VOLUNTARIADO

Saiba como o trabalho voluntário ajuda na recuperação da autoestima dos pacientes

Dedicação de voluntários da saúde promove o bem-estar a pacientes necessitados de atenção, em tratamento hospitalar

Voluntárias trabalham com as pacientes em workshops de automaquiagem - Clarice Melo/Folha de Pernambuco

Dedicar parte do tempo ao outro sem receber nada em troca. Esse é o princípio que guia o trabalho voluntário realizado por centenas de pessoas em diversas unidades de saúde de Pernambuco. Apesar da não remuneração financeira, os ganhos para quem ajuda são inestimáveis, e os momentos de bem-estar e cuidados proporcionados são imensuráveis para o paciente.

A opinião é da cabeleireira Maria José da Silva Bessa, de 59 anos, que atua como voluntária no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). O trabalho, iniciado em 2007, tem como foco promover a recuperação da autoestima de pacientes em tratamento no hospital.

Para isso, a profissional oferece seus serviços de cabeleireira, auxilia na confecção de perucas e lidera workshops de automaquiagem.

“Eu tinha muito desejo de ser voluntária. É uma coisa ímpar e maravilhosa”, afirma. “Comecei nas quartas-feiras pela manhã, mas a vontade foi crescendo e passei a ficar o dia todo. Quando vi, estava por aqui dois ou três dias na semana”, conta.

Durante os 16 anos como voluntária, Maria colecionou histórias e trocas que a motivam a seguir oferecendo seu trabalho com o mesmo amor e carinho do início.

“Minhas clientes diziam que eu era doida por deixar de ganhar dinheiro para fazer as coisas de graça para os outros, mas sempre tive um propósito”, diz. “Em 2019, fiz o curso de perucas para atender as pacientes e é uma satisfação imensa. Cada dia é uma experiência diferente, e a nossa vontade de trabalhar é maior”, destaca.


Esse desejo é renovado a cada atendimento. Coordenadora do setor de beleza do voluntariado, Maria José auxilia as pacientes a reconstruírem a autoestima que costuma ser abalada com a chegada da doença. “Aqui cuidamos principalmente de pacientes da oncologia, são mulheres que muitas vezes foram abandonadas pelos maridos e perdem a autoestima. Elas chegam cabisbaixas, mas saem completamente renovadas. É uma alegria muito grande, e eu só tenho gratidão de saber que pude contribuir com aquela felicidade”, completa.

Relações humanas
Maria observa que, por muitas vezes, seu trabalho vai além do setor de beleza e também acaba contemplando as relações humanas, que são firmadas durante os momentos de cuidado.

“Às vezes é uma coisa básica mas que tem uma importância imensa para quem recebe. Hoje são 12 pessoas apenas no setor de beleza daqui. Quando os pacientes não podem vir até o salão, a gente vai até o leito para oferecer um corte no cabelo, fazer uma escova ou alguma outra coisa que eles precisem. Eu sempre me preparo e peço a Deus que me dê força para falar a palavra certa nesse momento que é de tanta fragilidade.”


Uma das pacientes beneficiadas com a ação dos voluntários é a dona de casa Iraneide Alves, de 49 anos. Após enfrentar um diagnóstico difícil, ela recebe no Imip o carinho das voluntárias que a motivam a continuar aproveitando a vida e enfrentar as complicações do câncer de mama, descoberto quando ela tinha apenas 39 anos.

Perucas confeccionadas por voluntárias são entregues a mulheres em tratamento médico | Foto: Clarice Melo/Folha de Pernambuco

Além das dificuldades impostas pela doença, Iraneide também precisou lidar com uma tentativa de feminicídio. “Eu enfrentei a morte mas Deus me deu mais uma oportunidade de vida. Quando cheguei aqui e conheci as voluntárias, tive uma conexão muito intensa. São mulheres que não recebem nada, mas estão dando o melhor delas para nós. São elas que me ajudam a ter minha autoestima de volta e a diminuir minha tristeza”, conta.

Legado de voluntariado
Além das perucas e dos cuidados com a beleza, as pacientes atendidas pelo Imip também recebem próteses mamárias. Os itens são confeccionados por voluntárias que também receberam um treinamento específico para o trabalho. Uma delas é Betânia Brito, que tem 57 anos. “É gratificante ver o sorriso delas quando recebem a prótese. É muito bonito a forma como elas ficam gratas com o nosso trabalho. Vale a pena estar aqui”, avalia.

Esse legado de voluntariado, que foi recebido dos pais, também é passado por Betânia para os filhos. “Tenho um casal que já é adulto e eles participam de outras ações. Estamos sempre dando nosso apoio, fazendo campanha para conseguir alimentos, roupas etc. Um trabalho em família que nos une. Recomendo para todos: quando você tiver oportunidade de ajudar, ajude”, aconselha Betânia.

Rejane Aguiar coordena o voluntariado do hospital há 24 anos, trabalho que envolve cerca de 200 pessoas | Foto: Clarice Melo/Folha de Pernambuco

No Imip, todo o setor é coordenado por Rejane Aguiar, que lidera o voluntariado do hospital há 24 anos. “É um trabalho que envolve mais de 200 pessoas. Antes da pandemia, eram mais de 500. Coordenar é uma tarefa difícil, porque cada ser humano tem o seu pensamento e temperamento. A gente tem que ter jogo de cintura para entender e conduzir o barco de uma maneira elegante e satisfatória”, explica.

Para ela, a maior recompensa está nos momentos de bem-estar proporcionados aos pacientes. “Me sinto feliz por dar esses anos de trabalho. Aqui no Imip, tenho uma família. Sinto falta no dia que não posso vir, porque já faz parte do meu cotidiano. É um trabalho que foi abraçado com muito amor por todos”, diz.
 
Pastoral da Saúde
Além das ações realizadas em hospitais, outros grupos de voluntários também se reúnem para levar as iniciativas até quem precisa de cuidados de saúde. Um desses grupos é da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife, que é comandada por Fred Cordeiro.

O trabalho é dividido nas dimensões solidária, social e política institucional. A primeira promove ações diretas com os necessitados. “Nós fazemos visitas e vamos diretamente até a pessoa carente que precisa de um apoio de saúde ou visita. Muitas vezes a pessoa está muito solitária e carente, debilitada por conta da doença. Então vamos até ela para levar esse conforto”, afirma.

Já na dimensão social, a pastoral promove ações específicas para o atendimento, que é aberto ao público. “Realizamos campanhas de cuidados oftalmológicos,  mamografias, entre outros. Sempre damos prioridade às comunidades carentes que têm mais dificuldade de acesso à saúde. Já na dimensão política institucional trabalhamos cobrando as instituições de saúde e oferecendo assistência social de acordo com a necessidade”, destaca Fred.

No total, as ações voluntárias reúnem em média mil pessoas. Entre elas, estão médicos, enfermeiros, dentistas e pessoas de outras profissões, mas que se disponibilizam a auxiliar na montagem da estrutura da ação ou oferecer conforto e apoio emocional aos pacientes.

“Na Paróquia da Torre, no Recife, temos um consultório muito estruturado que realiza uma ação social médica fantástica. Coordenar esse voluntariado é difícil porque sempre tem algo novo. Mas é realmente muito gratificante poder ajudar a resgatar a dignidade de uma pessoa que está sofrendo há muito tempo”, observa.

Durante seus 13 anos como voluntário, Fred já precisou lidar com questões delicadas que o envolveram emocionalmente. “Às vezes é uma doença muito agressiva e a pessoa se nega. Nós vamos conversando, trabalhando e ela vai resgatando a esperança. É muito gratificante poder levar algum. Mas, às vezes acontece o inverso. Nós vamos levar e acabamos recebendo”, comenta.

Para garantir o melhor atendimento, os voluntários recebem um preparo para saber lidar com as questões. “É uma questão de empatia e disponibilidade. De querer ajudar o outro sem esperar nada em troca. Tentar ajudar a vida de quem precisa, independentemente de reconhecimento. Mas esse auxílio não pode gerar uma expectativa que não é a realidade, por isso orientamos esse trabalho”, completa Fred.