LEITURA

Martinho da Vila indica 10 livros à plateia do Parque das Ideias, projeto de Marcio Debellian

Compositor falou sobre força transformadora da leitura e listou suas obras preferidas no evento, que leva programação gratuita de bate-papos, shows e cursos até junho de 2024 à biblioteca pública no Centro do Rio

Martinho da Vila e Marcio Debellian na estreia da segunda temporada do Parque de Ideias, na Biblioteca Parque - Divulgação / Juliana Bergamini

"Não é piada, gente, mas o Martinho da Vila está devagar, devagarinho", brincou o produtor Marcio Debellian, fazendo graça com a letra da composição clássica do sambista para anunciar que ele estava atrasado.

O artista era atração de estreia da segunda temporada do projeto Parque das Ideias, que leva, até junho do ano que vem, bate-papos, shows e cursos gratuitos à Biblioteca Parque da Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio.

Martinho fora convidado por Debellian, idealizador e curador artístico do evento, para falar sobre os dez livros que considera fundamental em seu acervo na série Ilustre Leitor - pela qual passaram, na edição de 2022, nomes como Gilberto Gil, Conceição Evaristo, Fabricio Carpinejar, Elisa Lucinda, Flávia Oliveira, Gregório Duvivier e Antonio Cícero.

O atraso não foi culpa de Martinho, que saiu a tempo de casa. É que ele deu de cara com a Linha Amarela fechada por conta de uma suspeita de explosivos. O cantor chegou 40 minutos depois da hora marcada, mas ganhou o público de cara com um pedido de desculpas naquele seu tom de malandro dengoso, que emendou com uma confissão sincerona:

- Dei até uma dormidinha no carro, gente... Que trânsito horrível, eu moro lá no subúrbio da Barra da Tijuca, quase Recreio...

Ele abriu a conversa contando que foi alfabetizado por seu pai, conhecido em Duas Barras, cidade natal do sambista, como "Seu Josué das Letras". "Bom dia, seu letrado", era como o cumprimentavam antigamente na cidade.
 

- Todo mundo era analfabeto em Duas Barras, e meu pai alfabetizou muitos filhos de fazendeiros. Era guardião de livros das fazendas - lembrou o compositor que, indicado ao Grammy Latino pelo disco "Negra Ópera".

Em seguida, Martinho lembrou que a mãe, analfabeta, virou escritora por meio dele, que contou a história da família no livro "Memórias Póstumas de Teresa de Jesus" como se fosse ela falando.

Martinho também discorreu sobre a força transformadora da leitura, mas assumiu não gostar muito "de livro grande" porque "pesa muito na hora de viajar". Contou ainda que não adota obras digitais porque gosta da experiência tátil de passar página por página.

O autor, claro, deu várias palinhas ao longo da noite, com trechos de suas músicas inspiradas em livros, como "Jubiabá", homônima à obra de Jorge Amado. Famoso vascaíno, relembrou a história de seu time, "o primeiro a permitir que negros jogassem".

Na plateia, muita gente estava de papel e caneta na mão para anotar a lista dos livros indicados pelo compositor (veja o box no final da matéria). Caso da professora do ensino fundamental do Município Juliana Santana, de 39 anos, que saiu de Vila Isabel para "conhecer o lado intelectual do artista".

Jornalista e locutor da rádio Saara, "a voz do Centro do Rio", Luiz Antonio Bap, de 61 anos, era outro que queria sair dali com "um horizonte, um norte" para escolher as próximas leituras. Ele contou que é isso que acontece toda vez que visita o projeto.

Bap é figurinha tarimbada por ali. Foi a todas as edições 2022 do Ilustre Leitor. Protagonizou até um momento especial que quem viu não esquece. Aconteceu durante a conversa com a jornalista Flávia Oliveira. Ela havia esquecido o nome de um poema de Florbela Espanca musicado por Fagner. Foi quando Bap soltou o vozeirão grave de radialista e cantarolou trecho da canção.

- Florbela é minha poetisa preferida - conta ele. - Quando cantei, a Flávia devolveu com "não faz assim que eu posso até me apaixonar".

Quem também não perde uma é a fotógrafa Ruth Vieira, 61 anos. Ela já é conhecida ali pelo nome e pela participação ativa nos debates. Foi quem convenceu Gilberto Gil a cantar "Andar com fé" quando o baiano esteve por lá. A fotógrafa destacou a principal vantagem do Parque de Ideias, na sua opinião:

- É 0800. Venho de São Gonçalo. Só de ônibus já é uma grana.

Desde o início do projeto, gratuidade era uma preocupação de Debellian, ciente de que qualquer R$ 20 pode pesar no bolso do público da biblioteca. A ideia do Parque de Ideias surgiu em 2018, quando ele passava de táxi e viu o equipamento cultural fechado.

- Bateu um inconformismo mesmo - conta. - Essa biblioteca existe há 150 anos, foi inaugurada por Dom Pedro II, pegou fogo, mudou de nome... Em 2014, foi lançada como dentro desse conceito colombiano das bibliotecas parque com estúdio, cinema, teatro. Veio a Copa, a Olimpíada e ela fechou em 2016. Eu tinha visto shows de Adriana Calcanhotto e Edu Lobo com filas na porta. Pensei: "O que aconteceu com aquele teatro? Como pode um lugar desses estar fechado?".

Com vontade de ser agente da mudança que acredita no mundo, em que o papel de cidadão pode ser transformador, o produtor aproveitou uma reunião com patrocinadores em que apresentaria outro projeto para lançar na mesa a proposta de reabertura da biblioteca. Toparam.

Veio a pandemia, e a concretização da ideia só pôde acontecer em 2022, quando iniciou um diálogo com a Secretária de Cultura e Economia Criativa do Estado, Danielle Barros. Com apoio do órgão, Debellian encorpou o movimento de revitalização iniciado pelo órgão e estendeu a programação às unidades da Biblioteca Parque de Manguinhos e Rocinha.

Desta vez, a agenda acontece apenas no Centro.

- O que me emociona é que quando a gente chegou aqui, o teatro estava desequipado, não tinha nem cortina mais. Os gatos da Praça da República moravam aqui dentro. Pegamos a verba de manutenção e fizemos uma série de melhorias. Quando vi o teatro lotado, todo bem composto, inaugurando com o espetáculo solo da Denise Stoklos, me deu uma coisa que... sei lá.

Hoje, tem show de Zezé Motta. Claudia Abreu com o monólogo "Virginia", e Virginia Rodrigues com o show em que canta Paulinho da Viola e Tiganá Santana serão outras atrações. Entre os cursos, com com curadoria pedagógica do professor da PUC Julio Diniz, estão os de escritas performáticas com Adriana Maciel e de atuação para o audiovisual com Ana Kfuri.

Há ainda masterclass de criação com Batman Zavareze e a oficina de desenho, com André Dahmer. Além de um stand-up em que Diogo Almeida brinca com casos pedagógicos, destinados a professores da rede pública, que também receberão aulas de práticas antirracistas.

OS LIVROS DO MARTINHO

1. Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

2. Os Bruzundangas - Lima Barreto

3. Fernão Capelo Gaivota - Richard Bach

4. 1808 - Laurentino Gomes

5. Jubiabá - Jorge Amado

6. O Compadre Ogum - Jorge Amado

7. Chatô: O Rei do Brasil - Fernando Morais

8. Memórias Póstumas de Tereza de Jesus - Martinho da Vila

9. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro - Sérgio Cabral

10. 20 Contos e uns trocados - Nei Lopes