Estados Unidos

Entenda o que é a ameaça de 'apagão' no governo dos EUA com impasse sobre orçamento no Congresso

Parlamentares têm até meia-noite de sábado para votar lei de financiamento do próximo ano fiscal; Resistência de republicanos aumenta risco de paralisação das atividades de órgãos federais

Capitólio do Estado de Connecticut - Divulgação

A Casa Branca começou a alertar as agências federais para se prepararem para uma paralisação das atividades do governo — “shutdown” na expressão em inglês — diante de um impasse com os republicanos no Congresso para aprovar a proposta de orçamento do próximo ano fiscal até o fim desta semana.

Na quarta, o Senado americano continuou o debate sobre um projeto de lei bipartidário de financiamento temporário, para manter as verbas governamentais até 17 de novembro, mas o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, ainda luta para angariar apoio a uma alternativa de direita que integrantes do próprio Partido Republicano se negam a respaldar. Com isso, restaram poucas chances do Congresso chegar a um entendimento até o prazo limite de sábado à meia-noite.

Os EUA já passaram por 21 interrupções no financiamento do governo desde 1976, com diferentes graus de comprometimento nas funções do Estado. A Casa Branca teme o pior cenário com a repetição de 2018, a mais longa e mais recente paralisação, que afastou cerca de 800 mil dos 2,1 milhões de servidores federais por 34 dias.

Enquanto ainda há muita incerteza sobre o quão inevitável é o ‘apagão’ governamental ou quanto tempo poderia durar, os contornos do que pode acontecer são bem conhecidos em Washington, e muitas agências prepararam planos para lidar com o tumulto.

O que é o "apagão" nas atividades do governo?
O "apagão" do governo americano equivale à paralisação de várias operações governamentais até o Congresso agir para restaurar o financiamento. Para centenas de milhares de servidores federais, isso significa ser dispensado das funções durante o ‘apagão’ ou continuar a trabalhar sem pagamento.

Para a população, normalmente se reverte em lidar com interrupções de diversos serviços do governo e enfrentar uma série de percalços e interrupções no dia a dia.

Recentemente, a Casa Branca apontou vários programas do governo que enfrentarão problemas mais sérios em caso de paralisação, especialmente a assistência nutricional e de imunização oferecida pelo Programa de Nutrição Suplementar Espacial para Mulheres, Bebês e Crianças (WIC). Se houver interrupção no financiamento, o governo diz que 7 milhões de mulheres e crianças poderiam perder acesso fundamental a alimentos, e que o fundo de contingência para manter o serviço ativo poderia acabar em dias.

— Se tivermos ‘apagão’, o WIC será paralisado, e isso significa paralisação de assistência nutricional para aquelas mães e crianças pequenas — afirmou o secretário de Agricultura, Tom Vilsack, na segunda-feira.

Fechamento de parques nacionais e mudeus frequentemente são os impactos mais visíveis para o público. Em alguns casos, podem produzir perdas significativas em comunidades que dependem do turismo.

Até muitos trabalhadores do setor privado são forçados a se adaptar. No ‘apagão’ mais recente, as inspeções na indústria química, em usinas de energia e de tratamento de água tiveram que parar porque a Agência de Proteção Ambiental afastou milhares de funcionários. A FDA, agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA, também interrompeu inspeções de segurança de rotina em pescados, frutas e vegetais, aumentando a pressão para os restaurantes e mercados.

Muitos laboratórios do governo e projetos de pesquisa também param frequentemente quando ocorrem longas paralisações de financiamento governamental.

— Um ‘apagão’ do governo pode impactar tudo, de segurança alimentar a pesquisa sobre câncer e os programas para crianças “Head Start” — disse o presidente dos EUA, Joe Biden, no sábado.

Quais serviços vão continuar ativos?
Muitas agências onde os funcionários exercem funções cruciais não suspendem as operações. Entre eles estão um grande número de promotores federais e investigadores, servidores dos Correios e servidores da agência de Segurança de Transportes. A maioria destes funcionários vai continuar a trabalhar sem pagamento até o retorno do financiamento. Há casos raros de alguns que ocupam cargos com folha de pagamento não vinculada ao orçamento anual.

Benefícios como o Medicare e a Seguridade Social também não são interrompidos porque são autorizados pelo Congresso por leis específicas, que não precisam ser renovadas todo ano. Assistência médica a militares veteranos também não é afetada.

Mesmo nesses níveis em que os servidores federais continuam ativos, o planejamento e as operações que apoiam suas atividades podem ser suspensos, tornando o trabalho mais pesado. Do mesmo modo, apesar dos operadores de tráfego aéreo continuarem a trabalhar, o treinamento para novos profissionais é paralisado, impactando a escassez de mão de obra.

Quem decide quais os servidores essenciais?
Após múltiplos ‘apagões’ governamentais, muitas agências já têm planos de contingência que determinam quais os funcionários que precisam continuar a trabalhar. Mas esses planos podem variar amplamente.

De acordo com o plano de contingência, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos planeja manter cerca de 58% dos empregados durante a paralisação do governo, enquanto o Departamento de Justiça vai orientar quase 85% dos servidores a seguirem ativos.

As determinações de cada agência são frequentemente baseadas nos papéis que os trabalhadores ocupam e o quanto as suas atividades são consideradas “necessárias para proteger a vida e a propriedade”.

Membros do Congresso recebem salários?

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Sim. O artigo I, seção 6 da Constituição americana prevê que as compensações para integrantes do Congresso são diferenciadas da maioria dos trabalhadores federais.

“Os senadores e representantes (equivalentes a deputados) devem receber uma compensação por seus serviços, a ser determinada por lei, e paga pelo Tesouro dos Estado Unidos”, diz a sessão. Em complemento, a linguagem da 27ª emenda, que proíbe qualquer lei “variando a compensação pelos serviços de senadores e representantes” até a próxima eleição é frequentemente interpretada como uma exigência constitucional de que os parlamentares sejam pagos em dia.

Trabalhadores afastados vão receber salário?
Os servidores afastados vão receber o pagamento atrasado assim que o Congresso resolva o impasse do orçamento, uma garantia conquistada em 2019 quando o Congresso aprovou o ato de Tratamento Justo para Empregados do Governo.

Para prestadores de serviço, incluindo muitos trabalhadores de limpeza, manutenção, e cafeteria, a situação é mais precária. A lei de 2019 não garante pagamento retroativo a eles. No entanto, na maioria dos casos em que trabalhadores contratados são afastados durante uma paralisação governamental, muitos são elegíveis para auxílios desemprego.