Não consegue focar? Especialistas falam como o problema que virou epidemia mundial afeta a mente
Livros tentam analisar a epidemia da falta de concentração que atrapalha trabalho, relacionamentos e bem-estar
Há vezes em que percorrer a página de um livro, concluir um filme (sem escorregar a mão, ops!, para a tela do celular) ou seguir interessado numa conversa entre amigos parece uma tarefa grande demais para nós. Parece não, realmente é. Pesquisadores em saúde de todo o mundo começam a olhar para a falta de concentração como uma epidemia séria com efeitos danosos ao trabalho, aos relacionamentos e ao bem-estar.
As motivações desse apagão de foco global estão, como esperado, centradas no uso incessante dos telefones celulares, mas não só isso. Acredita-se que há interferência da carga cavalar de estresse as quais diversas pessoas são expostas diariamente, da mudança de dieta, do sono escasso, da falta de exercício e do aumento da velocidade em que as informações são recebidas.
De olho nesse cenário, pelo menos duas novas publicações chegaram às livrarias brasileiras e versam sobre como conquistar a concentração perdida. Em uma delas, chamada “Foco Roubado: os ladrões de atenção da vida moderna”, da Editora Vestígio, o jornalista Johann Hari enumera uma série de estudos que iluminam o tamanho do problema. Um deles, comandado por uma pesquisadora da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos, estimou que um adulto americano consegue trabalhar, em média, três minutos focado em uma tarefa até dispersar. Outras análises dizem que um funcionário de um escritório não consegue passar uma hora inteira sem ser interrompido. Estima-se que, a acada mudança de foco, são necessários 23 minutos para voltar ao rumo daquela atividade. Tempo demais para perder o fio da meada com frequência.
— Pense sobre algo muito importante que você conseguiu em sua vida. Algo do que se orgulhe. Quem sabe, lançar seu próprio negócio, ser um bom pai ou mãe, correr uma maratona, aprender a tocar algum instrumento. Seja lá o que for, isso demandou uma quantidade grande de foco sustentado e atenção — afirmou Johann ao GLOBO. — Quando essa habilidade de prestar atenção se deteriora, sua capacidade de alcançar seus objetivos, de resolver problemas, também se dissipa. Você, inclusive, vai se sentir pior em relação a si mesmo.
Haari defende uma abordagem mais empática da questão. Não é preciso se penitenciar porque não conseguimos focar em uma tarefa. A melhor alternativa é entender que a distração frequente é fruto também de uma série de fatores que podem nos tornar mais dispersos. A dieta rica em açúcares, a velocidade alucinante com que recebemos informações, a dificuldade em manter leituras mais longas e aprofundadas, entre outros. Não existe bala de prata para resolver a questão, é preciso viver uma vida mais regrada para conseguir entrar nos trilhos da atenção.
Trata-se de uma meta importantíssima. Os especialistas em saúde e neurociência defendem que a capacidade de focar está no cerne de todo avanço humano. Da criação de um sistema de iluminação às leis que regem os países. Essa capacidade de organizar-se para concluir uma tarefa é vital, daí a preocupação que essa habilidade esteja em xeque nos dias atuais.
Há também um custo individual grande quando se fala em estar disperso o tempo todo. Para entender esses efeitos, convém olhar para quem encara a dificuldade de atenção como um diagnóstico, caso das pessoas que lidam com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
— Um dos sintomas de desatenção bem frequente é chamado de mind-wandering. Por vezes, alguém está falando de um assunto qualquer e cita um barco, por exemplo. Ai, quem está ouvindo começa a pensar num barco, numa viagem que fez, quem estava com ela, e vai de um assunto a outro e se descola da realidade. A pessoa (que está imaginando) já nota que não conseguirá acompanhar a conversa e com isso encara muito sofrimento— afirma Guilherme Polanczyk, da Faculdade de Medicina da USP e um dos maiores especialistas em psiquiatria na infância e adolescência no país. —Tem pessoas que perdem coisas, esquecem de buscar os filhos na escola, se atrapalham com datas. Numa escala isolada parece pouco, mas viver isso diariamente traz muito sofrimento.
Multitarefa? Melhor não
Quando não se está na ala do diagnóstico médico, um dos principais fatores para perder o rumo de uma tarefa é o tal do “multitasking” — a dita habilidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Também no livro de Hari, uma pesquisa com 136 estudantes mostrou que parar para responder mensagens no celular pode reduzir o desempenho em tarefas em 20%.
— Algumas análises apontam que a gente não pode ser multitarefa. Quando achamos que somos capazes de fazer muitas atividades simultaneamente, estamos só desligando e ligando a atenção para cada coisa de uma vez. E nessas trocas perdemos energia. Quanto mais você tem esse tipo de ação, mais cansado você fica. E com esse cansaço vem a procrastinação — afirma Petr Ludwig, consultor de empresas e autor do livro “O Fim da Procrastinação: como parar de adiar o que precisa ser feito”, da Editora Sextante. — O melhor é fazer cada coisa de uma vez, e desligar todas as notificações do telefone. Devemos organizar a nossa lista de prioridades e, nesse caso, papel e caneta ajudam muito.
Petr, inclusive, segue os próprios conselhos: diz ter mudado temporariamente de continente para dar conta da preparação do novo livro, sobre propósito de vida. A ideia é dar um tempo nas distrações para focar neste projeto.
Uma analogia interessante sobre como a atenção é um recurso finito é dada pelo sacerdote hindu Dandapani, autor do recém-lançado livro “O Poder do Foco Inabalável”, da Editora Fontanar.
— Imagine que eu tenha um pequeno canteiro de tomates e um regador. Sei que aquela água é suficiente para regar o espaço. Mas pense que no ano seguinte eu tenho cem canteiros para cuidar e o mesmo volume de água. O que vai crescer diante dessa escassez? Nada. A água, nesse caso, é como nosso tempo e nossa energia. Estamos fazendo coisas demais, estamos exaustos. É preciso simplificar para conseguir prestar atenção — afirma .
E agora?
Em geral, os especialistas defendem a célebre cartilha de vida saudável para dar uma aliviada nas cabeças que estão a mil por hora: dormir bem e de maneira prolongada, manter uma alimentação que mira em diversos grupos de alimentos e exercitar-se. Mas há quem seja mais específico. Dandapani diz que exercita o foco diariamente ao conversar por horas a fio com a filha de cinco anos. São duas a três horas de papo todos os dias da semana.
— Imagina o volume dessa prática ao longo de seis meses? O treino da concentração leva tempo. Se estou com minha filha e me vem uma preocupação à mente, eu me dedico a voltar à pensar no que estamos falando, quantas vezes for preciso. Não é magica, é até um pouco tedioso — confessa.
Nos hospitais, a queixa sobre distrações e esquecimento se avolumam. E faz sentido que estejam associadas. Ivan Okamoto neurologista do Hospital Albert Einstein, explica que a concentração é o primeiro filtro da memória e, sem ela, fica impossível rememorar um aprendizado e uma experiência. A boa notícia é que há estratégias para atenuar a questão.
— Uma alternativa é a Terapia Cognitiva Comportamental, que mostra à pessoa como desenvolver métodos. Ensina a se organizar, a ter uma agenda, fazer cada coisa de uma vez, persistir em concluir tarefas. Tudo isso é possível de ser aprendido — diz. Ainda bem.