Lula e Zelensky se reúnem hoje: relembre troca de farpas e idas e vindas de presidente sobre guerra
Presidente brasileiro provocou incidentes diplomáticos ao equiparar responsabilidades russa e ucraniana pelo conflito no Leste Europeu
Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e autoridades do governo brasileiro tenham minimizado a expectativa sobre a reunião com Volodymyr Zelensky à margem da Assembleia Geral da ONU, marcada para esta quarta-feira, o esperado encontro com o líder ucraniano é o primeiro, presencialmente, após meses de declarações polêmicas de Lula sobre a guerra na Ucrânia e momentos de trocas de farpas entre os presidentes.
Pouco depois do fim de sua participação na sessão plenária da Assembleia Geral, na quarta-feira, Lula afirmou que a reunião com Zelensky foi um "pedido" do governo ucraniano e indicou que ouviria os temas que a delegação quisesse apresentar.
— Vou receber o Zelensky para conversar os problemas que ele quer conversar comigo — disse o presidente a repórteres no lobby do hotel onde está hospedado em Nova York, após a volta de uma recepção com o embaixador do Brasil na ONU. — Não tem expectativa com o Zelensky. A expectativa é de uma conversa de dois presidentes de dois países, cada um com seus problemas, cada um com suas visões.
O assessor especial da Presidência e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também falou sobre o encontro entre Lula e Zelensky. Amorim desviou ao ser perguntado sobre o bilateral e disse não entender a "obsessão" com o Zelensky.
Com a guerra na Ucrânia quase monopolizando as principais agendas internacionais, Lula foi confrontado sobre o tema por diversas vezes. Alguns dos comentários geraram incidentes diplomáticos, principalmente quando o presidente brasileiro relativizou a responsabilidade russa pelo início do conflito e acirrou a retórica contra aliados da Ucrânia, dizendo que eles contribuíam para o prolongamento da guerra.
Os tropeços de Lula sobre a crise no Leste Europeu provocam tensões desde antes do retorno do presidente ao Palácio do Planalto. Em maio de 2022, em uma entrevista publicada pela revista Time, o petista afirmou que Zelensky "quis a guerra", o que lhe rendeu a inclusão na lista de promotores das narrativas russas pelo Centro para Contenção de Desinformação. Meses depois, o nome do brasileiro foi retirado.
Desde que voltou a ocupar a Presidência, contudo, Lula vem intercalando idas e vindas sobre o conflito na Ucrânia. No primeiro mês de mandato, durante uma visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, ao Brasil, ele sugeriu a criação de um grupo de países para selar a paz, cobrou a participação mais ativa da China nas negociações e condenou a Rússia pela invasão, a qual se referiu como um "erro histórico".
— Sei do esforço do chanceler para evitar essa guerra. Chega uma hora que não se sabe como (vai) acabar. A minha sugestão é que se crie um grupo de países para encontrar a paz. Falei com (o presidente da França, Emmanuel) Macron, o chanceler Scholz. Vou falar com presidente (americano Joe) Biden. Eu falei para criar um grupo, para sentar com Rússia e Ucrânia numa mesa, para selar a paz. A gente está assistindo uma guerra que nem sei por onde começar. Quero falar com o Xi Jinping, porque está na hora de colocar a mão na massa — disse Lula. — A guerra já foi feita, de forma precipitada, foi um equívoco, um erro histórico da Rússia invadir o território da Ucrânia — disse Lula.
O tom permaneceu moderado nos meses seguintes, quando Lula conversou com Zelensky por videoconferência e reafirmou o interesse de uma iniciativa em torno da construção da paz e do diálogo, em março. Em abril, contudo, surgiu a primeira declaração mais ácida com relação ao apoio do Ocidente, sobretudo dos EUA e seus aliados da Otan, à Ucrânia. Ao defender a soberania ucraniana em um encontro com jornalistas, Lula deixou escapar que condenava a participação americana e da União Europeia no conflito.
— Putin não pode ficar com o terreno da Ucrânia. Talvez nem se discuta a Crimeia, mas o que ele invadiu (em 2022) vai ter que repensar. O (Volodymyr) Zelensky não pode querer também tudo o que ele pensa que vai querer. Tudo isso é assunto que tem que ser colocado na mesa — disse durante o encontro no Palácio do Planalto. — O Brasil defende a integridade territorial de cada nação. Nós não concordamos com a invasão da Rússia na Ucrânia. Agora, nós achamos que o mundo desenvolvido, sobretudo a União Europeia e os Estados Unidos, não poderia ter aceitado entrar na guerra da forma como entraram, com rapidez, sem antes gastar muito tempo tentando negociar. E negociar a paz é muito complicado.
O teor crítico ao Ocidente alcançou um nível mais elevado durante uma viagem oficial do presidente à China. Em uma entrevista ao fim da agenda oficial no país asiático, Lula afirmou que os EUA incentivavam a guerra. Ele também voltou a criticar a União Europeia. A fala provocou resposta da Casa Branca e do departamento de Estado americano, que negaram a versão e disseram que o presidente reproduzia a narrativa russa. Dias depois, nos Emirados Árabes Unidos, Lula voltou a culpar, ao menos parcialmente, a Ucrânia:
— A construção da guerra será mais fácil que a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por dois países. E agora nós estamos tentando construir um grupo de países que não têm nenhum envolvimento com a guerra, que não querem a guerra, que desejam construir paz no mundo, para conversarmos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia — declarou ao fim de uma visita a Abu Dhabi.
A escalada continuou com o retorno de Lula ao Brasil e a recepção ao chanceler russo, Sergei Lavrov. Embora não tenham mencionado o conflito, a presença do representante russo causou mal-estar na esteira das declarações anteriores e rendeu um convite do governo da Ucrânia para que o brasileiro visitasse Kiev para "compreender" a realidade da agressão russa. O mesmo convite foi reiterado por Zelensky em maio.
No auge da polêmica, Lula fez um breve recuo. Em um almoço com o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, no Itamaraty - um dia depois do encontro com Lavrov - Lula reforçou a posição do governo brasileiro nas Nações Unidas, de condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Fez essa declaração quase ao mesmo tempo que seu assessor para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, tratou do assunto em entrevista à GloboNews.
— O Brasil não tem as mesmas posições da Rússia, o Brasil defende a integridade territorial da Ucrânia como defende de todas as nações — sublinhou Amorim.
Na viagem seguinte do presidente ao exterior, pela União Europeia, Lula tentou sinalizar recuos, dizendo nunca ter igualado as responsabilidades de Moscou e Kiev, mas negando que iria à capital ucraniana.
Com o cenário de incerteza, o presidente viajou para o Japão, em maio, para um encontro do G7 em que Zelensky também era convidado. A expectativa sobre uma reunião cara a cara entre os dois líderes era crescente e tratativas avançaram neste sentido. No entanto, de acordo com o governo brasileiro, um desencontro de agendas impossibilitou a visita.
A versão do governo brasileiro é que foram oferecidos mais de dois horários para Zelensky, que, assim como Lula, participou de parte do evento como convidado. Porém, o ucraniano não apareceu. Já as autoridades ucranianas argumentaram que o Brasil demorou a responder ao pedido feito por Zelensky para se reunir com Lula. Quando a oferta de horários foi apresentada pelo governo brasileiro, o presidente do país do Leste Europeu já tinha compromissos agendados.
O desencontro perturbou as relações bilaterais. Zelensky deu declarações polêmicas depois disso. Uma delas, no mês passado, foi que de Lula repete o que diz o presidente da Rússia , Vladimir Putin. Em uma coletiva de imprensa com diversos jornalistas da mídia latino-americana no Gabinete Presidencial em Kiev, o presidente ucraniano, declarou que "as declarações de Lula não trazem paz alguma".