Investigações de Segurança Interna analisou conexões e contratos da CTU e encontrou o do fornecimento de coletes para o Gabinete de Intervenção. Em 9 de fevereiro do ano passado, a Embaixada dos Estados Unidos encaminhou um e-mail à Polícia Federal, em Brasília, avisando do sobrepreço.
Após a comunicação das autoridades americanas, o TCU encaminhou dois ofícios e dois processos referentes à tomada de contas das compras das contratações de coletes balísticos pelo Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro (Girf). Foram apontados indícios de conluio entre as empresas e de estas terem conhecimento prévio da intenção de compra dos coletes pelo Girf e estimou um valor total global do potencial sobrepreço de R$ 4.640.159,40.
A empresa CTU Security LLC celebrou o contrato nº 79/2018 com o Girf, após a dispensa de licitação 27/2018, no dia 31 de dezembro de 2018 (último dia de intervenção), no valor de US$ 9.451.605,60 (R$ 40.169.320,80 pelo câmbio à época), tendo recebido integramente o pagamento do contrato no dia 23 de janeiro de 2019. Após a suspensão do contrato pelo Tribunal de Contas da União, o valor foi estornado no dia 24 de setembro de 2019. O TCU fez uma investigação administrativa. A operação desta terça da PF é dentro de uma investigação no âmbito criminal.
Além desta contratação, a Operação Perfídia investiga o conluio de duas empresas brasileiras que atuam no comércio proteção balísticas e formam um cartel deste mercado no Brasil. Tais empresas possuem milhões em contratos públicos.
O general Walter Souza Braga Netto afirmou em nota à imprensa nesta terça-feira que o próprio Gabinete de Intervenção (GIF) suspendeu o contrato com a CTU Security, para a compra de 9.360 coletes balísticos, após avaliar que havia supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa americana.
Ainda segundo o general, os contratos do GIF seguiram todos os trâmites legais previstos na lei brasileira. Especificamente sobre os coletes, ele afirmou que o equipamento não foi adquirido ou tampouco entregue. "Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública", afirmou.
Leia a íntegra da nota
"Diante de matérias veiculadas hoje (12) pela imprensa, é importante reiterar que os contratos do Gabinete de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trámites legais previstos na lei brasileira.
Com relação a compra de coletes balisticos da empresa americana CTU Security, é preciso destacar que a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa.
Isto posto, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública. O empenho foi cancelado e o valor total mais a variação cambial foram devolvidos aos cofres do Tesouro Nacional. Todo o processo vem sendo acompanhado pela Secretaria de Controle Interno (CISET) da Casa Civil, pela Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU). No que se refere à dispensa de licitação, a decisão teve por base o Acordão 1358/2018 do TCU, que estabelece que é possível a realização de contratações diretas durante intervenção federal. Desde que o processo de dispensa de contratação esteja restrito à área temática, assim entendidos os bens e serviços essenciais à operação.
É importante também lembrar que durante a intervenção foram empenhados R$ 1,17 bilhão, sendo que deste total, cerca de 81% foram destinados à aquisição de equipamentos e material permanente e 19% à compra de material de consumo.
O legado tangível e intangível da Intervenção Federal recuperou a capacidade operativa, logística e moral dos órgãos de segurança pública. Durante 10 meses de operação (de fevereiro a dezembro de 2018), diversos índices de criminalidade foram reduzidos, incluindo os crimes contra a vida, como latrocínio (-27%); e crimes contra o patrimônio, como o roubo de carga (-13%).
Em abril de 2023, foi realizada, a entrega do helicóptero Leonardo AW169 ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), adquirido em janeiro de 2019, durante a intervenção.
O GIF equipou os órgãos de segurança pública com a entrega de armamentos, munições, coletes, viaturas, equipamentos para perícia criminal, câmeras de monitoramento, drones, entre outros itens".
Decreto da intervenção assinado em 2018
O decreto da intervenção federal na segurança do Rio foi assinado pelo presidente Michel Temer no dia 16 de fevereiro de 2018. A medida teve efeito imediato. O governador na época era Luiz Fernando Pezão. O interventor escolhido foi o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste do Exército, sediado no Rio de Janeiro.
Braga Netto anunciou oficialmente o general Richard Nunes como o titular da pasta. Já chefe de gabinete da intervenção foi o general Mauro Sinott. Ao assumirem o controle da segurança, os militares podiam atuar no patrulhamento das ruas e fazer prisões, sempre dentro dos mesmos limites legais que regem a atuação policial.