Rio de Janeiro

Moradores do rio perdem em média 7,5 dias de trabalho ao ano devido a tiroteios envolvendo policiais

Prejuízo é R$ 9,4 milhões, revela estudo do CESeC que calculou também em mais R$ 4,7 milhões os gastos da população par

Forças Armadas atuam em comunidades do Rio de Janeiro - Leo Correa/AFP

Em dois dos principais complexos de favelas do Rio — o da Penha e o de Manguinhos, na Zona Norte da cidade — moradores impedidos de trabalhar devido à ocorrência de ações policiais perderam, em média, 7,5 dias de serviço ao ano, gerando uma perda de R$ 9,4 milhões, revela a pesquisa “Favelas na Mira do Tiro: Impactos da Guerra às Drogas na Economia dos Territórios”, lançada nesta segunda-feira pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Nessas comunidades, quase 90% das pessoas relataram tiroteios envolvendo agentes do Estado. Rotina que, segundo o levantamento, também interrompeu o acesso a serviços essenciais, como energia elétrica e internet, e provocou o fechamento temporário do comércio local.

"A guerra às drogas afeta toda a sociedade brasileira. Mas são os moradores de favelas, pobres e negros os mais prejudicados, inclusive financeiramente" afirma Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC. "Nesta lógica, predomina uma visão racista e estereotipada desses territórios que naturaliza uma série de violações de direitos aos moradores, o que não seria tolerado nas áreas ricas" completa ela.

Ao todo, 800 pessoas foram ouvidas nas duas regiões. Das que afirmaram exercer atividades remuneradas (69% do total) e souberam de uma ou mais operações no período, 60,4% ficaram impedidas de trabalhar devido às ocorrências. O cruzamento desses dias perdidos, tamanho da população com 18 anos ou mais e renda média por adulto em ambos os complexos possibilitou o cálculo dos prejuízos gerados pelo trabalho não realizado pelos moradores.

Com base nas entrevistas, chegou-se ainda ao valor gasto para a reposição ou reparo de bens danificados nas ações da polícia: R$ 4,7 milhões por ano nos dois conjuntos de favelas. Do total, 16,5% relataram esse tipo de problema. Só para os consertos de estragos causados nas estruturas das casas, como janelas e paredes atingidas por tiros ou portas arrombadas, foi estimado R$ 1,1 milhão.

Diante de tantos danos, o estudo afirma que “o custo da interrupção dos serviços provocados por ações policiais acaba ficando em segundo plano”. Mas, se financeiramente não é um peso tão grande, são transtornos que se multiplicam. Nos 12 meses anteriores à pesquisa, a pesquisa mostra que 44,9% dos moradores ficaram sem energia elétrica em casa em decorrência das ações policiais, 32,1% relataram terem ficado sem internet e, 17,3%, sem água. Sem energia elétrica, por exemplo, foram 35 horas em média, tempo suficiente para estragar alimentos e interromper tratamentos de saúde de pessoas com necessidades especiais.

Grande parte dos moradores relatou ainda ter ficado impedida de usar os meios de transporte (56,6%), de realizar atividades como lazer (42,8%), de receber encomendas (33,3%), de comparecer a consultas médicas (32,3%) e de estudar (26%).

No último dia 2 de agosto, por exemplo, dez pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas, entre elas dois PMs, numa operação no Complexo da Penha. Devido a protestos, ônibus não puderam circular pela região e 3.220 alunos ficaram sem aulas.

Os complexos da Penha e de Manguinhos foram escolhidos para o estudo justamente porque, entre junho de 2021 e maio de 2022, registraram a maior frequência de tiroteios durante ações policiais, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. A pesquisa é a quarta etapa do projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, que nos últimos meses revelou impactos como o fechamento de escolas e de unidades de saúde devido aos confrontos envolvendo policiais.

R$ 2,5 mi de prejuízo no comércio
Nesta fase, também foram mapeados todos os 367 pontos de comércio existentes em duas favelas da área estudada: a Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, e a Mandela de Pedra, no Complexo de Manguinhos. Foi traçado um perfil desse mercado, como o fato de a categoria "alimentação e bebida'" representar 52,4% dos negócios na Vila Cruzeiro e 48% em Mandela de Pedra.

E nos 303 estabelecimentos que seguiam abertos no momento da aplicação dos questionários, a pesquisa mostra que os tiroteios com participação das forças de segurança do Estado provocaram o fechamento de 51,3% dos que ficam na Vila Cruzeiro e de 46,3% dos localizados em Mandela de Pedra. Nas duas comunidades, 51,2% dos estabelecimentos tiveram ainda diminuição em suas vendas e/ou atendimentos em decorrência das ações policiais. Com as perdas de faturamento, o prejuízo estimado foi de R$ 2,5 milhões.