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Quem é o atleta paralímpico envolvido na deportação de menores ucranianos para a Bielorrússia

Atleta perdeu os membros após pisar em uma mina 'adormecida', quando tinha 16 anos, e posteriormente criou uma fundação para auxiliar crianças vítimas de guerra, principalmente as com deficiência

O atleta paraolímpico Aleksi Talai é fundador de uma organização que já levou milhares de crianças ucranianas para a Bielorrússia - Reprodução

Membro da seleção paralímpica da Bielorrússia, recordista, treinador motivacional, figura pública, pai de quatro filhos, filantropo. São muitas as atribuições dadas ao atleta bielorrusso Aleksei Talai, de 40 anos, mas uma se destacou especialmente nos últimos anos: criador da Fundação de Caridade Aleksei Talai. O centro organiza excursões para crianças ucranianas que vivem na região do Donbass, no Leste da Ucrânia, o que em Kiev ganha outro nome: sequestro, deportação ou até mesmo genocídio.

A fundação foi criada em 2021, quando levou o primeiro grupo de crianças de Donetsk a Minsk, capital bielorrussa, em setembro daquele ano, de acordo com a agência Belta, a mesma que divulgou o deslocamento recente de 50 crianças ucranianas. No grupo pioneiro, havia nove menores com deficiência (PCDs), acompanhados de sete adultos que, segundo a agência, seriam pais ou responsáveis autorizados, todos em posse dos documentos corretos.

Ao site oficial da República da Bielorrússia, Talai disse que já se dedicava à caridade antes mesmo da Fundação. Ele contou que alguns conflitos, como a Revolução Ucraniana, em 2014, e a batalha que se seguiu no Donbass — região que concentra as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk, hoje controladas em grande parte por Moscou —, trouxeram à memória a história da sua infância. Aos 16 anos, o atleta pisou em uma mina “adormecida” desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), perdendo os membros. Ele foi levado a um hospital na Alemanha para realizar o tratamento.

"Foi muito difícil assistir tudo isso. Minha história começou a passar na minha cabeça. Mas, essa é a realidade e algo deve ser feito em relação a isso" disse ao site.

Sua determinação foi primeiro vista na esfera esportiva. No seu perfil, Talai afirma que é faixa preta no taekwondo. Mas, foi fora dos tatames que o atleta se transformou em referência. Membro da seleção paraolímpica da Bielorrússia, Talai participou do Campeonato Mundial de Natação Paralímpica em 2019 e dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2020. Mesmo não tendo conquistado medalhas em Londres, Talai quebrou o melhor recorde mundial desde 1992 em uma bateria preliminar.

A fundação que leva seu nome teria sido então criada, segundo o Talai, para passar uma mensagem de perseverança às crianças flageladas por conflitos, principalmente as que acabaram mutiladas. Ele afirmou ao site bielorrusso que foi graças à ajuda do Centro Nacional de Crianças de Zubrenok, parte do Ministério da Educação da República da Bielorrússia, que a sua organização conseguiu trazer mais crianças para os chamados campos de saúde e recreação.

"Verdadeiro herói"
Segundo Talai, sua organização já trouxe milhares de crianças de várias regiões para a Bielorrússia. Enquanto o projeto é descrito pelo atleta ao site do governo como “muito importante”, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e organizações humanitárias como o Conselho de Direitos Humanos da ONU vêm denunciando a deportação ilegal de crianças do país desde o início da guerra, em fevereiro de 2022. Ao menos 19 mil já foram deportadas, e apenas 386 voltaram para casa, segundo a primeira-dama ucraniana, Olena Zelensky.

Apesar da crítica firme ao presidente russo, Vladimir Putin, que é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por este suposto crime de guerra, as denúncias também são direcionadas ao líder da Bielorrússia e seu aliado de primeira hora, Alexander Lukashenko. O chefe de Estado é acusado de financiar os campos de saúde e recreação no país que, segundo ativistas de oposição, seriam usados para submeter as crianças à doutrinação cultural e ideológica.

Talai, em um vídeo publicado no canal da agência Belta, no Youtube, e citado pelo Centro Investigativo da Bielorrússia, agradece o consentimento e o apoio de Lukashenko. A fundação, além de ser descrita como a gestora dos campos de saúde e recreação no país, é muito bem-quista pelo presidente. O atleta chegou a ser chamado de “herói” por Lukashenko, que afirmou “realmente admirá-lo”:

"Ele [Talai] é um verdadeiro herói. A fundação traz principalmente pessoas com deficiência. Como não ajudá-las? Deus vê tudo isso. Se nós ajudarmos as pessoas hoje, Deus vai nos recompensar depois. Portanto, continuaremos ajudando as crianças" disse Lukashenko, citado pelo site do governo.

Apesar das condenações internacionais, Talai afirmou ao governo bielorrusso que vai continuar trazendo crianças para o país, alegando que “a causa é justa”.

"Não vamos cair em provocações. Eu não tenho medo de ninguém, ou de nenhuma corte internacional, ou corpo internacional. Nossa causa é justa" argumentou Talei. "Nós nunca deixaremos crianças em perigo, onde quer que elas vivam: na Síria, nos Estados Unidos, ou na Alemanha. Se elas precisarem de ajuda e nós tivermos recursos, nós definitivamente iremos ajudá-las".

O mais recente deslocamento de crianças foi divulgado pela Belta na segunda-feira, na qual 50 crianças desembarcaram em Minsk trazidas pela organização do atleta.