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Ensino municipal adota o processo de inclusão social; entenda a programa

A Prefeitura do Recife conduz um trabalho de inclusão dentro das escolas da rede municipal. São 222 salas e 286 professores de Atendimento Educacional Especializado

A Prefeitura do Recife mantém na rede municipal 222 salas de recursos - Paulo Melo/PCR

Toda criança é capaz de aprender. É com essa premissa que a Prefeitura do Recife tem conduzido o trabalho de inclusão dentro das escolas da rede municipal. O objetivo é garantir com que todos os alunos matriculados, independentemente de suas especificidades, sejam incluídos na rotina educacional.

Apostando em inovações tecnológicas e na individualidade de cada aluno, o Recife tem transformado suas escolas para garantir o aprendizado. Atualmente, a capital pernambucana disponibiliza 222 salas de recursos para os estudantes e conta com 286 professores que realizam o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Esses números estão em crescimento e deverão ser expandidos até o final deste ano já que, recentemente, o município firmou um acordo com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) com o objetivo de garantir a inclusão em todas as escolas da rede.

O trabalho está sendo liderado pela gerente de Educação Especial da Secretaria de Educação, Adilza Gomes, de 48 anos, 30 deles em salas de aula - os melhores locais, segundo ela, para quem deseja trabalhar com educação.

“Só se aprende realmente a ser professora quando se entra na escola, com a prática do dia a dia, olhando para as nossas crianças como educandos que podem aprender e se desenvolver”, observa.

Além da vasta experiência profissional, a gerente, que é autista, carrega consigo a bagagem de quem possui um transtorno e precisa estar dentro da sala de aula. Essa vivência tem auxiliado no desenvolvimento das políticas públicas idealizadas para atender as crianças.

“Elas precisam de tempo e formas de trabalho diferenciados e, às vezes, até mesmo de professores diferenciados. Somos seres individuais, mas ao mesmo tempo plurais. Não podemos querer que uma criança aprenda igual a outra”, destaca.

A forma encontrada para garantir esse aprendizado é por meio de uma inclusão efetiva. “Durante muito tempo se falou apenas em educação especial, mas hoje temos a oportunidade de trabalhar algo mais além. A inclusão traz outros atores e sujeitos e nos oportuniza também a aprender com esses estudantes”, avalia.

Os alunos com necessidades especiais podem contar com as salas de recursos que estão disponíveis na maior parte das escolas da rede municipal. Caso alguma escola não conte com a estrutura, os alunos são encaminhados para unidades da região. Os ambientes são montados exclusivamente para esse atendimento, que acontece no contraturno das aulas.

As atividades realizadas nesses locais são conduzidas pelos professores do AEE, que possuem pós-graduação em educação especial ou educação inclusiva. “O material diferenciado é exclusivo e totalmente voltado para crianças com deficiência e os transtornos que aquela unidade atende”, afirma Adilza.

Entre os recursos disponíveis, estão diversas soluções tecnológicas que possibilitam o processo de aprendizado. “Todas as salas possuem tablet e um teclado tix, que ao mesmo tempo que é um mouse também vem com vários acessórios que permitem que o aluno se comunique. Caso ele tenha alguma dificuldade de mobilidade de mão, por exemplo, pode usar o cotovelo ou os pés para se comunicar”, detalha a gerente.

Além das funcionalidades, a relação com o profissional que atua na sala de recursos também é essencial nesse processo. A professora Gerluce Dias atua há 14 anos na Escola Municipal Maria Inês Soares de Lima, localizada na Imbiribeira, Zona Sul do Recife.

Com um olhar carinhoso, Gerluce relata as experiências vivenciadas nesse período. “O atendimento não é um reforço, é um trabalho  complementar que ajuda a criança para que ela se desenvolva na sala de aula. É preciso o respaldo dos professores de sala regular para me dizer no que posso ajudar a criança”, comenta Gerluce.

Para realizar o trabalho em conjunto, um Plano Educacional Individualizado (PEI) é elaborado. “As crianças são avaliadas e categorizadas de acordo com seu nível de suporte pedagógico no núcleo de avaliação da inclusão escolar. Cada professora faz um documento individual do aluno e coloca lá quais serão as estratégias pedagógicas desenvolvidas para que ele consiga atingir o objetivo”, explica Adilza.

Esse olhar individualizado tem o objetivo de respeitar o tempo de aprendizado de cada criança, que varia de acordo com as suas especificidades. Para os que são atendidos, o desenvolvimento é notório.

“O que é realizado durante o atendimento repercute na sala e vice-versa. Além do material disponibilizado pela prefeitura, também vamos construindo, em conjunto com o aluno, instrumentos que facilitem no aprendizado. Temos atividades com coisas que estão na rotina e auxiliam no desenvolvimento da motricidade e da coordenação motora fina, por exemplo”, comenta Gerluce.  

A visão de inclusão dentro das escolas vai além do acúmulo de conhecimento e passa também pela integração social dos alunos com necessidades especiais. “Realizamos aulões, passeios, encenações teatrais e outros momentos educativos. Todas as crianças participam das atividades, cada uma do seu jeito”, destaca a professora.

Essa integração traz resultados importantes na rotina. Na Escola Municipal Maria Inês Soares de Lima, todos os alunos atendidos pela profissional do AEE e que possuem idade escolar para tal, já estão alfabetizados e integrados à comunidade escolar.

Além do reconhecimento familiar, Gerluce também conta com o carinho dos alunos. “Dia desses um aluno que já saiu da escola passou por aqui, me chamou e me deu um abraço. Quando chegou, ele tinha uma grande resistência ao toque físico, ver essa evolução é gratificante”, afirma Gerluce.

Buscando garantir a evolução da rede municipal, a Prefeitura do Recife oferece formações mensais continuadas para os professores. “Essa é uma forma de ampliar a aprendizagem. A educação inclusiva vai muito além do que apenas dizer que o aluno tem alguma deficiência ou transtorno. Entendemos que todas as crianças podem aprender e não queremos que nenhuma fique sem essa oportunidade”, conclui Adilza.

 

Lições que transformam vidas

Entre as diversas questões que passam pela mente de uma mãe, uma pergunta parece ser comum para quase todas: “Como será o futuro do meu filho?”. Para aquelas que possuem filhos com necessidades especiais, esse questionamento é amplificado e cercado de incertezas.

Com 34 anos, a dona de casa Angélica Priscila Rodrigues se viu cercada de incertezas ao receber o diagnóstico de que a filha Maria Júlia, que agora tem sete anos de idade, tinha autismo. A suspeita do transtorno surgiu ainda durante os primeiros anos da vida escolar da menina.

Naquele momento, Maria Júlia estava matriculada em um colégio particular. “Foi ali que a gente percebeu que tinha algo diferente em relação às outras crianças. Quando ia buscar, ela sempre estava muito pelos cantinhos, não participava na escola e chegava em casa chorando. Foi quando procurei ajuda”, relata.

O diagnóstico foi obtido por volta dos quatro anos de idade, depois da avaliação de três médicos especialistas. “Eu não aceitava. Mas, com o tempo, comecei a correr atrás e busco tudo que é para melhoria dela. Até que chegou o momento de matricular ela novamente na escola”, relembra Angélica.

Ali, surgiu a dúvida de qual instituição estaria preparada para lidar com a criança e promover sua inclusão social e educacional. “Eu queria uma escola que fosse próximo da minha casa porque ela já vinha apresentando certas crises e tem dificuldade de adaptar as coisas novas. Ela não aceitava ficar com outras pessoas”.

Adaptação e suporte

Foi nesse momento que Angélica conheceu a Escola Municipal Maria Inês Soares de Lima, onde Maria Júlia foi matriculada. A adaptação da criança ao ambiente escolar foi o primeiro desafio enfrentado pela família. “Tudo era novo e ela não aceitava. A professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) foi a pessoa que me abraçou e confortou porque Maria Júlia chorava aqui e eu chorava em casa”, comenta a dona de casa.

Ali, o contato frequente com os profissionais foi um diferencial para que a relação escola-família fosse estabelecida e fortificada. “Eu não sabia que ela teria esse apoio. Até então, autismo era coisa de outro mundo pra mim, eu não sabia de nada, foi a escola que me falou”.

Assim como acontece em diversas unidades da rede municipal de ensino, Maria Júlia passou a contar com o suporte regular de um profissional do AEE e outro de Apoio à Educação Especial, que acompanha a aluna em todas as atividades escolares.

Com o passar do tempo, a aluna conseguiu desenvolver habilidades que sequer eram cogitadas pela mãe. “Eu vejo que ela evoluiu muito. Antes, eu tinha incerteza de como seria o futuro dela. Hoje eu já não tenho mais porque eu vejo o aprendizado, vejo que ela tem capacidade de aprender e ser independente”, afirma Angélica.

Alegria a cada conquista

Respeitando o tempo de evolução particular da criança, a mãe vibra a cada conquista que é alcançada pela filha. “Antes ela ficava no cantinho mas agora isso não acontece mais. A escola inclui ela em tudo. Nesses dias, ela fez teatro e ficou com o papel principal. Chegou em casa supercontente dizendo que precisava de um vestido porque ia ser a princesa”, conta a mãe com orgulho.

A educação inclusiva permite que o aprendizado não fique restrito ao aluno com necessidades especiais, mas que também atravesse as outras crianças. “Maria Júlia sofre muito com barulhos altos. Aqui, a professora explicou a questão para todos os alunos e eles absorveram aquilo. Eles mesmo se policiam e pedem  silêncio porque abraçaram ela de uma forma incrível”.
 

Angélica comemora as conquistas da filha, Maria Júlia | Foto: Ricardo Fernandes / Folha de Pernambuco


Foi essa compreensão dos colegas que permitiu a realização de um momento que, alguns anos atrás, não seria possível para a menina. Em junho, a criança celebrou o aniversário na sala de aula. “Durante os parabéns, os coleguinhas não bateram palmas e usaram a linguagem de sinais para fazer a vibração sem barulho. Ela curtiu demais e ficou super contente, já pedindo para que a gente fizesse a festa do ano que vem aqui também”, rememora Angélica.

A integração tem impulsionado inclusive mudanças no comportamento da criança. “Às vezes ela vê os coleguinhas e sente aquela necessidade de também fazer, como qualquer outra criança. Eu incentivo que, desde que não cause nenhum mal, ela faça”.

São esses momentos que reafirmam a certeza de um futuro de total independência da criança. Aos sete anos, Maria Júlia já está alfabetizada e segue colecionando conquistas. “Um dos receios que eu tinha com relação a trazer ela de volta para uma escola era porque ela não falava o que acontecia. Agora, ela me conta tudo, diz o que ela quer e o que precisa. Ela está conquistando os seus passos e diz que, quando crescer, vai ser uma bailarina ou cantora”, afirma a mãe.

O trabalho realizado na sala de recursos é visto como essencial para o aprendizado da menina. “Todas as dificuldades que ela tem na sala de aula são passadas pra cá e também pra mim. Aqui elas compartilham e eu também procuro saber o que tá acontecendo e reproduzo em casa para que a gente dê continuidade”, conclui Angélica.