BRASIL

Programa Nacional de Imunizações completa 50 anos em meio a desafios

O país não atinge a meta de vacinação preconizada pelo Ministério da Saúde, que varia de 90% a 95%, há quatro anos

Vacinação - Rovena Rosa/Agência Brasil Saúde

Controlar os casos de sarampo, tuberculose, tétano e poliomielite e reduzir as mortes de crianças no país foi o principal motivo para a criação, em 1973, do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos hoje, dia 18.

Em 1940, a mortalidade de brasileiros de até 5 anos chegou a ser de 212 a cada mil. Dez anos após a criação do PNI, a mortalidade infantil já era 50% menor. Nestas cinco décadas de atuação, o programa acumula feitos como a erradicação da varíola humana, rubéola e poliomielite, mas vem enfrentando desafios com a ascensão de movimentos antivacina.

O êxito do PNI é reconhecido internacionalmente, tendo levado especialistas do país a serem convidados para contribuir em campanhas de vacinação em outros países. Após sua fundação, a expectativa de vida no Brasil saltou de 57 anos, em 1970, para 76, em 2019. Os anos de trabalho do programa reduziram a taxa de morte de crianças para 14 a cada mil em 2019.

Nos últimos anos, contudo, a adesão às vacinas previstas no PNI despencou. O país não atinge a meta de vacinação preconizada pelo Ministério da Saúde, que varia de 90% a 95%, há quatro anos. A baixa vai desde a campanha anual contra a Influenza (o vírus da gripe), que não alcançou 70% do público-alvo neste ano, até doenças que ameaçam retornar ao Brasil, como a própria pólio.

Enquanto a meta preconizada pelo ministério é de 95% do público-alvo imunizado para manter a poliomielite sob controle, em 2022, apenas 77,2% foram protegidos. Até setembro deste ano, a cobertura estava em 54,4%. Segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), a última vez que o Brasil alcançou a meta foi em 2015, e a marca de 80% não é ultrapassada desde 2019. A doença foi erradicada no país em 1989.
 

— Herdamos um cenário bastante difícil, por causa do movimento Antivax que não existia no Brasil. Isso foi criado artificialmente durante a pandemia — comenta a secretária de Vigilância em Saúde do ministério, Ethel Maciel.

Mesmo com o avanço da cobertura vacinal caminhando a passos lentos, Maciel afirma que os indicadores estão começando a mudar. Um exemplo é a adesão à vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que, segundo ela, aumentou em 80% do ano passado para cá. A titular diz que a melhora superou suas expectativas e acredita que os dados são sinalizadores de que “as estratégias estão funcionando”.

— Nós tivemos, agora, uma melhora dos nossos indicadores. Algumas vacinas tiveram melhora surpreendente, até mais do que eu esperava. Por exemplo a do HPV. É uma vacina importantíssima que sofreu muito com a desinformação. Ela tinha despencado e estamos chegando a mais de 80% de aumento na cobertura.

No total, hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece 20 vacinas gratuitamente à população, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fake news e nova geração
Quando a ministra Nísia Trindade e toda sua equipe tomaram posse na Saúde em janeiro, ela declarou ter encontrado a pasta desestruturada e o PNI sem força para coordenar a vacinação no Brasil. À frente das ações de imunização no ministério, Ethel Maciel elenca os problemas de comunicação, a circulação de fake news e o descrédito à ciência como os primeiros desafios que precisou encarar no cargo.

— Não tínhamos agência publicitária, tínhamos uma forte campanha de desinformação e nenhuma estratégia do governo para lidar com isso. Foi isso que encontramos em janeiro, além de um sério problema no estoque — lembra

Ela diz que haverá uma campanha tendo como foco a luta contra a desinformação:

— Em 29 de setembro a ministra e o presidente irão lançar uma ação contra a desinformação com foco em vacinas — adianta.

De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, o atual cenário também é reflexo da perda de percepção de risco para determinadas doenças:

— À medida que a população vai sendo vacinada, as pessoas não veem as doenças circulando mais e a percepção de risco vai lá pra baixo. Pessoas jovens pararam de temer as doenças e começaram a temer efeitos adversos das vacinas, que apresentam riscos disparadamente menores. Tivemos, ainda, um posicionamento do governo federal contrário às vacinas no lugar do estímulo, potencializando esse medo.

Perspectiva positiva
Por mais que reconheça que ainda há muito trabalho a ser feito para retomarmos os antigos patamares das coberturas vacinais, Levi tem uma boa expectativa acerca da vacinação no Brasil nos próximos meses.

— Acho que ainda não está tudo resolvido, não é de uma hora para outra que irão arrumar toda a casa e ainda há muita coisa a ser feita, mas acredito que existe intenção e boa vontade do governo. A perspectiva para 2024 é positiva e não é de uma hora para outra que vão arrumar toda a casa — afirma.

Na avaliação do ministério, contudo, o prejuízo até aqui “é enorme” e vai além do desperdício econômico.

— O maior prejuízo são as sequelas e óbitos de vidas que poderiam estar protegidas. Crianças que terão sequelas para o resto da vida, outras que morreram. Não tem nem como mensurar, perder uma vida para uma doença que tem proteção é uma tragédia, é inaceitável — reforça a secretária de Vigilância em Saúde.