CULTURA

Dia do Nordestino: como a ficção audiovisual ajudou a construir o imaginário da região

Ao longo dos anos, filmes, séries e novelas trouxeram representações do Nordeste muitas vezes associadas a signos como a seca e a fome

Série "Cangaço" novo, do Prime Video, é sucesso internacional - Victor Jucá/Divulgação

Se existe um conjunto de imagens específicas que vêm imediatamente à cabeça quando pensamos no Nordeste, um dos grandes responsáveis por isso é a ficção audiovisual. Ao longo das últimas seis décadas, o cinema, a televisão e, mais recentemente, o streaming, ajudaram a construir o imaginário coletivo vivo até hoje sobre a região, em narrativas que, por diversas vezes, estão associadas a signos estigmatizantes, como seca, pobreza, dominação política e exploração religiosa.

É pouco provável que, em uma conversa com alguém de fora do Nordeste sobre a região, “O Auto da Compadecida” (2000), filme dirigido pelo pernambucano Guel Arraes, por exemplo, não surja como uma referência. Bem antes da peça teatral de Ariano Suassuna ser adaptada para as telas, o movimento Cinema Novo já encontrava no território nordestino o cenário ideal para as suas ideias, colocadas em prática em clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)”, de Glauber Rocha, e “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos. 

A telenovela, como produto audiovisual de maior alcance no País, também criou suas próprias representações do Nordeste, como nos títulos “O Bem Amado” (1973), “Gabriela” (1975), “Roque Santeiro” (1985) e “Tieta” (1989). O cinema pernambucano, desde “Baile Perfumado” (1996) até “Bacurau” (2019), também tem sua parte nessa construção. Em tempos de streaming, a série “Cangaço Novo”, que estreou em agosto no Prime Video, amplia o alcance desse retrato, tendo ficado entre os mais vistos da plataforma em 49 países. 
 

O historiador Durval Muniz, autor do livro “A Invenção do Nordeste”, aponta para um resgate cíclico no audiovisual de uma abordagem presente nos romances regionalistas da segunda geração do modernismo no Brasil. “Se estabelece um conjunto de temas e imagens do qual não se consegue mais fugir. Sempre que você quer falar de Nordeste, determinadas temáticas aparecem como sendo óbvias”, aponta. "Um banditismo, um assalto a banco, uma coisa que é completamente nova, mas você nomeia de cangaço. Toda e qualquer manifestação política no Nordeste é coronelismo, e volta sempre a esses conceitos", complementa.

Inspirado no pensamento de Durval, o produtor, roteirista e diretor potiguar Pedro Fiuza dirigiu o documentário “A Edição do Nordeste”, que será exibido no Festival do Rio no dia 12 de outubro. O curta-metragem é uma colagem de 28 filmes que ajudaram a construir a imagem estabelecida sobre o Nordeste. Para o cineasta, há uma nova geração de realizadores nordestinos cada vez mais interessada em diversificar o olhar sobre os seus lugares de origem. 
 
“Realizei um laboratório de roteiros de longas-metragens em Natal, no começo do ano, pensando na construção de um novo imaginário para o Nordeste. Recebemos 127 propostas de pessoas de vários estados, o que demonstra que há muita gente pensando sobre isso. E o importante: não é só sobre pensar na história, mas em como produzir isso com gente daqui”, ressalta. 
 
Em “Recife Assombrado” (2019), o pernambucano Adriano Portela fugiu do lugar-comum, com uma narrativa do gênero de horror ambientada em uma metrópole. Essa perspectiva, segundo o diretor, agradou espectadores de dentro e fora do Nordeste. “Como o filme está na Globoplay, eu sempre recebo mensagens de uma galera do Sul e do Sudeste dizendo que assistiu e que ficou encantado com a cidade e esse outro lado dela que eles não conhecem”, contou.

No próximo ano, Portela deve filmar a sequência do seu primeiro longa-metragem e, depois, pretende retornar a esse universo por meio de uma série derivada. Também está nos planos do cineasta, para 2024, adaptar para o cinema o conto “Retábulo de Santa Joana Carolina”, de Osman Lins. “Quero mostrar um Nordeste mais amplo do que se pensa, que tem histórias curiosas e interessantes para contar. São narrativas não só de sofrimento, mas que buscam tocar no emocional das pessoas de outras maneiras”, defende.