ORIENTE MÉDIO

Como funciona um corredor humanitário, a ser usado em Gaza para entrada de alimento, água e remédio

Primeiros avanços na tentativa de aliviar a situação da população do território palestino surgiram nos últimos dias

Bombardeio destrói casas e prédios em Rafah, na Faixa de Gaza - Mohammed Abed/AFP

Nessa quarta-feira, doze dias após o início de uma guerra entre o grupo terrorista palestino Hamas e Israel, surgiram os primeiros avanços — ainda que limitados — na tentativa de aliviar a situação da população do território. Durante a visita do presidente dos EUA, Joe Biden, a Israel, foi anunciado pelos dois governos um acordo para permitir a entrada de alimentos, água e medicamentos no sul de Gaza a partir do Egito.

Com a região entrando em seu 15º dia do conflito, a expectativa agora é viabilizar a chegada da ajuda humanitária, que deverá começar a entrar em Gaza nesta sexta-feira, após o Egito reparar alguns trechos da estrada que leva do Sinai ao território palestino. A ideia é levar suprimentos aos que foram afetados pelo conflito.

Segundo a Cruz Vermelha, corredores humanitários são acordos entre as partes envolvidas no conflito armado para permitir a passagem segura durante um período limitado numa área geográfica específica. Por meio desses acordos, são liberadas as "saídas de civis, a entrada de assistência humanitária ou a evacuação de feridos, doentes ou mortos".

A entidade lembra que os envolvidos nos combates "devem garantir que as regras do International Humanitarian Law sobre a condução das hostilidades sejam respeitadas, a fim de proteger os civis e que a assistência humanitária possa chegar aos necessitados".

A Cruz Vermelha admite que os corredores "não são uma solução ideal", mas "os civis devem ser protegidos dos efeitos das hostilidades" e "ser autorizados a evacuar de uma área sitiada". Para isso, as "organizações humanitárias devem ser capazes de trabalhar quando e onde for necessário para fornecer protecção e assistência aos pessoas afetadas por conflitos armados".

Acordo
A iniciativa ocorreu no mesmo dia em que os EUA usaram seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear uma resolução promovida pelo Brasil que pedia uma pausa humanitária na região. O pacto, conforme anunciado pelo governo israelense, consiste na entrada de “alimentos, água e remédios para a população civil” de Gaza, que tem 2,3 milhões de habitantes.

Nenhuma menção é feita ao combustível, necessário à única usina elétrica existente no território— parada há dias — para os geradores dos hospitais e as bombas de extração de água. Tampouco foi incluída no acordo a retirada de estrangeiros retidos em Gaza, incluindo um grupo de 32 pessoas que o Brasil espera para repatriar — 22 brasileiros, sete palestinos com residência no país e três parentes próximos.

Israel condicionou o sinal verde para a entrada de assistência humanitária em Gaza à garantia de que nenhuma parte dela irá para o Hamas. Em paralelo, Israel continuará bloqueando todos os suprimentos, como eletricidade, provenientes de seu próprio território enquanto houver reféns israelenses em Gaza — 199 segundo as autoridades do país, e cerca de 250 segundo o Hamas.

O anúncio do acordo ocorreu ao fim de uma visita-relâmpago de seis horas de Biden a Israel, sua primeira ao país em tempo de guerra. No avião presidencial na volta a Washington, Biden conversou com o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, que se comprometeu a deixar passar 20 caminhões de ajuda internacional em um primeiro teste para ver se o Hamas não se apodera dos carregamentos. Dias atrás, o Egito declarou haver cerca de 100 caminhões com centenas de toneladas de ajuda humanitária em El-Arish, no Sinai, à espera de um sinal verde para a entrega de assistência humanitária a Gaza.

— Se o Hamas os pegar ou não os deixar passar, então está tudo acabado — disse o presidente dos EUA aos repórteres, acrescentando que a ajuda deve começar a entrar amanhã.

O gabinete do premier israelense, Benjamin Netanyahu, que ganhou um respaldo momentâneo com a vista de Biden, reforçou essa condição em comunicado:

“Quaisquer suprimentos que cheguem ao Hamas serão impedidos.”

Integrantes do governo brasileiro que participam diretamente das conversas em torno do conflito no Oriente Médio avaliam que a abertura pelo Egito da passagem de Rafah para permitir a entrada de 20 caminhões de ajuda humanitária em Gaza é apenas o primeiro passo. Para diplomatas do Brasil, o movimento feito nesta quarta-feira não pode ficar só nisso. A prioridade, dizem, é a abertura de um corredor humanitário, proposta que o Brasil tenta avançar na ONU.

A viagem de Biden foi marcada pelo massacre de centenas de palestinos por uma explosão de autoria ainda desconhecida em um hospital de Gaza na terça-feira. O incidente, que segundo autoridades locais matou 471 pessoas, desencadeou fortes reações no mundo árabe e acabou torpedeando uma reunião de cúpula que Biden teria com líderes de Jordânia, Egito e Autoridade Nacional Palestina para discutir caminhos de saída da crise.

Desde o momento em que Biden aterrissou em Tel Aviv na manhã desta quarta-feira até fazer o anúncio da ajuda humanitária, o foco estava no que ele diria sobre o massacre no Hospital Árabe al-Ahli, que as autoridades de Gaza atribuíram a um míssil israelense, e Israel, a um foguete lançado pela Jihad Islâmica que errou o alvo. Em seu discurso de abertura ao lado de Netanyahu, Biden disse que estava “triste e indignado” com o massacre e, mais tarde, corroborou a versão israelense sobre um “foguete fracassado de um grupo terrorista” como o motivo da explosão.

Biden também condenou fortemente o Hamas, que iniciou a guerra com um ataque terrorista maciço em território israelense no dia 7 de outubro — a maior ofensiva sofrida pelo país desde a Guerra do Yom Kippur 1973 — que deixou cerca de 1.400 mortos, a grande maioria civis assassinados. O presidente disse que o Hamas cometeu naquele dia “atrocidades que fazem o ISIS [Estado Islâmico] parecer mais racional”, ofereceu seu total apoio aos israelenses — “vocês não estão sozinhos” — e anunciou que pedirá ao Congresso dos EUA nesta semana um pacote de ajuda “sem precedentes” para Israel.

Mas ele também reiterou a posição oficial de Washington sobre a necessidade de criar um Estado palestino para resolver o conflito no Oriente Médio e enfatizou que “a grande maioria dos palestinos não é do Hamas”. Biden recomendou comedimento a Israel em sua resposta militar aos ataques terroristas, que deixaram Gaza à beira de uma catástrofe humanitária, e alertou para que o país não cometa os mesmos erros dos EUA após o 11 de Setembro.

— A justiça deve ser feita. Mas faço uma advertência: ainda que sintam essa raiva, não se deixem consumir por ela. Depois do 11 de Setembro, ficamos com raiva nos Estados Unidos. Enquanto buscávamos justiça e obtivemos justiça, também cometemos erros — disse o presidente, que também anunciou US$ 100 milhões (mais de R$ 500 milhões) em ajuda humanitária para Gaza e a Cisjordânia.

Na frente diplomática, o premier britânico, Rishi Sunak, anunciou que viajará a Israel hoje como parte de um visita ao Oriente Médio. Por sua vez, com o temor de uma escalada entre Israel e o grupo xiita libanês Hezbollah, junto a seu aliado Irã, vários países exortaram seus cidadãos a saírem do Líbano.