entrevista

Gontijo: trajetória escolar com abandono e evasão impacta negativamente na vida do indivíduo

O gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, detalha temas prioritários a serem tratados por governos e sociedade

Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais (Todos pela Educação) - Todos pela Educação/Divulgação

A educação é um dos assuntos prioritários em qualquer cidade, em qualquer país. No Brasil, uma das principais instituições dedicadas ao tema é o Todos Pela Educação, organização da sociedade civil que tem como objetivo melhorar a qualidade da Educação Básica no País.

Fundada em 2006, a instituição, não governamental e sem fins lucrativos, é financiada por recursos privados.

Segundo a organização, o fato de não possuir ligação com partidos políticos, nem receber algum tipo de verba pública, garante independência para apontar os desafios e mudanças necessárias ao setor.

A revista Folha Educa entrevistou o gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, para apresentar temas prioritários a serem tratados por governos e sociedade no campo educacional, na visão da instituição.

Também conversamos sobre estratégias para diminuir a evasão escolar e os baixos índices de alfabetização, bem como elencamos exemplos de ações bem sucedidas realizadas no País. Confira a entrevista:

 

Quando pensamos no cenário atual da educação no Brasil, quais são os principais desafios que podemos enxergar?
Quando olhamos para o que é qualidade educacional, dividimos em três grandes blocos o que concretiza a qualidade educacional: acesso, trajetória e aprendizagem. O que é que significa isso? Acesso é todo mundo estar na escola.

Trajetória é os estudantes estarem passando de ano de forma adequada e aprendizagem é se eles estão aprendendo de fato.

Essas três condições simultâneas precisam ser atendidas para termos uma educação de qualidade. Em relação ao acesso, o Brasil evoluiu muito nos últimos anos.

Praticamente conseguiu universalizar o acesso ao ensino fundamental. Nosso desafio hoje está principalmente no acesso à creche, de 0 a 3 anos, que é uma etapa não obrigatória.

Em trajetória, o Brasil também vem conseguindo melhorar, com queda nos indicadores de abandono, de evasão, de reprovação. O filme é positivo aqui, mas ainda temos bastante desafios.

No Ensino Médio, por exemplo, numa sala de aula de 32 alunos, em média oito alunos têm dois ou mais anos de distorção idade-série, ou seja têm dois anos ou mais do que eles deveriam ter para estar naquela série.

Ainda é um desafio da educação, quando olhamos para essa questão das trajetórias. E aí eu acho que temos um desafio grande quando falamos de aprendizagem, que é a chamada crise da aprendizagem no Brasil, que por um lado temos conseguido melhorar os indicadores de aprendizagem adequada no início da trajetória escolar.

Por exemplo, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no 5º ano, praticamente dobramos o número de alunos com aprendizagem adequada.

Foi de 30% para 60% em português e matemática, aproximadamente. Mas, voltando àquela expressão: o filme é positivo quando olhamos para esses dados, mas a foto ainda é muito preocupante. 

O que ainda preocupa?
A evolução é legal, mas você ainda vê que, por exemplo, no 5ª ano do Ensino Fundamental cerca de 40% dos alunos não têm aprendizagem adequada. Quando você olha os indicadores de alfabetização, metade dos alunos não consegue se alfabetizar aos oito anos.

Eu acho que o grande desafio que temos hoje está no Ensino Médio, que é uma etapa em que os indicadores de aprendizagem são muito ruins. E o mais triste é que eles não vêm evoluindo.

Nas outras etapas, eles vêm evoluindo, ainda que no ritmo mais lento do que gostaríamos. Mas no Ensino Médio, que é a etapa final, os indicadores são muito ruins, muito alarmantes.

Para ilustrar, de cada 10 alunos brasileiros apenas um aprende o adequado em matemática. Então, acho que são alguns dos desafios que temos observado nessas três dimensões de acesso, trajetória e aprendizagem.

Quais são os temas e ações prioritárias que devem ser trabalhados por governos e educadores?
Essa é uma pergunta difícil, é a pergunta de um milhão de dólares. E eu vou dividi-la em duas partes. Eu acho que tem uma primeira dimensão, que a educação é um problema muito complexo. Então, problemas complexos normalmente exigem soluções muito complexas também.

ão existe algo que possamos chamar na educação de “bala de prata”. Não existe uma medida que seja capaz de resolver esse problema. Então, são conjuntos de medidas, sistêmicas, coerentes, que conseguem dar resultado.

Por exemplo, Pernambuco é muito conhecido pelas escolas de tempo integral, que têm resultados muito legais. O que faz a escola de tempo integral dar certo não é só porque os estudantes passam mais tempo na escola, é porque os estudantes passam mais tempo na escola, os professores têm dedicação exclusiva, o currículo é diferente, tem atividades. Então, é o conjunto de coisas.

E educação, sempre quando a gente fala, temos que olhar para um um conjunto de medidas sistêmicas. 

Quais são essas medidas?
Eu acho que tem algumas agendas que são muito importantes, que são as agendas de qualificação dos recursos humanos. No limite, educação são pessoas, são pessoas convivendo com outras pessoas, ensinando outras pessoas, trocando experiências.

Então, eu acho que essa agenda de docentes é muito forte. Como conseguir garantir que os professores tenham melhores condições de trabalho, estejam mais motivados, mais preparados para atuar nas escolas?

Precisamos olhar muito para qualificação, para formação, para remuneração, para o desenvolvimento profissional dos professores. Isso é muito importante, então essa é uma agenda central. O professor é o elemento que mais impacta na aprendizagem dos estudantes.

E temos uma segunda agenda muito importante, que é a da gestão escolar. Cada vez mais temos percebido, pelas evidências, pelos casos de sucesso, que as escolas têm muito a cara dos seus gestores.

Então, como que eu consigo qualificar essa função que é muito importante? O gestor, o diretor da escola, não pode ser uma espécie de zelador, que “ah, o teto quebrou, eu vou ligar para a secretaria para arrumar”.

Não, ele precisa ser essa liderança pedagógica, esse grande maestro da orquestra para as coisas funcionarem. Eu destacarei essas duas medidas que olham muito para essa dimensão dos recursos humanos.

O Censo Escolar aponta que mais de 650 mil crianças de até 5 anos de idade saíram da escola entre 2019 e 2021, na pandemia. Que impactos esse abandono pode causar nas crianças e na sociedade? Como governos, escolas e famílias podem atuar para diminuir ou reverter essa evasão?
Evasão é um problema muito grande porque se os alunos não estão na escola, não conseguimos nem falar de outras questões, por exemplo, de aprendizagem etc.. Então, é uma condição viabilizadora do acesso à educação. Os alunos precisam estar na escola. Quando pensamos em consequências dos alunos fora da escola, têm consequências para os indivíduos, para as crianças em si.

Têm vários estudos que mostram que os alunos que, por exemplo, não completam algumas etapas ou estão fora da escola, vão ter rendas menores no futuro, maior propensão a ficarem doentes mais cedo, maior propensão a cometer crimes.

Tem uma série de evidências que mostram que ter uma trajetória escolar irregular, marcada por abandono e evasão, traz muitos impactos negativos do ponto de vista individual. Mas, mais que isso, é um problema sistêmico também.

Um país que não consegue garantir que as suas crianças e jovens estejam frequentando a escola de forma adequada, que não consegue garantir o acesso, é um país que falhou, é um país que vai ter desafios em várias outras áreas.

Desafios na área da segurança pública, desafios na área da saúde, desafios na área da democracia. Esse é um problema que precisa ser visto como muito prioritário. Temos que nos indignar mais com crianças fora da escola, acho que nos indignamos muito pouco ainda.

Você está no semáforo, por exemplo, e vê uma criança numa quinta-feira de manhã vendendo bala, não nos mobilizamos para ver por que isso está acontecendo.



E que meios usar para combater isso? Até porque são crianças de famílias simples e mais vulneráveis que acabam deixando a escola.
Tem duas coisas: a primeira é como conseguir trazer de volta essas crianças que saíram do sistema para dentro da escola. São os chamados programas de busca ativa.

Eu preciso fazer uma mobilização intersetorial, com assistência social, com conselho tutelar, você tem que fazer programas intersetoriais para que elas retornem para a escola.

Não é só a educação que vai conseguir trazer essa criança de volta, precisa de uma articulação mais ampla. E tem uma segunda coisa que é como que eu faço a prevenção para que essas crianças não saiam da escola. Como acompanhar frequência, como engajar as famílias?

Então, é preciso tanto trazer de volta quem está fora, como garantir que quem está dentro não não saia do sistema.

Sobre exemplos positivos, ações que deram certo na educação, quais poderíamos destacar?
Falamos muito dos desafios da educação brasileira, e as médias são muito ruins. Mas as médias às vezes escondem trabalhos muito bons que vêm sendo feitos.

Pernambuco é um baita exemplo. Pernambuco conseguiu universalizar o tempo integral do Ensino Médio, então todo o aluno que quiser estudar em tempo integral no Ensino Médio em Pernambuco tem acesso hoje.

O Ceará tem indicadores de alfabetização muito bons. Teresina é a capital do Brasil que tem os melhores indicadores, tem o melhor Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] no Ensino Fundamental.

Então, você tem vários casos muito bons. Tem uma série de profissionais de educação supercomprometidos com o seu trabalho. A educação brasileira não é só um cenário de terra arrasada, temos no país política pública que funcionou.