ARGENTINA

Inflação, pobreza, dívida e poucos dólares: uma bomba chamada Argentina

A inflação de 138% ao ano no país é uma das mais altas do mundo

Banco Central da Argentina - Reprodução/Instagram

Os argentinos elegerão seu presidente em 22 de outubro, atormentados por uma inflação de quase 140%, com os nervos à flor da pele com uma crise cambial e as contas públicas exauridas por falta de divisas, uma bomba que o governo que assumirá em 10 de dezembro tentará desarmar.

A situação demandará um ajuste cuja dimensão começará a ser definida no domingo nas urnas, concordaram analistas consultados pela AFP.

O favorito nas pesquisas, o ultraliberal Javier Milei, propõe diretamente dolarizar a economia; a conservadora Patricia Bullrich, diminuir o Estado e liberar o mercado de câmbio; enquanto o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, faz campanha prometendo impulsionar as exportações e o desenvolvimento com inclusão social. Todos falam de ordem fiscal.

Abaixo, os cinco desafios econômicos que enfrentarão.

Inflação descomunal
"Dá calafrios fazer as compras, do carrinho (de supermercado) passei para a sacola e agora com uma mão sobra", disse à AFP Lidia Pernilli, uma aposentada de 73 anos que acaba de comprar duas bananas por 1.000 pesos o quilo, 1 dólar no câmbio paralelo que quase triplica a cotação oficial.

A inflação, de 12,7% em setembro e 138% ao ano, é uma das mais altas do mundo. Saltou para os dois dígitos em agosto, quando o governo desvalorizou o peso em 20%.

Praticamente, não há crédito no país. Em outubro, o Banco Central elevou as taxas de juros para depósitos de 118% para 133% ao ano, para desestimular a fuga para o dólar.

Desequilíbrio cambial
Após décadas de alta inflação, os argentinos desconfiam do peso.

Os controles cambiais estão em vigor desde 2019, resultando em uma série de restrições.

O dólar blue, ou paralelo, pulou de 850 pesos para 1.050 na semana passada. No final de julho, sua cotação estava pela metade. A diferença com o dólar oficial, em 365 pesos, é um abismo.

"O dólar pode seguir subindo porque não há âncora política", apontou Elizabeth Bacigalupo, economista-chefe da consultoria Abeceb.

O mercado "pensa que Bullrich ou Massa podem impor um plano de estabilização, mas o que Milei propõe é perturbador e há medo", acrescentou.

Lorenzo Sigaut Gravina, economista e diretor da consultoria Equilibra, indicou também que "a economia não cresce" e avaliou que, em 2022, a atividade diminuirá 2%.

Sem reservas
Este ano, a Argentina sofreu com uma seca histórica que atingiu o campo, o principal setor exportador. Deixou de receber por isso cerca de 20 bilhões de dólares (cerca de 3 pontos do PIB).

Esse golpe levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a relaxar as metas do programa creditício de 44 bilhões de dólares (quase R$ 161 bilhões à época) que a Argentina realizou em 2018.

Para cumprir com seus compromissos, o país recorreu a um empréstimo do Catar, aos yuanes de um swap (troca de moedas) com a China e a um empréstimo do CAF.

As reservas totais do Banco Central rondam os 25 bilhões de dólares (quase R$ 127 bilhões). "Mas as líquidas são negativas em 5 bilhões de dólares (quase R$ 26 bilhões) e segue queimando os últimos cartuchos para sustentar a taxa de câmbio, porque Massa ainda tem chances de ganhar", avaliou Bacigalupo.

O Banco Central absorve a forte emissão monetária para financiar o déficit fiscal, com títulos de curto prazo a taxas muito altas.

"Será necessário um plano de estabilização e quem o aplicar deverá ter poder político, porque as medidas irão gerar mais inflação até que os dólares da safra entrem em abril", advertiu Sigaut Gravina.

Fragilidade social
O maior desafio será equilibrar as contas sem que aconteça grandes protestos, em um país cuja taxa de pobreza está em 40,1%, enquanto a de indigência é de 9,3%.

Milhares de pessoas recebem subsídios nas tarifas de água, gás, eletricidade e transporte, além de auxílios econômicos.

"Esses subsídios deverão ser reduzidos. Haverá um custo social elevado e tensões políticas", disse Bacigalupo.

Milei prometeu dolarizar a economia e eliminar o Banco Central como caminho para acabar com a inflação.

Segundo Lorenzo Sigaut, "é impossível porque não há dólares e iria requerer uma maxidesvalorização ou financiamento externo".

Para Bacigalupo, "são necessários valores tão exorbitantes por dólar - cerca de 4.000 pesos por cédula - para dolarizar, que seria socialmente inviável".

Energia e nova safra, uma esperança
A Bolsa de Cereais de Buenos Aires projetou que a safra de soja aumentará em 138% na colheita 2023-24 depois da forte da seca, e a de milho 61%, em um contexto agroexportador de bonança.

O próximo governo economizará divisas em importação de energia, graças ao funcionamento do novo gasoduto da reserva de Vaca Muerta.

"Se aproveitarmos isso, pode aportar mais de 10 bilhões de dólares (quase R$ 51 bilhões) por ano e somado à reversão da seca, a explotação de lítio e energia renováveis, chegarão dólares cruciais para as transformações da estabilização", opinou Bacigalupo.