Quadrinhos

Brasileiro Rafael Grampá recria Batman com direito a "morte" de Bruce Wayne e Gotham paulistana

Com prestígio na DC, quadrinista lança minissérie em quatro partes no Brasil e no mundo

"Batman Gárgula de Gotham" (Panini), minissérie em quatro partes escrita e desenhada pelo brasileiro Rafael Grampá - Divulgação

Os dias de Bruce Wayne estão contados. E a ameaça, por incrível que possa parecer, não foi proferida pelo Coringa, Pinguim ou qualquer outro arqui-inimigo do herói. Quem selou o fim de Bruce foi seu alter ego, o próprio Homem-Morcego.

Essa é a premissa do quadrinho “Batman — Gárgula de Gotham” (Panini), minissérie em quatro partes escrita e desenhada pelo brasileiro Rafael Grampá (com cores do compatriota Mat Lopes) cujo primeiro volume acaba de ser publicado no Brasil e no mundo. Na HQ, Batman decide dar fim à sua identidade civil para ter todo o tempo para combater o crime que assola sua cidade.

— Apesar de ser este o headline, a história não é apenas sobre isso, o Batman matar Bruce Wayne — explica Grampá, que surgiu como quadrinista em 2006, na coletânea “Gunned down”, da editora americana Terra Major. — Mas a cena existe, e acho que o Batman já deveria ter tido essa ideia há muito tempo. Bruce Wayne atrapalha demais.

Pupilo de Frank Miller
Grampá se tornou um nome conhecido no mercado de quadrinhos em 2008, com outra coletânea, chamada “5” — feita com os amigos Fábio Moon, Gabriel Bá, Vasilis Lolos e Becky Cloonan. O trabalho ganhou o Prêmio Eisner (o Oscar das HQs) de melhor antologia.

Naquele mesmo ano, ele ainda lançou no Brasil a HQ “Mesmo Delivery”, que volta às lojas em outubro, em nova edição pela Mino. Este gibi abriu portas nos EUA para Grampá, despertando inclusive a curiosidade de um dos maiores autores dos quadrinhos, Frank Miller.

— A “Mesmo Delivery” me colocou num lugar em que eu jamais esperaria — conta o quadrinista, nascido há 45 anos em Pelotas (RS). — Miller me convidou para conhecer seu estúdio, em Nova York, e, assim que eu saí, recebi um telefonema da agente dele dizendo que ele queria que eu me mudasse pra lá, pois Miller queria ser meu mentor. Aceitei na hora.
 

A relação entre mestre e pupilo virou parceria em “Cavaleiro das Trevas — A criança dourada”, escrita por Miller e ilustrada por Grampá, em dezembro de 2019. Na festa de lançamento do gibi na CCXP, em São Paulo, Miller em determinado momento puxou Grampá para conversar e disse a ele que, a partir de então, a editora DC ia prendê-lo e oferecer um monte de coisas para segurá-lo na empresa.

— Eu disse que queria ser preso, que tinha uma história para contar. Daí ele me falou: “Conta comigo para o que você precisar!” — lembra Grampá, que afirma não saber se o mestre já leu sua história da gárgula de Gotham. —Ele ilustrou uma das capas [variantes, como são chamadas as capas alternativas], mas fez sem ler a história.

Grampá diz que, quando Miller ficou sabendo que sua minissérie do Batman ia, enfim, ser publicada, pela DC Comics, o desenhista americano ligou para o brasileiro e conversou longamente com ele, dando conselhos profissionais.

O que muita gente talvez não saiba é que Grampá já havia escrito e ilustrado uma pequena história de oito páginas do Homem-Morcego seis anos antes, para a série “Batman: preto & branco”.

— Vou ser muito honesto com você. O primeiro Batman que eu fiz para a DC não foi ilustração, foi um boneco, uma estátua. Mas, quando veio o convite para fazer histórias, eu já tinha o design pronto — conta Grampá, mencionando “O círculo” (2013), da série “Batman: preto & branco” — E, quando estava escrevendo essa história, tive a ideia do vilão de “Batman — Gárgula de Gotham”.

Um inimigo bem diferente de qualquer outro já enfrentado pelo Homem-Morcego, que chora antes de matar, e curiosamente veio de uma memória de infância de Grampá:

— Sempre que ia na casa de uma prima minha, quando eu tinha uns 3, 4 anos de idade, a avó dela me colocava para dormir, tirar aquele soninho da tarde. E no quarto dela tinha um boneco de porcelana do pierrô, daqueles com cabeção, chorando. Eu morria de medo daquilo, do boneco olhando pra mim. Ficava com medo, mas aguentava.

A lembrança do palhaço voltaria na adolescência, quando Grampá, animado com as HQs da editora Image, decidiu criar seu próprio Spawn, estrela do selo fundado por ilustradores:

— Era o Pierrot, o amigo imaginário de uma menina, uma espécie de Marilyn Manson que chorava e matava as vítimas, algo mais sobrenatural. Sempre gostei da ideia, mas nunca consegui levá-la pra frente, nunca achei boa o suficiente. E engavetei. Daí quando recebi o sinal verde para fazer a nova HQ, fui atrás de meus sketchbooks.

Grampá desenhou inicialmente o novo vilão do Batman em branco, como o boneco de porcelana da infância, mas foi quando sua mulher, Catarina Garcia, sugeriu que ele negativasse o desenho, que Crytoon surgiu:

— Esse vilão é parte de algo muito maior na história. Tanto que o Batman percebe que Crytoon não é o serial killer que ele está procurando e, no segundo número, surgem três novos inimigos.

O quadrinista diz que, apesar de ter tido a liberdade para contar algo novo, procurou respeitar o cânone do personagem, falando de Gotham (que surge com pichações à la São Paulo, onde viveu) e, mais uma vez, do trauma de Bruce Wayne.

— Este será o primeiro gibi do Batman para alguém. Tenho que respeitar esse leitor, pois gostaria que tivessem esse cuidado comigo. Mas, a partir do capítulo seguinte, tudo muda. Aí eu tomo o Batman pra mim e começo a inserir outros elementos, com uma nova interpretação para a origem. Aí eu me solto —diz ele, rindo.

O público já terá lido a segunda parte da minissérie bimestral no domingo 3 de dezembro, data em que Grampá contará um pouco do processo de produção da HQ na CCXP, evento em que ele também aparecerá no estande da Chiaroscuro Studios na sexta (1/12) e no sábado (2/12).

Vai ser difícil esbarrar com Grampá na Comic Con em São Paulo e não perguntar como anda a produção de “Braba”, antologia de 13 histórias criadas por 15 autores brasileiros. O gibi sairá no segundo semestre do ano que vem em lançamento simultâneo nos EUA, pela editora Fantagraphics, e, no Brasil, pela Mino.

Abrindo caminhos
Editada por ele em parceria com Pedro Cobiaco, a coletânea de HQs reunirá brasileiros como Shiko, Amanda Miranda, Wagner Willian, Jefferson Costa, Rafael Coutinho e Jessica Groke, além do casal Sirlene Barbosa e João Pinheiro. Segundo Grampá, a ideia surgiu após conhecer o editor da Fantagraphics, Eric Reynolds, e conseguir fazer com que ele publicasse a HQ de um amigo, Daniel Semanas.

— Logo depois, o Eric me ligou para falarmos sobre um projeto meu. Só que eu não tinha agenda. Mas a porta estava aberta. E, se eu não posso passar, farei com que outros passem — conta Grampá para logo depois revelar como conseguiu convencer o relutante editor. —Pedi a ele que me desse o nome de cinco quadrinistas italianos. Depois, argentinos. E dinamarqueses. Por fim, pedi cinco brasileiros, deu dois. Então disse que ele tinha a obrigação ética de lançar uma antologia de quadrinho brasileiro.

Consagrado logo em seu primeiro trabalho solo, “Mesmo Delivery”, Grampá deixou quadrinhos inacabados, como “Furry Water”, enquanto se dedicava a dirigir filmes publicitários para marcas como Coca-Cola, Fila e Budweiser. Criticado por produzir poucas HQs nos últimos anos, o brasileiro responde:

— Eu fui tocando o que deu, com o carro andando, e aprendi com isso. Aprendi como montar um estúdio, a escrever roteiro, a dirigir filme, a contar história. Fui colocar meu talento em outras coisas. Quando as pessoas dizem que Grampá fez muito pouco, minha esposa se irrita e diz que eu tenho que responder que fiz o suficiente.

Serviço
"Batman: gárgula de Gotham 1 (de 4)". Autor: Rafael Grampá. Tradutor: Diogo Prado. Editora: Panini. Páginas: 48. R$ 24,90.