Luto

Walewska: campeã olímpica teve carreira longeva, inspirou atletas da seleção e colecionou fãs

Ex-meio de rede da seleção brasileira morreu aos 43 anos, menos de um ano após se aposentar das quadras de vôlei; focada e amável, amigos lamentaram a perda

Waleswka - Reprodução

Longevidade na carreira de um atleta de alto rendimento é para poucos. Geralmente, reservado aos muito dedicados, focados, quase obcecados. Pode-se dizer que no voleibol posições como a de líbero ou de levantador contribuem para histórias longas. Mas no meio de rede... Uma atacante como Walewska Oliveira, de 43 anos, que faleceu na noite de quinta-feira (22), ao cair do 17.º andar do prédio onde morava, na região central de São Paulo, é caso raro.

Extremamente dedicada ao esporte, ela se manteve em alto nível até a temporada 2021/2022, quando se aposentou. Soube fazer amizades e colecionar fãs até entre as companheiras de equipe. Soube se reinventar, cuidar do físico, da alimentação. Somente em 2020, a jogadora passou pela primeira cirurgia da carreira, uma artroscopia no joelho.

— Só jogo até hoje, porque tenho disposição. Se não, não estaria aqui. Acho que não há segredo. Estou colhendo os louros dos sacrifícios e da preparação que faço há anos. Eu me cuido muito, principalmente em relação à alimentação e ao descanso — explicou Walewska, em entrevista ao Globo, em 2018, ano que ela verbalizou pela primeira vez que poderia se aposentar das quadras — Se me dispus a ser uma atleta de alto nível, tenho de fazer por onde.

No início daquela temporada, a meio de rede chegou a afirmar que se aposentadoria após a Superliga para ter filhos. Mas os planos mudaram. Ela contou que "queria terminar a temporada para ver como fisicamente responderia". E como estava "muito bem", resolveu jogar mais um ano. Na verdade, foram mais quatro.

Ao Globo, em 2018, ela disse que as dores nos joelhos, que eram “cansados”, podiam ser administradas. E que entre os cuidados, fazia massagens, pilates e natação, uma rotina que seguia à risca desde 2003. Não à toa, ao se despedir das quadras em 2022, pelo Praia Clube, teve a camisa 1 aposentada. Desde então, nenhuma outra jogadora a veste mais.

A campeã olímpica com a seleção brasileira foi peça chave na ascensão e sucesso do clube mineiro. Em sua autobiografia, "Outras redes", recém-lançado, ela confessou que o clube de Uberlândia era o seu preferido. Walewska, que teve passagens vitoriosas pela Itália (Perugia), Espanha (Murcia) e Rússia (Odintsovo), começou no vôlei aos 12 anos no Minas Tênis Clube.

Walewska, uma atacante de explosão e inteligente, chegou ao Praia em 2015/2016 quando o time começou a ganhar evidência. Em 2017/2018, veio o título inédito da Superliga. Após uma rápida passagem pelo Osasco, ela voltou ao time mineiro. E na temporada de despedida, além do título da Superliga, a então capitã fechou o ano com três ouros: o Campeonato Mineiro, o Sul-Americano 2021 e a Supercopa. Foram seis temporadas pelo Praia.

Por onde passou, Walewska deixou a mesma impressão. Era conhecida como uma pessoa educada, atenciosa e amável. Profissionalmente, um exemplo de perseverança, foco e cuidado com as companheiras de time. Ela foi campeã olímpica com a seleção de José Roberto Guimarães nos Jogos de Pequim, em 2008. No mesmo ano, considerada a melhor bloqueadora do Grand Prix.

Em Olimpíadas, ainda foi bronze em Sidney-2000 e ficou com o quarto lugar em Atenas-2004. Há algumas semanas, chegou a visitar a seleção feminina, ainda no Brasil, para desejar sorte na classificação para os Jogos de Paris-2024. Levou chocolates "sem açúcar".

Nesta sexta-feira, o Brasil entrou em quadra para enfrentar a Turquia pelo Pré-olímpico, em Tóquio, com uma tarja de luto. O técnico José Roberto Guimarães contou à TV Globo que havia "perdido uma filha".

Comentou que a Waleska foi exemplo de "tudo de bom que uma jogadora pode ser" e por isso, uma jogadora que "todo treinador sonha em ter" em seu time. Falou de seu exemplo de dedicação, disciplina, e comprometimento. E que ela sempre se preocupou em ajudar seu time, postura assumida desde muito pequena.

— Fico sem chão. Ela deixou um legado como atleta e pessoa. Sabe aquela jogadora que todo técnico gostaria de ter? Nós vamos sentir muita saudade. Eu perdi uma filha. É muito duro. — disse José Roberto, para a TV Globo.

A central Thaísa, de 36 anos, comentou que as jogadoras se emocionaram durante a oração antes a partida, que foi disputada na madrugada desta sexta-feira. E que "doeu muito". O Brasil foi derrotado pela Turquia e tem ainda duas partidas a disputar no torneio.

— Ela foi um dos ícones quando cheguei na seleção. Já era uma das veteranas, um espelho para mim, aprendi muito com ela, com a postura, a elegância, o charme, a educação, com tudo... Com a resiliência de estar sempre buscando e querendo mais. Representou o Brasil lindamente. É muito difícil... uma mulher tão forte e que para mim representou tanto. O vôlei perde um grande ícone, uma representante de muita força e amor pelo esporte — declarou Thaísa.

Bernardinho, atual coordenador das seleções masculinas de vôlei e que a treinou em clube no Paraná, foi quem escreveu o prefácio do livro de Walewska. Nesta sexta-feira, abalado com o ocorrido, se manifestou apenas via redes sociais: "Uma menina que eu vi se transformar em uma mulher incrível. Uma pessoa com uma energia lá em cima, dentro de quadra uma guerreira, amiga… Sempre demonstrou um carinho enorme com todos, aquele abraço que acolhia a todos. Uma aspirante que se tornou uma campeã. E realmente participei da transformação daquela largartinha numa borboleta linda, que voou pelo mundo, conquistou tantas coisas, mas nos deixou tão jovem, tão cheia de energia. Difícil demais de acreditar”

Atletas como Caral Gattaz, de 42 anos, medalhista de prata em Tóquio-2020 e uma veterana em atividade, sempre citou Walewska como inspiração.

A jogadora do Minas Tênis, uma das peças chave de José Roberto Guimarães, também é conhecida por se cuidar muito e assim como a Walewska não ter tido contusões importantes na carreira. Foi submetida a uma cirurgia no joelho em abril, aos 41 anos. Ela rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito num lance de jogo, quando caiu de mau jeito. Ela já está recuperada fisicamente e pronta para mais uma temporada.

—A Wal sempre foi uma amiga pessoal, uma inspiração. Não só no vôlei mas também como pessoa, como ser humano. Ela sempre foi um exemplo de uma grande mulher, mulher de caráter. Uma pessoa iluminada e que todo mundo gostava de ter perto, alegre e feliz. Como central eu sempre olhei e busquei fazer o que a Wal fazia de melhor... Foi a minha grande inspiração no vôlei. De uma certa forma, era uma pessoa que estava sempre perto de mim.

Carol disse que ainda não processou "tudo isso", que está "chocada, devastada e desacreditada":

— Parece que vou acordar de um sonho e tudo ter sido uma mentira... mando muita energia para a família porque esse momento é devastador.

A ex-ministra do Esporte, Ana Moser, também lamentou a morte da atleta para quem ela era "luz, doçura, e só trazia coisas boas para o seu entorno":

—Uma guerreira, gentil e inteligente. Dedicada aos times, aos grupos, sempre com um sorriso no rosto. Uma grande perda para nós, muito maior para a família. Meus sinceros sentimentos e muita oração e força para acalmar a dor — escreveu Moser em sua rede social: — Uma craque, craque, craque… não dá nem pra dizer o quanto que a Wal foi determinante por onde passou. Saudades e muita tristeza.