AUTOMÓVEIS

Exportação de veículos do Brasil para a Argentina despenca com agravamento da crise no país vizinho

Com o peso cada vez mais desvalorizado, compras argentinas de automóveis, veículos e ônibus brasileiros caem pela metade em setembro

Carros sendo exportados - AFP

A crise econômica e a corrida cambial na Argentina às vésperas da eleição presidencial de 22 de outubro estão atrapalhando as exportações da indústria automobilística do Brasil para o país vizinho.

De acordo com a Anfavea, entidade que representa as montadoras brasileiras, as exportações de automóveis e veículos comerciais leves para a Argentina caíram 52% em setembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Segundo dados da Anfavea, foram vendidas ao país vizinho apenas 4.335 veículos no mês passado. Em setembro de 2022, foram 9.159 unidades. Entre janeiro e setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado, a queda foi de 15%: de 106.516 unidades em 2022 para 90.759 unidades.

Com esses números, a Argentina passa a representar apenas 28% das exportações brasileiras nesse segmento. No passado, mais de 50% das exportações de automotivos do país foi para a Argentina, o principal destino das montadoras brasileiras.

Há também uma queda nas compras argentinas de caminhões e ônibus do Brasil. A queda nas vendas ao país vizinho foi de 46% no mês passado. Foram 438 unidades em setembro de 2022 e 264 no deste ano. Entre janeiro e setembro, a queda foi de 32%, passando de 4.515 unidades para 3.070 este ano. Atualmente, a Argentina representa 25% das exportações brasileiras de caminhões e ônibus.

Dez mil veículos nos portos
Pelo menos dez mil veículos fabricados no Brasil estão parados em portos da Argentina aguardando autorização para entrar no país vizinho no início desde mês de outubro. No mesmo período de setembro, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), associação que representa as montadoras brasileiras, eram 20 mil unidades paradas.

Essa 'fila' de espera se deve a barreiras que o governo do presidente Alberto Fernández impôs às importações, que têm como objetivo evitar a saída dos dólares das reservas argentinas.

De acordo com estimativas da Anfavea, este ano, a Argentina vai perder o posto de principal destino das exportações de veículos brasileiros, sendo superada pelo México. A entidade, inclusive, revisou sua projeção total de exportações feita no início deste ano. A Anfavea projetava uma queda de 2,9%, mas agora revisou o número para uma queda de 12,7% dos embarques no exterior.

Além da crise argentina, que derrubou as vendas de veículos fabricados no Brasil ao exterior, países como Chile e Colômbia também viram seus mercados internos de veículos encolher. Em outubro, número mais recente divulgado pela Anfavea, as exportações brasileiras de automóveis encolheram 11,2% no total na comparação com o mesmo período do ano passado.

Mais de mil pesos por um dólar
Uma das dificuldades do país é a maxidesvalorização do peso, que aumenta o custo dos importados para os argentinos. Hoje, a cotação do dólar paralelo (dólar blue) superou mil pesos, um novo recorde histórico.

Nas ruas da capital, a moeda americana era negociada a 1.025 pesos, segundo o La Nación. A cotação pode mudar de cueva para cueva, como são chamados pontos informais de troca de moedas. Em grupos de WhatsApp usados para compra e venda de dólares, a cotação do dólar blue também superou os mil pesos.

Desde as primárias realizadas em 13 de agosto - quando foram escolhidos os candidatos dos partidos que disputarão as eleições - o dólar blue já acumula desvalorização de 40%. A tendência, segundo analistas, é que esse movimento se aprofunde até o pleito, cujo primeiro turno se realiza no dia 22.

Milei promete dolarizar a economia
O ministro da Economia e candidato presidencial Sergio Massa culpa seu rival da extrema direita, Javier Milei, pela nova corrida ao dólar paralelo — que em 2 de outubro estava em 800 pesos . Na última segunda-feira, Milei disse a jornalistas locais que o peso era “um excremento”, atitude considerada irresponsável pelo candidato peronista. Milei reitera sua promessa de dolarizar a economia argentina se conseguir chegar à Casa Rosada.

Na manhã desta terça, na tentativa de conter a nova corrida cambial, o Ministério da Economia argentino, junto com a AFIP (Receita Federal local), publicou novas regras para a utilização do cartão de crédito e débito dos argentinos no exterior, tornando mais cara a cotação para quem gasta em pesos fora do país.

Terminal aérea paralisada por uma semana
Também nesta terça, empresas argentinas e estrangeiras que operam no país foram surpreendidas por uma nova medida da Afip (a Receita Federal local), que paralisou a Terminal de Cargas Argentina (TCA), que funciona no aeroporto internacional de Ezeiza, e por onde entram 90% do comércio internacional que chega ao país por via aérea. A resolução da Afip informa que a TCA ficará paralisada por 72 horas, o que somado aos quatro dias de feriado que começam na sexta-feira implica uma semana sem atividades de comércio exterior em Ezeiza.

A Afip menciona um “bloqueio informático” na TCA, sem dar mais detalhes. Procurado pelo Globo, o organismo tributário argentino explicou apenas que a TCA, que pertence ao grupo Corporação América, do empresário e magnata argentino Eduardo Eurnekian, para quem trabalhou durante mais de 15 anos o candidato presidencial da extrema direita argentino Javier Milei, não cumpriu com a adequação a sistemas informáticos da Alfândega.

As explicações da Afip não convenceram empresas prejudicadas pela medida, entre elas muitas brasileiras com operações na Argentina. Fontes de algumas dessas empresas expressaram preocupação por uma ampliação da medida, e disseram acreditar que o problema real que levou o governo argentino a paralisar a principal terminal de carga aérea do país é a escassez de dólares para pagar importações.

De acordo com Alejandro Louzao, da empresa de comércio exterior Alcomex, a Argentina já acumula uma dívida estimada em US$ 40 bilhões por importações não pagas.

— A situação das importações é caótica. Os depósitos estão colapsados porque alguns produtos entram, mas não podem ser retirados porque não foram pagos — afirma Louzao.

Para o despachante alfandegário, não faz sentido algum paralisar a TCA por um suposto problema informático.

— Está claro que o problema é a escassez de dólares para financiar o comércio exterior. O governo está ficando sem alternativas — comenta Louzao.

Nesta terça, foram cancelados voos de cargas de empresas como a Lufthansa, entre outras. A companhia de entregas globais DHL divulgou uma nota na qual informa sobre a paralisação em Ezeiza e pede compreensão e paciência a seus clientes.