Delação

Quem é o almirante Garnier, apontado por Cid como apoiador de golpe?

Em delação, tenente-coronel cita que o então comandante da Marinha foi o único integrante da alta cúpula das Forças Armadas a endossar um plano para manter o ex-presidente no poder

O ex-comandante da Marinha ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro - Reprodução

Citado pelo tenente-coronel Mauro Cid na delação premiada concedida à Polícia Federal como único membro da alta cúpula das Forças Armadas a endossar um plano golpista a favor da permanência de Jair Bolsonaro na Presidência, o almirante Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha à época, nunca escondeu sua admiração pelo ex-chefe do Executivo. Nas redes sociais, são vários os registros ao lado do ex--presidente, muitos deles acompanhados de seu lema: "Tudo pela Pátria!".

Durante seu período à frente da Marinha, o almirante era definido como midiático e o mais bolsonarista dos três chefes das Forças de Bolsonaro. Nas redes sociais, em um perfil que criou em separado da conta da corporação, explicitava o carinho pelo então chefe do Executivo, que era homenageado também em sua mesa de trabalho, onde exibia um porta-retratos com uma foto de Bolsonaro abraçado a sua mãe, Suely, no dia da posse como comandante da Marinha.

Em entrevista à revista Época, em 2021, logo após assumir o posto, Garnier chegou a ser questionado sobre a possibilidade de participação em um hipotético golpe, ao que o militar prontamente negou.

— Que golpe é esse? Não consigo entender. Mas, também, não é meu papel entender. Meu papel é fazer o que venho fazendo aqui, reunindo com os demais membros do almirantado, planejar as próximas ações da Marinha, continuar o grande trabalho que o almirante Ilques (Barbosa) vinha fazendo — disse na ocasião o militar, que, em uma postagem, chegou a afirmar que sempre estaria à disposição do que chamou de "democracia real".

Como a colunista Bela Megale mostrou, o almirante Almir Garnier Santos é citado na delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid. Segundo o relato, Bolsonaro se reuniu, no ano passado, com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar. Se tivesse sido colocado em prática, o plano de golpe impediria a troca de governo no Brasil.

O então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente. Já o comando do Exército afirmou, naquela ocasião, que não embarcaria no plano golpista.

Garnier começou sua vida na Marinha aos 10 anos, quando entrou na Escola Industrial da Marinha, no Rio de Janeiro, onde nasceu. Já com bastante experiência no mar, aos 31 anos fez mestrado em pesquisa operacional e análise de sistemas na Naval Postgraduate School (NPS), nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, desenvolveu projetos de otimização de recursos, de emprego de Poder Naval, de jogos para treinamento de Guerra Naval e de implantação de sistemas de tecnologia da informação e comunicações.

Garnier se orgulha de ter mais de 900 dias de mar em sua carreira de marinheiro. Além da atuação operacional, ele também é coautor de dois livros sobre gestão de logística e cadeia de suprimentos. Assumiu a Marinha em abril de 2021, no lugar do almirante Ilques Barbosa Júnior, que entregou seu cargo junto com o chefe das outras duas corporações as Forças Armadas após ser surpreendido pela demissão sumária do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. No seu lugar no ministério assumiu o general Walter Braga Netto, que depois foi o candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, quando concorreu sem sucesso à reeleição.

O trabalho à frente da Marinha sob o comando de Bolsonaro não foi, no entanto, a primeira relação política do militar. Garnier atuou como assessor de ministros de governo anteriores, inclusive na gestão da ex-presidente petista Dilma Rousseff (PT). Garnier assessorou os ex-ministros Celso Amorim, Jaques Wagner e Aldo Rebelo durante o governo da petista, e o ex-ministro Raul Jungmann, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Negou conversas
Como mostrou o colunista do Globo, Lauro Jardim, Garnier afirmou, em pelo menos duas ocasiões, que havia se mantido em completo silêncio quanto às eleições de 2022, tanto em público quanto reservadamente. As declarações foram proferidas em 30 de setembro e em 3 de outubro (dia seguinte ao primeiro turno) do ano passado, via redes sociais, enquanto o militar negava informações que haviam sido apuradas pelo jornal “O Estado de S. Paulo” a respeito de posições dele, nos bastidores das Forças Armadas, sobre o processo eleitoral.

À época, o “Estadão” dizia que tanto Garnier quanto o general Freire Gomes (à época comandante do Exército) e o brigadeiro Baptista Júnior (então à frente da Aeronáutica) evitariam fazer comentários sobre os resultados das urnas que, um mês depois, passado o segundo turno, indicaram a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, com quem Garnier se demonstrava alinhado. Diante dessa projeção do jornal, Garnier garantiu: “Nunca tratei disso com ninguém”. E reiterou que “o fato de não ter se pronunciado, não muda o fato de que jamais comentei, com qualquer pessoa, algo a respeito desse assunto”, em alusão ao resultado do primeiro turno, com Lula à frente de Bolsonaro, rumo ao segundo.