Conheça a história de Edelzuita, pernambucana que decidiu estudar aos 93 anos
A idade e a viuvez não foram obstáculos para que a pernambucana realizasse o sonho de ler e escrever
“Tudo o que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser realizado”. A frase do psiquiatra e escritor brasileiro Roberto Shinyashiki pode ser perfeitamente aplicada à história de Maria Edelzuita de Souza.
Em 2022, aos 93 anos, a pernambucana, moradora de Petrolina, no Sertão do Estado, pôs em prática um desejo antigo: ingressar em uma instituição de ensino e aprender a ler e escrever. Ela se matriculou no Centro de Educação de Jovens e Adultos João Barracão, onde cursa o 3º módulo de ensino.
Além da alegria e materialização de um grande sonho, o seu ato de coragem e determinação pode lhe render o título de aluna da educação básica mais idosa do mundo. Isso porque a “vovó estudante” supera em uma década o recorde do queniano Kimani Maruge Ng’ang’a, que iniciou os estudos somente aos 84 anos e teve o feito registrado no Guinness Book.
A petrolinense, atualmente com 94 anos, teve o direito à alfabetização interrompido na infância pelo pai, seu Horácio, um agricultor que carregava conceitos do sistema patriarcado.
Segundo Edelzuita, o pai não permitia que ela e sua irmã frequentassem a escola, pois temia que a alfabetização lhes desse a habilidade de escrever “cartas para os namorados”.
“Desde nova eu queria ir e ele não deixava, nem eu, nem minha irmã e nem o meu irmão. Eu tentava estudar escondido, mas não aprendi, nunca fui para uma escola”, relatou Maria Edelzuita.
Mesmo distante do ambiente educacional, o desejo de conhecer o mundo por meio da leitura e da escrita nunca foram apagados. Sua mãe, dona Júlia, uma dona de casa, foi quem ensinou-lhe as letras, as sílabas e como juntá-las para formar pequenas palavras.
“Eu e meus irmãos passamos a trabalhar na roça. Quando eu aprendi o bê-a-bá, eu comprei uma cartilha e chamava o povo que passava na estrada para me ensinar. O povo me ensinava uma liçãozinha e eu fui aprendendo algumas coisas.”
Quando conheceu o grande amor
O tempo foi passando e, já na fase adulta, aos 25 anos, ela conheceu o seu grande amor, José Rufino, com quem casou, contrariando a vontade dos familiares. Juntos, eles tiveram nove filhos.
Enquanto o marido trabalhava como mecânico e motorista para sustentar a família, Maria Edelzuita passou a se dedicar aos trabalhos domésticos e à educação das crianças.
O casal priorizou que os filhos tivessem uma vivência educacional diferente e ofereceu a eles a possibilidade de estudar e se qualificar. Todos concluíram o 2º grau, atual Ensino Médio, e seguiram suas vocações profissionais.
“Comecei logo cedo, quando eles eram do jardim da infância, achando bom e bonito a educação que recebiam. Eu queria que eles se formassem e formei todos, graças a Deus”, afimou dona Maria Edelzuita.
Um de seus filhos é Josamar Tadeu de Souza, de 57 anos, que é empresário. Em entrevista à Folha de Pernambuco, ele contou que os pais sempre fizeram de tudo para que ele e os irmãos pudessem ter acesso a um ensino digno.
“Quando a gente era novo, ela cuidava dos filhos, da mãe dela, da casa... tinha que se virar para gerir a vida de todos. Nos deu educação. Fez de tudo para que todos tivessem alguma coisa. Só não estudou quem não quis”, disse Josamar, informando que três irmãos alcançaram o ensino superior e outros dois, o técnico.
Decisão de estudar veio após a viuvez
Foi somente em fevereiro de 2022, após perder o companheiro, José Rufino, com quem compartilhou 60 anos de sua vida e que faleceu aos 94 anos, que Maria Edelzuita decidiu resgatar o sonho de estudar e se matriculou no Centro de Educação de Jovens e Adultos da cidade.
“Fiquei desorientada, sem me acostumar sozinha. Eu era muito bem tratada pelo meu marido. Ele me levava para cortar o cabelo... era muito bom para mim. Foi quando decidi ir para a escola”, afirmou a idosa, que chegou a viver um período de tristeza profunda, segundo relatos do filho Josamar.
A vovó estudante começou tímida. Observava como os colegas de classe se comportavam e tentava reproduzir o que achava correto. Em pouco tempo, ganhou autonomia e, além de aprender a escrever, passou a entender mais sobre o mundo por meio da leitura.
No último dia 23 de julho, data do aniversário de Edelzuita, os colegas de sala fizeram uma festinha com direito a bolo e música. “Nós fizemos um São João, eu gosto de brincadeira. Onde eu ando, é chamando os velhos. Eu digo, ‘ó, eu estudo’ e chamo todo mundo. Quando eu cheguei na escola, de velha mesmo só tinha eu. Hoje, tem mais de 15. Minha sala é só de gente idosa. Todo mundo está aprendendo e eu até ensino a eles”, comentou.
Além de ingressar na escola, Edelzuita também está aprendendo a usar as tecnologias e até mesmo a solicitar corrida por aplicativo. “Eu não sabia não. Agora, já estou aprendendo. Estou na escola para aprender.”
Ao ser questionada sobre o que achava de ser a aluna mais idosa do mundo, Edelzuita comentou: “E a mais contadora de histórias também”. Agora, ela quer se aventurar em um novo desafio: escrever um livro para compartilhar sua inspiradora história.
“Eu me lembro da minha vida todinha. Eu vou fazer meu livro. Já escrevi as primeiras linhas contando onde nasci. Também quero fazer formatura no final do curso e prestar vestibular”, contou a estudante exemplar.
O filho destaca o avanço da mãe, que está aprendendo também inglês, química, geometria, geografia, e destaca a importância do incentivo. “Eu dou um conselho a quem tem seus pais que é ‘incentive’. Incentive na velhice, não abandone, não jogue num asilo, não faça com seus pais um descarte. Acolha”, afirmou.
Aos mais jovens, a aluna da educação básica mais idosa do mundo deixa um recado: “Respeitem os educadores e os mais velhos”.