MERCOSUL

Mercosul-UE: 'Não podemos construir relações comerciais com base em ameaças', diz Tatiana Prazeres

Em entrevista ao GLOBO, secretária Comércio Exterior do Desenvolvimento comemorou resultados da balança comercial brasileira

Tatiana Prazeres, secretária geral do Mercosul - Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço/Divulgação

Em matéria de comércio exterior, o governo tem bons resultados para comemorar esta semana, que levarão a uma revisão da previsão de saldo positivo da balança para 2023, agora de US$ 93 bilhões — era de US$ 84,1 bilhões.

Em entrevista ao GLOBO, a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Prazeres, comemora os números e o fato de o Brasil ter atualmente um dos saldos comerciais mais robustos do mundo, mas também reconhece que existem grandes desafios pela frente, entre eles impulsionar as exportações industriais.

Prazeres destacou o fato de o Brasil ser uma referência global em matéria de energias limpas, antecipou os próximos passos nas negociações de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), e revelou que a recente regulamentação europeia sobre produtos importados de países onde há desmatamento poderia ser questionada na Organização Mundial de Comércio (OMC).

 

"Os dois lados devem colaborar com o desafio do combate às mudanças climáticas, e não será em base a sanções comerciais que vamos construir relações. Isso gerou um desconforto para os países do Mercosul”, diz a secretária de Comércio Exterior.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O último resultado da balança comercial levará a uma revisão da projeção para 2023?
O resultado que obtivemos nos primeiros nove meses de 2023 foi um saldo recorde desde 1989, início da série histórica. Isso levará a um aumento da previsão de nossa projeção das exportações para 2023, de US$ 330 bilhões para US$ 334,2 bilhões. Essa previsão aumenta em US$ 10 bilhões a previsão original para o ano.

A evolução das exportações nos surpreendeu positivamente, sobretudo pelo aumento das quantidades exportadas. Temos um volume expressivo em nossas exportações de soja, milho, minérios e petróleo, entre outros. Mês passado, ultrapassamos o saldo acumulado no mesmo período em 2023.

Vamos, assim, revisar para cima a previsão de superávit comercial para 2023. O mercado começou o ano com expectativa de terminar o ano com saldo positivo de US$ 71,5 bilhões, nossa última previsão era de US$ 84,1 bilhões, e subiu para US$ 93 bilhões. O mercado foi convergindo para nossa visão mais otimista. O Brasil terá um dos saldos comerciais mais robustos do mundo, o que nos ajuda, entre outras coisas, a lidar com eventuais choques externos.

Os resultados são positivos, mas as exportações industriais ainda não acompanham. Qual é a estratégia do governo para melhorar as vendas externas de produtos industriais?
O agro ajuda a puxar nossa exportações e, de fato, a indústria ainda está no mesmo patamar de 2022. Isso deve ser analisado em várias camadas.

A reforma tributária será especialmente importante para a indústria, porque acabará com a acumulatividade. Hoje, quanto mais longa é a cadeia produtiva, mais resíduo tributário o produto acumula. Estima-se que os tributos representam cerca de 7% do valor dos produtos exportados, e a reforma vai melhorar esse aspecto. Por outro lado, a queda da taxa de juros fará com que investir na atividade produtiva seja algo menos custoso.

Além disso, temos o conjunto de medidas de nossa política industrial, entre elas a recriação do Ministério de Indústria e Comércio. Anunciamos recentemente medidas para melhorar nossa competitividade exportadora, estamos ampliando nossa rede de acordos internacionais, desburocratizando as exportações.

Um exemplo nesse sentido é a licença flex. Antes, as empresas precisavam de uma licença para cada operação de exportação. Agora, uma licença permite realizar várias operações. O BNDES já desembolsou nestes primeiros nove meses mais do que no ano de 2022 completo em financiamento para a exportação. Estamos identificando barreiras não tarifárias, fechamos acordos com países como Colômbia e Peru para ampliar nosso acesso a seus mercados.

Países como o México são um exemplo para o Brasil em matéria de políticas para ampliar as exportações industriais?
Hoje, o Brasil atrai mais investimentos estrangeiros do que o México, somos o quinto destino no mundo. Claro que uma proximidade física do México com os EUA, além de acordos comerciais, favorecem o país.

Mas o Brasil tem elementos muito importantes a destacar, como sua matriz energética, que permite ter uma pegada de carbono menor do que os concorrentes, que é algo que torna o país mais atrativo para investimentos. Somos um destino de investimentos estrangeiros e uma plataforma para a exportação.

Temos uma enorme capacidade de produzir de forma sustentável, e isso posiciona muito bem o país. Na Chine, percebi um grande interesse em nossa energia limpa, no hidrogênio verde, energia eólica.

Fala-se muito no nearshoring (expressão em inglês usada para se referir à estratégia das empresas de levar a produção para mais próximo dos mercados onde os produtos serão vendidos), mas existe também o powershoring, que posiciona o Brasil no mundo a partir de ser um país de energia verde, abundante e confiável

Falando em acordos comerciais, em que pé está a negociação entre o Mercosul e a União Europeia (UE)?
Esta semana, teremos uma reunião presidencial com um negociador da UE (prevista para esta terça—feira). Vamos negociar a partir da contraproposta que nós enviados a UE, e que a UE já respondeu. Não será uma negociação fácil, estamos pleiteando compromissos importantes.
 

Acho que há chance, uma oportunidade de que a negociação seja concluída com sucesso. Só saberemos quão longe chegaremos a partir da reação dos europeus.

A proposta da UE ao Mercosul, o famoso adendo ou “side letter”, foi considerada inaceitável pelo bloco, entre outros motivos, porque exigia compromissos ambientais já assumidos em acordos globais…

Estamos empenhados em concluir a negociação, porque um acordo com a UE terá impacto econômico, e mostrará nossa capacidade de negociar com parceiros de peso, estreitar vínculos de comércio, inserir nossas economias no mundo. É um acordo apoiado pela indústria, algo que justifica nosso empenho.

Quais foram os pontos principais da resposta do Mercosul a UE?
O Mercosul, e o Brasil em particular, tem um compromisso com a agenda da sustentabilidade. Esse é o ponto de partida. Mas a sustentabilidade também deve ser econômica e social, e a UE coloca a ênfase apenas no desmatamento. Nós reconhecemos o desafio do desmatamento, estamos lidando com o desmatamento e temos resultados positivos de queda.

Mas o desafio das mudanças climáticas não se resume a desmatamento, é preciso incluir outras questões, como os combustíveis fósseis. É uma discussão muito clara para nós, e precisa ser uma discussão com bases equilibradas. Outro aspecto da proposta europeia que nos preocupou tem a ver com a possibilidade de sanções comerciais por questões ambientais.

Defendemos uma abordagem mais colaborativa, mais construtiva, e menos construída a partir da ameaça de sanções. Os dois lados devem colaborar com o desafio do combate às mudanças climáticas, e não será com base em sanções comerciais que vamos construir relações. Isso gerou um desconforto para os países do Mercosul e propusemos um olhar diferente.

A UE aprovou uma lei que pune produtos vindos de países onde há desmatamento. O que está sendo feito em relação a isso?
Acompanhamos com grande preocupação a medida unilateral europeia e estamos trabalhando em diferentes frentes. Uma dessas frentes foi atuar junto ao setor privado para identificar as principais dificuldades que os stores imediatamente afetados enfrentam.

Temos contato regular com nossa missão em Bruxelas, porque queremos ter diálogo com as autoridades europeias. Cada setor tem suas preocupações e dificuldades, e estamos reunido informações para influenciar esse processo (o regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento, o EUDR, que entrou em vigência em 29 de junho de 2023). Estamos avaliando todas as possibilidades, inclusive a de questionar essa medida.

Esse questionamento seria na Organização Mundial de Comércio (OMC)?
É uma possibilidade, nós já manifestamos na OMC. Foi apresentada uma carta em Bruxelas, assinada por vários países, e vamos falar sobre isso na negociação entre Mercosul e UE. Não podemos tratar este tema como desconectado de uma negociação comercia, estamos falando de acesso a mercados europeus.

A crise argentina é outra frente difícil para o Brasil no momento. Será possível encontrar uma maneira de financiar as exportações para o país vizinho, que atravessa uma crise gravíssima e que impacta no dia a dia dos exportadores brasileiros?
As exportações brasileiras parta a Argentina subiram 15,4% no acumulado do ano, dado que não reflete a dificuldade que as empresas brasileiras encontram para vender para a Argentina.

Alguns produtos aumentaram de forma expressiva suas vendas para o país, como soja e energia elétrica, o que é resultado de circunstâncias desfavoráveis para a Argentina, como a seca que o país enfrenta este ano.

Outros produtos, como acessórios de veículos automotivos, também variação positiva em suas vendas para o país. Já produtos como carne suína e papel cartão, entre outros, sofreram, quedas.

Existem dificuldades para receber pagamentos, preocupação com os riscos associados a situação da Argentina, e estamos acompanhamos com interesse e preocupação. Sobre o financiamento às exportações, a grande questão para viabilizar uma linha de crédito é a garantia.

Exploramos diversas possibilidade e até agora não foi possível. Mas estamos empenhados em viabilizar uma solução, porque a Argentina é um mercado relevante, independente do resultado das eleições, e seguirá sendo sendos um país com o qual queremos continuar tendo uma relação forte e estratégica.