Traficantes suspeitos de morte de médicos eram investigados por homicídios em guerra contra milícia
Contra Ryan Soares de Almeida e Philipp Motta Pereira haviam mandados de prisão por crimes em comunidade na Zona Oeste da cidade
Pelo menos dois dos quatro traficantes suspeitos do triplo homicídio de médicos na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, já eram investigados por execuções em guerra contra a milícia na mesma região da cidade. Contra Philipp Motta Pereira, o Lesk, e Ryan Soares de Almeida haviam mandados de prisão por crimes cometidos na Rua Araticum, que ficou conhecida como Rua da Morte e tem sido palco da disputa territorial entre as duas facções criminosas desde o ano passado.
Encontrado no porta-malas de um Toyota Yaris na Avenida Tenente-Coronel Muniz de Aragão, na Gardênia Azul, Lesk era réu por dois homicídios qualificados. A vítima mais recente, na noite de 14 de fevereiro, foi o pedreiro Erinaldo Gomes da Silva, de 51 anos. De acordo com as investigações da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), ele seria apontado pela quadrilha de traficantes como um informante de milicianos.
Na especializada, parentes contaram que Erinaldo foi morto a tiros no portão de casa ao sair para receber o aluguei de imóveis que era proprietário, na Araticum. Os depoimentos mostram que ele realizava serviços de obras na comunidade e pode ter sido contratado por algum miliciano que dominava a região antes dos traficantes expulsá-lo.
No dia 20 de julho, o juiz Cariel Bezerra Patriota, auxiliar do I Tribunal do Júri, decretou a prisão preventiva de Lesk e outros seis bandidos pelo crime. Todos já tinham antecedentes e seriam ligados a Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, que pertence à cúpula da maior facção criminosa do Rio.
Lesk respondia ainda a um processo por tráfico, na 35ª Vara Criminal da capital. Segundo as investigações da 39ª DP (Pavuna), ele atuava como “matuto”, transportando grande quantidade de maconha de outros estados para o Rio. Em 2019, trocas de mensagens recuperadas pelos investigadores em seu telefone celular mostravam negociações de compra e venda de drogas.
Já Ryan, encontrado em um Honda HRV na Rua Abraão Jabor, no Camorim, era réu pelo homicídio qualificado do veterinário Ademilson Lana dos Santos, de 34 anos, na noite de 29 de março. Na ocasião, o traficante, Douglas de Albuquerque Martins e Gabriel da Silva Valêncio teriam atirado na vítima após ela reclamar da invasão do terreno de sua casa para a instalação de uma boca de fumo, na Araticum.
O inquérito da DHC aponta que Ademilson foi morto justamente por não concordar com o comportamento dos criminosos, que tinham o objetivo de expandir o domínio na localidade conhecida como Buraco Quente, no Anil. Na especializada, testemunhas contaram que ele chegou a ser ameaçado pelos traficantes, mas não acreditou que eles o matariam por serem conhecidos de seus vizinhos e familiares.
Também na delegacia, parentes de Ryan relataram que ele “sempre tudo na vida”, mas decidiu “entrar para o tráfico” em uma favela de Cabo Frio, na Região dos Lagos do estado, há cerca de dois anos. Lá, o rapaz chegou a ser preso em flagrante por policiais militares com drogas. Ao ser solto, teria passado a participar de ataques contra milicianos na Araticum.
Em 2023, Ryan chegou a ser preso novamente por PMs do 18º BPM (Jacarepaguá), durante uma operação na Gardênia Azul. Levado para a 32ª DP (Taquara), ele conseguiu fugir quando sua algema foi retirada, antes de prestar depoimento.
Como o GLOBO revelou em abril, a Araticum registrou 17 homicídios da guerra entre criminosos rivais em 46 dias. Apenas em 8 de março, foram oito vítimas. A localização da via seria estratégica para os traficantes, pela proximidade com Rio das Pedras, berço da milícia e uma das maiores favelas do Rio.
Para a DHC, Lesk e Ryan podem ter sido executados por retaliação dos próprios comparsas a participação deles nas mortes dos médicos Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro Almeida em um quiosque na Avenida Lúcio Costa, na madrugada da última quinta-feira.
A principal linha dos investigadores é que Perseu tenha sido confundido pelos bandidos com Taillon de Alcântara Pereira Rosa, acusado pelo Ministério Público de atuar em uma milícia que explora transporte alternativo, água, gás e TV a cabo em Rio das Pedras, na Muzema e em outras comunidades nos arredores.