GUERRA

A assustadora possibilidade de uma ofensiva terrestre de Israel contra Gaza

Segundo o especialista John Spencer, Israel irá lançar a maior operação conjunta contra Gaza na história

Palestino segura uma criança nos braços após ataques aéreos de Israel à Faixa de Gaza - Mahmud Hams/AFP

Um ataque por terra contra Gaza é um dos cenários possíveis e até mesmo um dos mais prováveis na guerra em Israel, uma perspectiva assustadora de combates no coração de uma cidade densamente povoada, em túneis subterrâneos e em meio a reféns.

Nesta segunda-feira (9), Israel ordenou o corte “imediato” do fornecimento de água na Faixa de Gaza, no contexto de um “cerco total” ao território controlado pelo grupo islâmico palestino Hamas.

O futuro parece escrito. “Israel vai lançar a maior operação conjunta (ar/terra/mar/espaço) contra Gaza da história”, afirmou na rede social X, o antigo Twitter, o especialista John Spencer, do Modern War Institute da academia militar americana West Point.

Guerra urbana
No entanto, uma guerra urbana exige combates corpo a corpo, reduz a visibilidade, multiplica as armadilhas, turva a distinção entre civis e militares, e torna praticamente inúteis os veículos blindados.

Andrew Galer, ex-oficial britânico, agora analista da empresa de inteligência Janes, descreve um “campo de batalha de 360 graus onde a ameaça está por toda parte”, dos bueiros aos telhados.

Proteger cada prédio significará empregar desminadores, escadas, cordas e explosivos “possivelmente entre tiros” e no escuro, explica.

Além disso, “existem riscos de disparos fratricidas” diante da dispersão e mobilidade dos combatentes.

“Metrô” de Gaza 
Cerca de 2,3 milhões de palestinos vivem na Faixa de Gaza, sob bloqueio israelense desde 2007. Embaixo do labirinto de ruas estreitas e superpovoadas, há uma forte rede de túneis apelidados de “metrô de Gaza” pelo exército de Israel.

Centenas de túneis foram escavados debaixo da fronteira de 14 km entre Gaza e o Sinai egípcio para a circulação de combatentes, armas e outros produtos de contrabando.

Muitos foram destruídos, mas desde 2014 o Hamas tem escavado vias subterrâneas em seu próprio território.

Assim, os combatentes se deslocam a 30 ou 40 metros de profundidade, fora do alcance dos ataques, ocultando sistemas lança-foguetes que levam à superfície usando alçapões.

O exército israelense os bombardeou intensamente em 2021, e embora conheça parte dessa rede, outros túneis seguem sendo secretos e complicarão suas operações.

Vantagem defensiva
O Hamas “conhece seus túneis de cor”, garante Colin Clarke, diretor de pesquisa do Soufan Center em Nova York. “Alguns provavelmente têm armadilhas. Preparar-se para combater nesse terreno (...) exigirá muita informação (...), algo que os israelenses talvez não tenham.”

Especialmente sabendo que em um combate aberto, o defensor - neste caso o Hamas - tem uma grande vantagem tática.

“Todos sabem que será longo e difícil, com muitas perdas”, reconhece Alexandre Grinberg.

Para o Hamas, os túneis são “uma vantagem que pode se transformar em armadilha. Quando localizados, é possível encurralar quem estiver dentro. Nesse caso, a ordem será ‘sem piedade’”, acrescentou Grinberg.

Peso dos reféns
A operação será ainda mais complicada já que o Hamas sequestrou dezenas de civis.

“A sociedade israelense não perdoará se a vida dos reféns não for prioridade” e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu “sabe disso perfeitamente”, observa Sylvaine Bulle, especialista de Israel do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), com sede na França.

A cobrança que a sociedade israelense fará vai, “sem dúvidas, gerar conflitos de temporalidade entre o [campo] militar e o político”, prevê.

De fato, Israel não está atualmente em posição de negociar, afirma Kobi Michael, pesquisador do centro de estudos INSS de Tel Aviv.

“O problema dos reféns não pode ser a principal prioridade de Israel”, que poderá cuidar dele “quando o Hamas estiver derrotado e fraco”, declara sem rodeios.

Um membro da cúpula política do Hamas no Catar confirmou nesta segunda-feira: “não há hoje nenhuma possibilidade de negociação sobre a questão dos prisioneiros ou qualquer outra coisa”.