Peça no quebra-cabeça do bem-estar, saúde mental vem conquistando espaço de prioridade
Assim como fazer atividades físicas e ter alimentação saudável, é recomendado que laços afetivos sejam reforçados
Segundo o Ministério da Saúde, existem maneiras de preservar a saúde mental. São elas: evitar isolamento, consultar profissionais da saúde de forma regular, tratamento terapêutico adequado, manter físico e intelectual ativos, praticar atividades físicas, ter alimentação saudável e reforçar laços afetivos.
A prática de exercícios físicos foi reforçada pelo psicólogo Leopoldo Barbosa. “Tem efeito enorme, como diminuição de ansiedade, redução de sintomas desconfortáveis, melhora do sono e melhora da concentração”, afirma.
Na visão da psicanalista Fabiana Ratti, a temática da saúde mental sempre apresentou dificuldades em adentrar discussões. “A saúde mental sempre foi difícil de definir. Diferenças entre questões genéticas, intelectuais e psíquicas sempre causaram interrogações. Quando o biológico provoca dificuldades emocionais, bem como quando questões emocionais e de comportamento se somatizam, provocando reações orgânicas, são sentimentos e pensamentos que envolvem o sujeito frente às situações”, analisa.
A recomendação é de que o primeiro passo por ajuda seja dado quando os “sinais” são discretos. “Frente a uma perda difícil, brigas em família, dificuldade profissional, irritação e angústia. Porém, procuram quando já está avançado e isso gera problemas de relacionamento e vida social. Buscam tratamento quando está uma ‘bola de neve’ e o tratamento fica complicado”, avisa.
Serviços oferecem ajuda
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um dos principais destinos a quem precisa de apoio. O atendimento, voltado em especial para prevenção ao suicídio, acontece de forma gratuita, podendo ser acionado a qualquer momento. As conversas acontecem com sigilo e podem ser feitas através de ligações no número 188, e-mail e chat do site cvv.org.br.
Outra opção é ofertada através do site www.mapasaudemental.com.br, que apresenta locais espalhados pelo Brasil que disponibilizam suporte em assistência à saúde mental.
Em todo o país, há ainda a possibilidade de se dirigir até centros de Atenção Psicossocial (CAPs), unidades básicas de Saúde (UBSs) e unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Em casos de emergência, uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) pode ser solicitada através do número 192.
Essa procura por ajuda especializada, fruto consequente das interferências sentidas em diferentes âmbitos da vida, foi intensificada após a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19. De acordo com Fabiana, essa nova postura se dá pelas mudanças impostas à época.
“Houve uma abertura muito grande para se falar em saúde mental. Todos sentiram os efeitos do enclausuramento, a falta de contato humano, as pressões e o convívio com as telas. A pandemia fez destruir o tabu e hoje todos podem falar, mas ainda é preciso um bom caminho para as pessoas irem se tratar logo no começo. Elas ainda resistem muito, o que traz grande dificuldade ao tratamento”, endossa.
Por fim, a psicanalista opinou sobre o que acredita ser a “sociedade infectada”, onde a população tem como atributo o autodiagnóstico.
“Todos se dizem com TDA (Transtorno de Déficit de Atenção), TDH (Transtorno de Hiperatividade), ansiedade ou depressão, então, penso que o fator social seria a maior fonte. Há diferença da pessoa dizer que é e todos os seus atos serem justificados por esse sintoma, e a pessoa dizer que é um sujeito e que tem alguma tendência para isso, que precisa prestar atenção, cuidar. Temos uma 'sociedade infectada', ficam todos vendo os sintomas, e o sujeito em sua radical diferença, seus amores e dores singulares, é esquecido totalmente. Não haverá melhora desse modo”, garante.
Educação e conhecimento
O caminho para reverter essa realidade passa pela educação. E as salas de aula da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) estão abertas a isso, por meio da disciplina Felicidade, ministrada pelo professor e psicanalista Bruno Severo Gomes.
Elencando comportamentos saudáveis, ele desfaz o senso comum de que a ausência de doenças é o único fator para a saúde.
“É estar bem consigo e com os outros, aceitar exigências, lidar com frustrações e emoções, reconhecer limites e buscar ajuda”, explica, antes de detalhar uma das formas de introdução ao tema que aborda.
Segundo o educador, a melhor forma de saber como está a saúde mental é aprender a identificar sinais alarmantes. “Desânimo, apatia, cansaço, isolamento, diminuição da concentração, estresse, dificuldade para manter compromissos, insônia, dificuldade para sentir prazer em atividades agradáveis, falta ou excesso de apetite, diminuição do autocuidado, além de dores”, cita.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 10% da população mundial atual é acometida por transtornos da mente, o que simboliza cerca de 720 milhões de pessoas nessa condição.
No recorte voltado à América Latina, o Brasil está em primeiro lugar com o quantitativo de casos de ansiedade e depressão, representados em aproximadamente 19 milhões de pessoas.
Em países de baixa e média renda, entre 76% e 85% das pessoas que têm transtornos mentais não recebem o tratamento adequado. Já em países de alta renda, a agência diz que o percentual é de 35% a 50%.
“Há 20 anos, a Organização Mundial da Saúde já reportava que uma em cada quatro pessoas é afetada. A pandemia revelou desafios que passavam despercebidos, fazendo a gente lidar com eles da noite para o dia”, salienta o professor.
Dicas para higiene mental
Mas o que fazer para cultivar uma saúde mental equilibrada? O professor Bruno Severo Gomes destaca a importância da higiene mental e dá dicas de como ela pode ser desenvolvida de maneira prática.
“Manter uma alimentação saudável, moderar a ingestão de substâncias psicoativas, como álcool e remédios, evitar relações tóxicas e estabelecer projetos futuros”, enumera.
Ele argumenta que a mente cria presença no mundo e nos ambientes que frequentamos e atuamos, favorecendo um estado de leveza e tranquilidade em tempos conturbados. “É recomendado fazer pausas valiosas e meditativas durante o dia. Entre a rotina de trabalho e descanso, inserir o lazer. Mesmo em casa, nutrir criatividade através de jogos de tabuleiro, ler um livro que não seja técnico e que fuja da área de atuação profissional”, cita, lembrando também atividades manuais como o artesanato, que contribui para o descanso mental.
Na análise da psicóloga Umbelina Leite, que é professora de Avaliação Psicológica e supervisora de estágio em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) na UFPE, apostar na higiene mental como hábito pode significar a resolução de conflitos em diversas áreas da vida.
“Não se limita apenas à prevenção de problemas, ela também se concentra na promoção do bem-estar emocional. Pode melhorar o desempenho em diversas áreas da vida, como trabalho, estudos e relacionamentos, ao reduzir distrações causadas por preocupações excessivas, ansiedade ou pensamentos negativos. A higiene mental pode ajudar a estabelecer limites saudáveis entre vida pessoal e profissional, evitando o esgotamento e a sobrecarga mental”, frisa.
A profissional também levanta a possibilidade de que uma pessoa apresente mais de um distúrbio. “Saúde mental é complexa, e muitas pessoas podem enfrentar desafios sem se enquadrar em uma categoria diagnóstica. Além disso, é comum que indivíduos tenham mais de um distúrbio ou condição de saúde mental ao mesmo tempo. Tratamento e apoio são essenciais”, diz.
Os distúrbios, segundo ela, podem ser resultados de diferentes somas, envolvendo até mesmo a genética. E os riscos acabam maximizados com o consumo de álcool e cigarros, por exemplo.
“Transtornos mentais têm causas complexas e multifatoriais, envolvendo interação entre fatores genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais. Não há um único fator que torne alguém mais ‘alvo’ para
desenvolver um transtorno mental, mas certos fatores podem aumentar o risco”, explica.
A influência da genética
A psicóloga Umbelina Leite também lembra que a predisposição genética pode ter influência em muitos transtornos mentais.
“Ter familiares com transtornos mentais aumenta o risco, mas não garante que alguém desenvolverá um transtorno específico. Experiências de vida com eventos traumáticos, abuso, negligência na infância, estresse crônico, perda de entes queridos e outros eventos estressantes podem aumentar o risco”, diz.
Ela adiciona a esses fatores o abuso de álcool, uso de drogas, má alimentação e tabagismo. “A prevenção, o tratamento e o suporte adequados podem ajudar a promover o bem-estar mental. Cada indivíduo é único, e a experiência de transtornos mentais varia”, finaliza.
Psiquiatra do Hospital das Clínicas, Camila Farias aponta evolução no debate em torno da saúde mental. “Era ínfima a discussão. Hoje estamos compreendendo o quão a saúde física é integrada à mental”, comemora.
Apesar disso, a especialista ainda percebe tabus em relação à questão dos problemas da mente. “Acham que pode ser fraqueza ou que só quem deve procurar tratamento é psicótico, mas não. Há fatores que influenciam o adoecimento mental e precisam ser avaliados. O tratamento não farmacológico, como a psicoterapia, é indicado. A medicação também faz diferença no tratamento”.
Também psiquiatra no Hospital das Clínicas, Isabela Pina, assim como a colega, lista agentes que fortalecem o desenvolvimento de doenças na mente, desde genética até dificuldades para dormir.
“A genética é muito importante nos transtornos mentais, principalmente nos casos de depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, déficit de atenção, hiperatividade e autismo”, diz.
Em relação ao comportamento, Isabela observa questões como a dependência química e também inclui a privação de sono e insônia como fatores de risco para o aparecimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade.
Depressão, ansiedade e insônia são três diagnósticos que vêm se tornando cada vez mais comuns na visão da psiquiatra. Para ela, isso também é possível por conta da divulgação massiva dos assuntos.
“No cenário atual, tivemos relatos de aumento de diagnósticos de depressão, ansiedade e insônia. As pessoas estão cada vez mais falando sobre e as empresas estão mais preocupadas em garantir um bom ambiente. Cada vez mais estamos discutindo isso nas redes sociais, na televisão, nas mídias e também os próprios médicos estão mais atentos ", constata.
Onde buscar ajuda?
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Fone: 188 | Site: cvv.org.br | Funciona 24 horas
www.mapasaudemental.com.br - Serviço atende em todo o país e oferece consultas on-line de psicologia gratuitas e também com preços reduzidos
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) - 192 (para emergências)
Veja 7 formas de preservar a saúde mental
1. Evitar isolamento
2. Consultar médicos de forma regular
3. Fazer tratamento terapêutico adequado
4. Manter físico e intelectual ativos
5. Praticar atividades físicas
6. Ter alimentação saudável
7. Reforçar laços com familiares e amigos
Fonte: Ministério da Saúde