'Ainda quer uma bonequinha?': Família peruana é acusada de operar rede de tráfico de bebês
Esquema que envolvia um centro obstétrico clandestino foi descoberto após a prisão de uma mulher suspeita de comprar um recém-nascido
Antes de ser levada para a penitenciária feminina de Qenqoro, em Cusco, no Peru, Fanny Hurtado tentou comover o tribunal. Ela foi detida no dia 4 de setembro, em um hospital, com um recém-nascido que não era seu.
—Me deixei levar porque queria ser mãe como toda mulher. Estava em depressão porque meu pai tinha acabado de morrer. Eu não queria fazer mal ao bebê. Eu o salvei — disse diante da juíza.
Hurtado, de 45 anos, contou que estava no mercado San Jerônimo quando uma mulher se aproximou e pediu que ela cuidasse do bebê de uma sobrinha durante 3 dias. Segundo Hurtado, a mulher teria descoberto que ela não podia ter filhos conversando com comerciantes do lugar que a conheciam. Hurtado também afirmou aos juízes que esteve em centros de reprodução assistida, no passado, sem sucesso. Ela negou ter pago pelo bebê durante os interrogatórios e as audiências.
Na próxima sexta, o menino completa um mês sob a proteção do Ministério da Mulher e das Populações Vulneráveis do Peru. A princípio, trocas de mensagens entre Fanny Hurtado e uma mulher chamada Rosa Huayhua mostram que houve pagamento no valor equivalente a US$ 811 dólares pela criança, e que restou uma dívida.
— Eles me disseram que era o dinheiro para os trâmites da adoção legal — disse a mulher.
"Eles" são os outros envolvidos no caso: Rubén Mora e Lizet Zambrano, filha de Rosa, que é apontada como a chefe da suposta rede de venda de crianças que operava perto da praça Maior de Cusco, sob a fachada de um centro obstétrico. Tanto Mora como Zambrano foram os destinatários dos depósitos em dinheiro. Apesar disso, e da prisão em flagrante de Mora, a juíza concedeu liberdade temporária por uma questão formal — alegou que foram detidos arbitrariamente, sem ordem prévia.
Rosa Doris Huayhua não voltou para a audiência em que foi decretada prisão preventiva dela por nove meses e agora ninguém sabe onde ela está. O gabinete de controle do Poder Judiciário de Cusco abriu uma investigação contra a juíza.
Clã do crime
O paradeiro de Lizet Blanca Zambrano também é um mistério. Apesar de não ter sido presa em flagrante, seu envolvimento é direto. Dentro do organograma da quadrilha, batizada de “Os imperiais de San Jerônimo”, ela se encarregava de atender e certificar o nascimento dos bebês ao se apresentar como formada em obstetrícia. Emiliana Huacasi, do Colégio de Obstetras de Cusco, esclareceu que a mulher não é “filiada, nem estava habilitada para exercer” a profissão.
Lizet Zambrano não é a única filha de Rosa Doris Huayhua que está envolvida. O diario Perú 21 publicou uma troca de mensagens que sugere a participação de Candy Gutiérrez Huayhua, irmã de Zambrano.
“Candy, essa senhora ainda quer uma bonequinha?”, perguntou Rosa a sua filha. “Sim, acredito que sim” respondeu. Tudo indica que era uma operação de um clã: mãe e filha se dedicavam a captar gestantes e a segunda filha adulterava os documentos. De acordo com as investigações, não comercializavam só bebês, mas fetos também.
— Provavelmente, os usavam para “pagamentos à terra” [cerimônia mística de oferenda]. E se os bebês tivessem alguma deficiência, aparece nas conversas que eles poderiam fazê-los dormir. Em outras palavras, matá-los — frisou Paulo Rivera Quispe, procurador adjunto de Tráfico de Pessoas.
A Procuradoria de Tráfico de Pessoas continua a busca pela mãe biológica do recém-nascido que descortinou a rede de traficantes e pelas mulheres que iam até o centro obstétrico clandestino, onde eram feitos partos e abortos.
— Há mais envolvidos, inclusive pessoal de saúde. Não seria o primeiro bebê levado ao hospital onde Fanny Hurtado foi detida — disse uma fonte policial ao jornal de Cusco. O Ministério Público estima que cerca de 20 crianças tenham sido vítimas de tráfico.