A origem do Hamas e a decisão de Israel de suspender o diálogo: entenda o cenário no Oriente Médio
Movimento extremista que lançou o maior ataque em décadas contra Israel controla a Faixa de Gaza há 16 anos e foi responsável por inúmeros ataques e atentados
O grupo extremista Hamas, que lançou o maior ataque a Israel em décadas, com uma magnitude sem precedentes para nenhuma facção lutando pelo Estado palestino, é a maior organização armada nos territórios palestinos e controla há 16 anos a Faixa de Gaza, onde vivem cerca de dois milhões de pessoas.
O Hamas foi fundado em 1987 pelo xeque Ahmed Yassin, que atuava junto à Irmandade Muçulmana, a organização islâmica fundada no Egito, na década de 1920, que adquiriu influência política e ideológica em diversas esferas do mundo islâmico. O nome em árabe é um acrônimo para Movimento de Resistência Islâmica.
Na época da fundação, os palestinos realizavam a Primeira Intifada (1987-1993), uma revolta popular contra o controle israelense em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, um conflito que remete à divisão do território da Palestina, após a saída dos britânicos, e o reconhecimento internacional da independência do Estado de Israel em 1948 — estopim da primeira guerra árabe-israelense, que durou até 1949.
Desde então, o Hamas foi classificado como terrorista por Israel, EUA, Reino Unido e União Europeia (UE), enquanto seu braço armado esteve à frente de inúmeros ataques — incluindo sequestro de soldados — e atentados suicidas contra israelenses dentro do país. Mas o Hamas é, ao mesmo tempo, uma organização política e administrativa, que mantém peso representativo, embora desgastado, em Gaza
Em sua fundação, o Hamas se comprometeu com o objetivo de destruir Israel e nunca reconheceu o direito do Estado judeu de existir, na mesma linha de seu principal aliado, o Irã. Em 2017, o Hamas suavizou o discurso, passando a aceitar o estabelecimento de um Estado palestino nas fronteiras pré-1967, ou seja, incorporando os territórios de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental antes de sua conquista por Israel na Guerra dos Seis Dias. Ainda assim, o Hamas não reconheceu Israel.
Controle em Gaza
A ação do grupo em Gaza se baseia nos seus pilares desde a fundação: a religião, a caridade e a luta contra o vizinho inimigo. A rivalidade com o Fatah, o grupo laico à frente pela criação de um Estado palestino e liderado então por Yasser Arafat, arrastou-se por anos, até Israel se retirar totalmente de Gaza, com a saída de soldados e colonos, em 2005. O avanço da influência do Hamas foi rápido.
O grupo tomou o poder na Faixa de Gaza em 2007, após expulsar para a Cisjordânia os integrantes do Fatah, partido na liderança da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e da Autoridade Nacional Palestina (ANP), presidida hoje por Mahmoud Abbas, que nunca teve a representatividade de Arafat.
O confronto entre as duas correntes palestinas ocorreu após o Hamas vencer as eleições parlamentares para o governo de Gaza, em 2006. O Hamas acusou o Fatah de conspiração contra o grupo, e Abbas classificou a ação de “golpe”. O Fatah e a ANP vinham perdendo força desde a morte de Arafat, em 2004.
Arafat foi o condutor da explosão da chamada Segunda Intifada (2000-2005), um novo levante palestino contra Israel cujo gatilho foi a visita de Ariel Sharon, então candidato a primeiro-ministro, ao Monte do Templo, também conhecido pelos muçulmanos como Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém em 2000. O local é sagrado para judeus e muçulmanos. Segundo um relatório da ONG israelense de defesa dos direitos humanos B'Tselem, na década seguinte, 7.454 palestinos e israelenses morreram nos conflitos (6.371 do lado palestino e 1.083 do israelense).
O conflito
Em todo esse período, o Hamas esteve por trás de diversos atentados suicidas em Israel, entre eles o que matou 16 pessoas na explosão de dois ônibus na cidade de Beersheba, em 2004, e outro em frente a uma boate em Tel Aviv, em 2001, com 21 mortos. O grupo também orquestrou sequestros de militares, como a captura do soldado Gilad Shalit, em 2006, que detonou incursões e bombardeios em Gaza. Para libertá-lo, após 5 anos de cativeiro, o governo israelense acabou aceitando uma troca de prisioneiros, em 2011, assim como quer agora o Hamas. Na ocasião, mais de mil palestinos presos foram devolvidos a Gaza.
Também ocorreram diversos confrontos em larga escala. Em 2008, Israel iniciou uma ofensiva de 22 dias em Gaza, após o lançamento de foguetes do Hamas em Sderot, a maior cidade israelense perto da fronteira com o território. Cerca de 1.400 palestinos e 13 israelenses morreram, de acordo com a agência de notícias Reuters. Em 2014, o Hamas sequestrou e matou de três adolescentes israelenses, detonando uma guerra que durou quase dois meses, que matou mais de 2 mil palestinos e mais de 70 israelenses, incluindo alguns civis, segundo a Reuters.
A última escalada de confrontos começou em maio de 2021, quando a polícia israelense invadiu a Mesquita de al-Aqsa, na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, o terceiro local mais sagrado para o islamismo. Os enfrentamentos em Jerusalém dispararam ataques do Hamas com foguetes e uma guerra de 11 dias que matou mais de 200 palestinos e pelo menos 10 israelenses, também pelos dados da Reuters.
No ano passado, o conflito se intensificou na Cisjordânia, após uma série de atentados em solo israelense. Dezenas de palestinos morreram. Este ano, Israel fez inúmeras operações na Cisjordânia, deslocando um grande contingente militar para a região, o que muitos analistas apontam agora como um dos fatores que podem estar envolvidos na fragilidade do controle na fronteira com Gaza exposta pela invasão de centenas de extremistas armados do Hamas, no último sábado.
As negociações de paz
Em 1994, o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, o chanceler israelense, Shimon Peres, e o presidente da OLP, Yasser Arafat, ganharam o Prêmio Nobel da Paz, em reconhecimento pelos Acordos de Oslo, assinados em Washington um ano antes, sob mediação do então presidente americano, Bill Clinton.
O acordo, assinado por Arafat e Rabin, na Casa Branca, foi obtido em negociações secretas na Noruega. Israel concordou em conceder aos palestinos autonomia relativa na Faixa de Gaza e em partes da Cisjordânia, além da criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Após o acordo, Arafat retornou aos territórios palestinos após 27 anos de exílio para ficar à frente da ANP.
Um ano depois de ganhar o prêmio, Yitzhak Rabin foi assassinado com dois tiros disparados por um extremista de direita israelense, durante uma manifestação pela paz, e os acordos não progrediram.
Em 2000, foi feita uma nova investida, ainda no governo Clinton, com a cúpula de Camp David, nos EUA, quando os dois lados se viram diante de impasses sobre o status de Jerusalém — reivindicada por israelenses e palestinos como capital — e os futuro dos refugiados da guerra de 1948. Clinton defendeu a criação de um Estado palestino em toda Faixa de Gaza e 95% da Cisjordânia . Em troca, os palestinos deveriam renunciar ao direito de retorno dos refugiados a Israel. Em setembro do mesmo ano, a visita de Ariel Sharon, um conservador de direita odiado pelos palestinos, à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, fez eclodir a segunda intifada.
Depois, houve uma tentativa de mediação saudita, em 2002, implodida pela nova ofensiva israelense na Cisjordânia, após atentados suicidas palestinos.
Em 30 de abril de 2003, o Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, Rússia, União Europeia, ONU) apresentou um plano que previa a criação de um Estado palestino até 2005 e o congelamento da colonização judaica nos territórios em troca do fim da Segunda Intifada. Em 4 de junho, Israel e a ANP se comprometeram a aplicá-lo diante do presidente americano, George W. Bush. O processo não avançou novamente, em meio a novos confrontos com o Hamas e ao avanço das colônias israelenses na Cisjordânia.
Em 2013, o então secretário de Estado americano, John Kerry, anunciou a retomada por nove meses de negociações diretas, interrompidas três anos antes. Mas Israel suspendeu as discussões a uma semana do fim do período, após um anúncio de reconciliação entre o Fatah e o Hamas. Dois anos depois, quando Benjamin Netanyahu era primeiro-ministro em seu segundo mandato, ele anunciou conversações sobre uma iniciativa de paz liderada pela França, que não saíram do lugar.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, e durante os dois governos dos ex-presidentes americanos George W. Bush e Barack Obama, os EUA estiveram envolvidos em duas guerras [Iraque e Afeganistão], e o conflito no Oriente Médio deixou de ser prioridade da política externa americana. No governo do presidente Donald Trump, os EUA fizeram uma nova proposta de paz elaborada por seu genro, Jared Kushner, e anunciada na Casa Branca pelo republicano junto com Netanyahu. Os palestinos, que não foram convidados, recusaram previamente a proposta — que incluiria investimentos de US$ 50 bilhões em 10 anos para a economia palestina — alegando que era excessivamente favorável a Israel.
Paralelamente, os EUA começaram em 2020 a impulsionar um processo de normalização das relações entre Israel e países árabes, chamado de Acordos de Abraão, iniciados com Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Desde que assumiu a Casa Branca, em 2021, o presidente americano, Joe Biden, levou adiante as conversas para que a Arábia Saudita, se juntasse ao grupo. No mês passado, o ministro do Turismo de Israel, Haim Katz, liderou a primeira missão oficial israelense a Riad, e os dois governos vinham dando sinais de que um acordo era iminente. Um processo que analistas já dizem que sofreu um duro golpe com os ataques de sábado a Israel.
No ano passado, Biden esteve na região, em encontros com os governantes israelenses e representantes da ANP. O presidente americano também revigorou os repasses de recursos para a ANP, na Cisjordânia, que minguaram durante os anos Trump. Com a entrada da extrema direita no governo Israelense e a tentativa de Netanyahu de aprovar uma reforma do Judiciário amplamente considerada antidemocrática, as relações entre Biden e Netanyahu sofreram intenso desgaste, nos últimos meses.
FOLHA PLAY
Assista: o cientista político Antônio Lucena e o coordenador de Comunicação da Federação Israelita de Pernambuco, Jader Tachlisky, analisam o conflito entre Hamas e Israel