'A hipertensão arterial é uma assassina silenciosa', diz cardiologista
Claudio Domênico explica o que tem levado ao crescimento dos casos, por que 50% dos pacientes não sabem que têm o diagnóstico e o que deve acender o alerta
Quem nunca ouviu uma recomendação para reduzir o consumo de sal para evitar o desenvolvimento da pressão alta? Ou que uma rotina de atividades físicas ajuda a controlar a pressão sanguínea? Muitas vezes, essas recomendações podem ficar de lado, especialmente para adultos jovens que encaram a hipertensão como um diagnóstico da terceira idade. Mas a realidade não é bem assim.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que 45% dos brasileiros adultos têm a pressão acima do ideal, e que cerca de metade dos pacientes sequer sabem disso. De fato, segundo a pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, somente 27,9% da população relata um diagnóstico.
O cenário acende o alerta, já que a doença é o principal fator de risco para problemas graves como AVC e infarto. Por isso, será o tema da próxima edição do Encontros, evento que vai reunir grandes especialistas no assunto no auditório da Editora Globo, no Rio, no próxima dia 31, às 9h30. As inscrições estão abertas ao público e podem ser feitas aqui.
O Encontros é realizado pelo Globo com a curadoria do doutor em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cardiologista do Hospital Pró-Cardíaco, Claudio Domênico. Abaixo, o médico explica como identificar a pressão alta, as dificuldades na adesão ao tratamento e as inovações que podem mudar o cenário.
Quanto exatamente a pressão arterial já se configura como alta?
A pressão é considerada ótima quando está em 120 por 80 (12 por 8). Quando passa de 130 por 85 (13 por 8) já entra na faixa de normal a alta. A partir de 140 por 90 (14 por 9), começa a ser pressão alta, e a pessoa é considerada hipertensa. É uma doença crônica e multifatorial, com causas genéticas, ambientais e, principalmente, de estilo de vida.
As doenças cardiovasculares causam mais de 350 mil mortes de brasileiros a cada ano. Qual a relação com a pressão alta?
O fator de risco mais importante para elas é a hipertensão, que está diretamente associada a pelo menos 45% dessas mortes. O grande problema é que ela é uma assassina silenciosa. Muitas pessoas têm hipertensão e não sabem, ou então não têm sintomas e por isso não realizam o tratamento corretamente.
Os dados da OMS mostram que 9,4 milhões de pessoas morrem no mundo a cada ano por complicações da hipertensão. A cada hora, são mais de mil pessoas. E nos últimos 30 anos, houve um aumento do número de pacientes, praticamente dobrou.
Quais são as complicações diretas da pressão alta?
É muito comum termos hipertensão associada a outras doenças, como diabetes, obesidade e dependência do cigarro. Quanto mais doenças, maior é o risco. As principais complicações são o que chamamos de lesão de órgão alvo. A pressão muito alta no coração, por exemplo, pode deixá-lo hipertrofiado, ou seja, crescido. Nas artérias, pode levar a um entupimento, uma cardiopatia hipertensiva. Nos vasos da retina, pode causar uma retinopatia hipertensiva. Dentro do rim, uma nefropatia hipertensiva. E quanto mais tempo sem tratamento, maiores são as chances de um problema.
O que está por trás do aumento dos casos de hipertensão?
São vários fatores. Tem um componente genético, um lado familiar, que afeta de 25% a 30% das pessoas. Tem fatores ambientais, como temperatura, poluição, barulho. Há fatores regulatórios do nosso próprio organismo, da função renal, da função endocrinológica. Mas as principais causas são o estilo de vida.
Cada vez se come mais comida industrializada, menos fibra, se fuma mais, a ansiedade só piora, o número de obesos aumenta. Há o consumo excessivo de álcool, o sono prejudicado, uma vida com estresse crônico e sedentarismo. Esse estilo de vida nocivo é um dos principais determinantes da hipertensão.
Outro fator importante é o excesso de sal. Devemos consumir em média 5g de sal de cozinha por dia, o que equivale a 2g de sódio. Mas o brasileiro consome em média 9g, quase o dobro.
A OMS aponta que cerca de metade das pessoas sequer sabe que tem hipertensão arterial. Por que isso acontece?
A grande maioria dos casos não tem sintoma nenhum. Normalmente, quando eles aparecem, ela já está estabelecida há algum tempo. A pessoa começa a se queixar de falta de ar, cansaço, espuma na urina, problema na visão. Nessa hora, a pressão alta pode já ter afetado o coração, o rim, a visão, a circulação, já ter causado a lesão alvo.
O que a pessoa deve fazer para evitar um subdiagnóstico de pressão alta?
Todo mundo, pelo menos uma vez por ano, deve verificar a pressão arterial, mesmo não sentindo nada. O diagnóstico é fácil, mas por ser silenciosa as pessoas não procuram o médico. A mulher tem uma vantagem porque tem o hábito de frequentar o ginecologista, que corretamente verifica a pressão. Mas o homem só costuma ir ao médico a partir dos 50 anos, quando fica preocupado com doenças como na próstata.
Além disso, as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) já recomendam que todas as crianças acima de 3 anos tenham a sua pressão verificada anualmente pelos pediatras.
Um dos grandes desafios é a baixa adesão ao tratamento, por que isso acontece?
A adesão ao tratamento é muito ruim por uma série de fatores. O paciente para de tomar o remédio porque ele é caro ou porque ele não está sentindo nenhum sintoma, passa a achar que não precisa. Às vezes a pessoa nega o diagnóstico, ou até mesmo houve uma comunicação ineficaz por parte dos profissionais de saúde.
No Brasil, os trabalhos apontam que somente de 43% a 67% dos pacientes têm a pressão controlada. Os dados da OMS mostram um cenário ainda pior, com 4 de cada 5 pessoas sem o tratamento adequado no mundo. É um dos problemas mais sérios que enfrentamos.
Como é o tratamento da hipertensão hoje?
O tratamento deve ser sempre individualizado, não é uma receita de bolo. Primeiro, existe a abordagem não farmacológica, as medidas de higiene do sono, o perder peso, parar de fumar, fazer atividade física. A SBC já orienta até técnicas de respiração, meditação mindfulness, tudo que pode ajudar a baixar a pressão.
Depois, se não houver resultados, se pensa em utilizar os medicamentos. O grande avanço hoje são formulações que envolvem dois, três remédios em apenas uma pílula. Isso facilita a adesão. Há ainda testes genéticos para tentar identificar marcadores associados ao quadro que auxiliem no tratamento.
Existe uma perspectiva de melhora desse cenário com novas tecnologias que vêm surgindo?
A telemedicina ajudou muito porque ampliou o acesso a pessoas que às vezes não têm um especialista próximo. Além disso, hoje existem smartwatches que conseguem medir a pressão. Ainda são caros, mas a vantagem é que ele verifica durante o dia inteiro, fazendo uma espécie de mapa.
A ideia é que esses relógios forneçam a saturação do oxigênio, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a qualidade do sono, quantos passos foram dados, e o paciente envie esse monitoramento para o médico, para uma avaliação mais completa. Isso é muito bom, é para o que devemos caminhar no futuro.
Mas o acesso ainda é restrito. É como as canetas para perder peso, por exemplo, são ótimas, mas são caras e não alcançam todos os pacientes com obesidade. Precisamos pensar também em políticas públicas amplas. A Farmácia Popular, criada em 2004, tem dispensação de remédios para hipertensão arterial e faz muita diferença.