Estudo

Doença de Parkinson: solidão aumenta as chances de desenvolver a condição

Estudo publicado na JAMA Neurology observou quase 500 mil pessoas durante 15 anos 

O Mal de Parkinson é a segunda mais comum das doenças neurodegenerativas - Reprodução/Pixabay

A solidão indesejada tem muitas consequências na vida das pessoas. Uma pesquisa recente publicada na revista JAMA Neurology mostra mais uma correlação com uma doença degenerativa que até hoje ainda não tem cura: o Parkinson. Numerosos estudos têm demonstrado que a falta de companhia é prejudicial à saúde, tanto que, em alguns casos, aumenta o risco de desenvolver doenças que aumentam o risco de mortalidade em cerca de 30%.

— A solidão é um sentimento angustiante, acreditamos que, com o tempo, pode gerar estresse fisiológico no cérebro, principalmente em pessoas que apresentam outras vulnerabilidades. Até agora foram analisadas as consequências que a solidão tem noutros aspectos da vida, como a obesidade ou as doenças cardiovasculares. Mas até agora nenhum trabalho investigou a ligação com o Parkinson — explica Antonio Terracciano, geriatra da Universidade do Estado da Flórida, nos Estados Unidos, e coordenador do estudo.

Junto à sua equipe, o especialista acompanhou durante 15 anos um total de 491.603 participantes de um biobanco no Reino Unido, que, no início do estudo, tiveram que responder à mesma pergunta: “Você se sente sozinho com frequência?”

Todos os participantes tinham mais de 50 anos na época do início da pesquisa, uma vez que o Parkinson tem maior incidência entre adultos, enquanto para identificar melhor a relação temporal entre a solidão e o Parkinson, as análises foram repetidas a cada cinco anos. Os resultados finais mostram que as pessoas que responderam afirmativamente têm 37% mais chances de desenvolver a doença de Parkinson.

— Essa correlação permanece mesmo quando considerados outros fatores demográficos, como nível socioeconômico, hábitos de vida pouco saudáveis ou predisposição genética para outras doenças — diz Terracciano, embora reconheça que algumas variáveis podem atenuar o resultado.

Na verdade, existem dois fatores que reduzem essa probabilidade, e que os investigadores identificam como possíveis pistas para compreender as causas da correlação. O estudo mostra que a solidão tem maior probabilidade de estar associada a um maior risco de Parkinson através de vias metabólicas, inflamatórias e neuroendócrinas, uma vez que a correlação diminui 13% depois de levar em conta condições crónicas como a diabetes.

Porém a variável que mais atenua a correlação entre a solidão e a doença de Parkinson é a saúde mental (24%). As evidências sugerem que existem associações bidirecionais entre solidão e depressão, que tendem a ocorrer simultaneamente.

— Esses resultados sugerem que o mesmo acontece com o Parkinson, embora ainda não possamos dizer com certeza qual das duas coisas acontece primeiro — afirma o geriatra.

Segundo María José Martín, neurologista do Centro de Pesquisa Biomédica em Rede para Doenças Neurodegenerativas (CIBERNED), um aspecto interessante desse estudo é a variável gênero, que os pesquisadores indicam não existir quando se fala em Parkinson.

No entanto, embora a maioria das pessoas que relataram sentir-se sozinhas fossem mulheres, tivessem menos recursos económicos e fossem mais propensas a sofrer de ansiedade ou depressão, os resultados do estudo não mostram que as mulheres são mais propensas a desenvolver Parkinson em homens.

Origens incertas
Os resultados da equipe da Florida complementam outras evidências que indicam que a solidão é um determinante psicossocial da saúde associado a um risco aumentado de morbilidade e mortalidade. Um estudo recente do Instituto de Neurociências de Nanchang, na China, alertou que a solidão está associada a um aumento de 23% no risco de demência, enquanto outra investigação da Universidade da Flórida, que utilizou a mesma medida de solidão que esse estudo, descobriu que se sentir solitário foi associado a um risco aumentado de doença de Alzheimer e demências vasculares e frontotemporais.

— As descobertas atuais e anteriores sugerem que a solidão pode estar associada a um risco aumentado de doenças neurodegenerativas e que os efeitos prejudiciais da solidão não estão limitados a uma única causa ou via neuropatológica — explica Terracciano.

Apesar dos resultados, o estudo não oferece quaisquer conclusões sobre as causas subjacentes a esta correlação, limitando-se a expor diferentes interpretações dos dados. Além da possibilidade endócrina, os pesquisadores investigam a possibilidade de que pessoas que vivenciam a solidão tenham tendência a se envolver em comportamentos prejudiciais à saúde, como o sedentarismo.

— É verdade que, depois da Covid-19, a solidão tem sido muito estudada. Certamente afeta os aspectos de imunidade e inflamação. Mas acho que ainda não conseguimos tirar uma conclusão precisa sobre se a solidão é causa ou consequência da doença de Parkinson. Pode ser que primeiro tenha havido a patologia e que esse sentimento de solidão tenha sido um sintoma anterior — reconhece Martín.

Mesmo assim, a doutora Ana Martínez, do Centro de Pesquisas Biológicas (CIB-CSIC), que não participou desse estudo, comemora a análise que tem sido feita por ser a primeira a investigar essa correlação que já havia sido encontrada em outras doenças neurodegenerativas.

— Basicamente, o que este estudo quer dizer é que o estágio emocional de uma pessoa influencia a prevenção ou o retardamento da doença de Parkinson. Embora não ofereça explicações sólidas sobre as razões, deve-se admitir que é um conselho bastante bom para a população em geral. Não fará mal nenhum e provavelmente acabará como o Alzheimer, onde está demonstrado que um caráter positivo ajudou na prevenção — afirma a especialista.