PEC do Plasma: entenda o que é o projeto que libera a comercialização de parte do sangue
Ministério da Saúde tem posição contrária e cita risco de falta de material para atender demanda no país com possibilidade de exportação
Nesta quarta-feira, está prevista a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a iniciativa privada coletar e processar o plasma humano, além de comercializá-lo. Hoje, o uso do material, que corresponde a 55% do volume de sangue, pode ser utilizado para pesquisas e criação de medicamentos, os hemoderivados, apenas pela Hemobrás, empresa pública vinculada ao Ministério da Saúde.
A PEC foi apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD) no ano passado, motivada pelo desperdício de plasma nos laboratórios particulares do país. Estimativas da Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS) apontam que cerca de 85% do material produzido pelos bancos de sangue privados é descartado – outros 15% são usados em transfusões de sangue.
A associação é favorável ao projeto. Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o presidente, Paulo Tadeu de Almeida, defendeu a entrada de empresas privadas no setor para a criação de hemoderivados e pesquisas: “você vai gerar emprego, você vai criar tecnologia, você vai ter medicamento disponível e você vai gerar imposto, inclusive”, disse.
No entanto, as alterações no texto feitas pela relatora da PEC, a senadora Daniella Ribeiro (PSD), que abriram a possibilidade de comercialização do plasma por hemorredes e laboratórios privados para outras empresas, até mesmo para lugares de fora do Brasil, levaram o governo e outras instituições de saúde a serem contrários à proposta.
“O sangue não pode ser comercializado de modo algum, essa foi uma conquista da nossa Constituição. Com a Hemobrás, caminhamos para a autossuficiência em hemoderivados, para que o sangue não seja uma mercadoria. O Ministério da Saúde e o governo federal se posicionam por isso contra a PEC do plasma”, escreveu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em publicação no X (antigo Twitter).
Para o Ministério da Saúde, a venda do insumo não resultaria em maior produção e acesso de medicamentos pela população brasileira, mas sim o contrário. “Atualmente, o plasma doado no país atende exclusivamente às necessidades da população brasileira e retorna a ela em medicamentos”, disse em nota. Para a pasta, com a possibilidade de exportação, esse cenário seria afetado.
"Hoje, a Hemobrás é muito aberta à parceria com o setor privado. Portanto, pode-se estabelecer parcerias público-privadas, mas sem que o sangue vire mercadoria e possa ser, inclusive, exportado em detrimento da saúde da nossa própria população", argumenta o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha.
Um dos problemas é que a Hemobrás não consegue atender toda a demanda de hemoderivados no Sistema Único de Saúde (SUS), o que faz com que o país precise importar medicamentos do exterior. No entanto, Gadelha cita que essa dependência tem diminuído, o que descarta a necessidade da lei.
Diz que, hoje, 30% dos fármacos do tipo ofertados pelo SUS são feitos com plasma doado no país, e que a previsão é chegar a 80% a partir de 2025 com a conclusão do complexo industrial da Hemobrás que começou a ser construído há 13 anos, em Pernambuco.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que serão destinados R$ 900 milhões nos próximos dois anos “na qualificação de mais 250 serviços com foco no pleno aproveitamento do plasma e na ampliação da capacidade de produção da Hemobrás” por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Outras entidades, como a Fiocruz, a Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia e o Conselho Nacional de Saúde (CNS), seguem o posicionamento do Ministério da Saúde e também são contrários à PEC.
Em contrapartida, a relatora da proposta, senadora Daniella Ribeiro, sustenta que a comercialização do plasma irá sim ampliar e melhorar o atendimento dos laboratórios aos pacientes brasileiros. Segundo ela, a Hemobrás precisaria ser quatro vezes maior para atender toda a demanda do país.
A PEC também gerou divergências quando incluiu a possibilidade de remuneração da coleta de plasma aos doadores de sangue com a finalidade, que foi retirada após duras críticas. O Ministério da Saúde disse que a mudança afetaria as doações voluntárias e incorreria em “risco de desabastecimento nas emergências hospitalares”.
A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), por exemplo, criticou em nota a remuneração, mas apoia a aprovação da PEC:
“A ABHH aprova a mudança para o nível infraconstitucional e, considerando que existe grande desperdício de plasma no país, apoia a autorização da participação da iniciativa privada na comercialização e fracionamento industrial do plasma humano excedente do Brasil”, diz. O texto tem também o apoio do Instituto Coalizão Saúde.