Abin

Alvos de investigação interna e painel na Otan: quem são os presos por programa espião na Abin

Processo apura se agentes ofereceram ao Exército outro sistema, sem relação com o FirstMile

Eduardo Izycki e Rodrigo Colli - Reprodução

Os dois servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) presos nesta sexta-feira pela Polícia Federal na investigação que apura o uso de um sistema espião são alvos de um Processo Administrativo Disciplinar dentro do órgão desde 2020. A apuração chegou a ser enviada para o Ministério Público Federal (MPF) e, a princípio, investigava suposto conflito de interesses, mas não tinha relação com o programa, chamado de FirstMile. Segundo as investigações, os agentes eram investigados por oferecerem ao Exército, por meio de uma empresa, um sistema de monitoramento de redes sociais desenvolvido internamente na Abin.

Na operação deflagrada nesta sexta-feira, a Polícia Federal apontou que os dois servidores, Eduardo Izycki e Rodrigo Colli, teriam utilizado seu conhecimento sobre o uso indevido do FirstMile para coagir a cúpula da agência e evitar a sua demissão. O uso do programa foi revelado pelo Globo em março. A alegação dos servidores é, entretanto, de que foram alvos do programa: o sistema teria sido utilizado para checar a presença de um deles em região próxima a um quartel do Exército.

A suspeita da Abin era de que ambos usaram sua posição como agentes de inteligência para ajudar uma empresa que estaria em nome de laranjas, em processos de licitação para o Exército entre 2018 e 2019. O objetivo da contratação seria uma plataforma destinada a fornecer informações de inteligência. A empresa, entretanto, não conseguiu o contrato. A investigação do Ministério Público Federal foi revelada pelo GLOBO em 2020.

Em nota publicada nesta sexta-feira, a agência alegou que instaurou uma sindicância para investigar o caso em março de 2023 e reitera que a ferramenta deixou de ser usada em 2021.

“A ABIN vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados”, completou a Abin.

O sistema contratado pela Abin permite o monitoramento de celulares por meio de uma brecha no sistema de telecomunicações e é oferecido por uma empresa israelense, a Cognyte. Em março deste ano, após a revelação de que a Abin utilizava o FirstMile, a agência finalizou o processo administrativo disciplinar com a recomendação da demissão dos agentes. O processo foi encaminhado para a Casa Civil.

A lei proíbe que servidores públicos exerçam cargos de comando ou de gestão em empresas privadas. Além disso, a legislação veda o exercício em atividades privadas nas mesmas áreas de suas atuações dentro do governo. Izycki é considerado um dos principais pesquisadores no Brasil na área de cibersegurança. Nas suas redes sociais, compartilhou há um mês uma participação em um painel sobre o tema na Otan. Atualmente, é professor do Instituto de Direito Público, universidade localizada em Brasília. Rodrigo Colli também é especialista em tecnologia da informação e atuou na área de Contrainteligência Cibernética.

Além deles dois, o ministro Alexandre de Moraes também afastou outros três agentes da Abin pelo uso indevido do sistema de geolocalização. Entre eles, estão dois diretores do órgão. Um deles é Paulo Mauricio Fortunato Pinto, que hoje é o número 3 da agência e, à época, estava à frente do setor de operações, responsável por acompanhar a utilização do FirstMile.

Em nota, a agência informou que colabora com as investigações. “A Abin vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira. Foram afastados cautelarmente os servidores investigados. A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da Abin reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito”, pontuou o órgão.

Segundo a colunista do Globo Bela Megale, a PF identificou 1800 usos do sistema relacionados a políticos, jornalistas, advogados e adversários do governo Bolsonaro. A investigação policial mostra que boa parte dos monitoramentos de pessoas aconteceu em Brasília e que aqueles realizados no Rio não tiveram relação direta com alvos do crime organizado.

A agência comprou o software por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer. A ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.