New York Times: Hamas não conseguiu provar que Israel bombardeou hospital em Gaza
Dirigente do grupo palestino diz ao jornal que "míssil se dissolveu na água e não sobrou nada" da munição que atingiu o Hospital Ahli Arab
Seis dias após acusar Israel de bombardear um hospital em Gaza e matar centenas de pessoas, o Hamas ainda não apresentou qualquer evidência comprovando esta versão do ataque. O grupo terrorista informou ao New York Times não ter conseguido encontrar vestígios da munição do artefato que atingiu o Ahli Arab na semana passada e recusou-se a fornecer detalhes que confirmassem o número de vítimas informado pelo grupo.
Uma hora após a explosão, ocorrida na última terça-feira à noite, o Ministério da Saúde da Palestina, controlado pelo Hamas, acusou Israel de atacar o hospital Ahli Arab, centro médico em Gaza onde dezenas de famílias se abrigavam.
Israel negou, mas a acusação foi aceita e amplificada por líderes árabes no Oriente Médio, desencadeando protestos em toda região. A alegação foi divulgada por veículos de imprensa internacionais, antes de Israel formalmente negar a autoria do ataque.
Nos dias seguintes, à medida em que novas evidências contradiziam a alegação do Hamas, as autoridades de Gaza mudaram de versão sobre a explosão. Porta-vozes divulgaram contagens de mortos que iam de 500 a 833 vítimas fatais, até se fixarem em 471. O Ministério da Saúde palestino também se recusou a divulgar mais detalhes sobre essas 471 pessoas, e todos os vestígios da munição, afirmam, desapareceram do local da explosão, tornando assim "impossível determinar sua origem". Aumentando as dúvidas sobre as alegações iniciais do Hamas, descobriu-se depois que o local do impacto era o estacionamento do hospital, e não o prédio em si, como divulgado.
No último domingo, o Hamas recusou os pedidos do New York Times para verificar qualquer evidência disponível da munição que o grupo disse ter atingido o hospital, alegando que "ela havia se desintegrado completamente, sendo impossível o reconhecimento".
— O míssil se dissolveu como sal na água — disse Ghazi Hamad, um dirigente da cúpula do Hamas, em entrevista por telefone. — Vaporizou e não sobrou nada.
Salama Maroof, chefe do escritório de mídia do governo controlado pelo Hamas, disse em uma mensagem de texto ao NYT: "Quem diz que somos obrigados a apresentar os restos de todo foguete que mata nosso povo? Você pode vir pesquisar e confirmar por si mesmo com as evidências que possuímos."
Manipulação de informação nos dois lados da guerra
Para os palestinos, a acusação da responsabilidade de Israel pelo ataque ao hospital consolidou a percepção de que a resposta de Israel aos ataques terroristas liderados pelo Hamas no sul de Israel em 7 de outubro foi desproporcional e vingativa. O Ministério da Saúde em Gaza afirma que os ataques israelenses mataram mais de 4.300 palestinos —cerca de 40% deles, crianças—, e o número de mortos minou o apoio internacional ao contra-ataque de Israel.
No entanto, para os israelenses, a acusação de que Israel atingiu o hospital faz parte de uma ação de desinformação e propaganda destinada a minar a legitimidade da resposta do governo israelense ao que Tel Aviv considera ser o ataque mais mortal aos judeus desde o Holocausto.
A estimativa é que cerca de 1.400 pessoas foram mortas no ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro; a maioria, civis. Além disso, mais de 200 pessoas foram sequestradas para Gaza.
Israel, por sua vez, afirma que o ataque ao estacionamento do hospital foi causado por um foguete palestino desviado, citando interceptações de inteligência e vídeos do céu acima de Gaza no momento do choque. O exército israelense afirma que o foguete foi lançado pela Jihad Islâmica, grupo armado em aliado ao Hamas em Gaza, antes de falhar no meio do caminho e explodir quando seu propelente pegou fogo ao atingir o solo.
— De acordo com nossa inteligência, o Hamas verificou o relatório, entendeu que era um foguete do Jihad Islâmico que falhou e decidiu lançar uma campanha global na mídia para esconder o que realmente aconteceu — disse o Contra-Almirante Daniel Hagari, em coletiva de imprensa na última quarta-feira.
O exército também afirmou que grupos armados palestinos haviam disparado erroneamente mais de 550 foguetes em seu próprio território desde o início da guerra. A alegação não pôde ser verificada pelo New York Times, mas grupos palestinos já reconheceram anteriormente que seus foguetes podem cair em Gaza. Vídeos no ano passado mostraram um deles voando em zigue-zague logo após o lançamento, antes de cair em uma região residencial.
— Cometemos erros, não vou negar — disse Musab Al-Breim, porta-voz da Jihad Islâmica, em entrevista na quarta-feira. — No entanto, não desse tamanho.
Inconsistências de Israel
Israel também recusou os pedidos do New York Times para fornecer registros de todas as suas atividades militares na área no momento do ataque e a especificar o vídeo em que baseou sua avaliação da responsabilidade palestina.
A mensagem de Tel Aviv sobre o local de lançamento do foguete também foi inconsistente: o almirante Hagari sugeriu que o foguete em questão foi lançado de um cemitério próximo ao hospital, mas um mapa publicado online pelo Exército de Israel sugeria que o local de lançamento ficava bem mais longe.
O governo dos Estados Unidos apoiou Israel, com autoridades argumentando que "múltiplos indícios de inteligência", incluindo dados de satélite infravermelho, mostram o lançamento de um foguete ou míssil de posições de combatentes palestinos dentro de Gaza.
Uma investigação visual feita pelo Wall Street Journal corrobora a informação israelense. Investigações da Associated Press e da CNN também apontaram para a mesma versão. Todos citaram imagens de televisão que parecem mostrar um foguete palestino desviado no céu acima do hospital. Especialistas ouvidos pelas três equipes de reportagem disseram que os danos no local não se assemelham aos causados por ataques de míssil israelense.
Já a Forensic Architecture, grupo de investigação visual sediado em Londres, contestou a versão israelense, afirmando que a munição foi disparada de Israel. E a Al Jazeera concluiu que um foguete palestino foi interceptado por um míssil de defesa aérea israelense. Os dois são críticos das políticas israelenses.
Sem examinar a munição que atingiu o estacionamento, no entanto, pode ser impossível se chegar a uma conclusão definitiva sobre quem a disparou. Mas quando os repórteres chegaram ao local na manhã após a explosão, qualquer vestígio da munição parecia ter sido removido, impedindo uma análise independente de sua origem. Repórteres e fotógrafos que percorreram o local naquele dia encontraram uma marca superficial no chão, mas não uma cratera profunda do tipo geralmente causada por um míssil de precisão israelense usado em ataque aéreo.
Mas o ataque poderia ter sido causado por uma munição israelense diferente, que causa impacto menor, como um interceptor desviado, disparado por um sistema de defesa aérea, ou mesmo um projétil de artilharia. Israel afirmou, no entanto, que não lança interceptores no espaço aéreo de Gaza e que não estava disparando projéteis naquela área específica naquele momento.
Especialistas em munições rejeitaram a alegação do Hamas de que a munição se desintegrou completamente no impacto.
— Estes restos são recuperáveis em todas as circunstâncias, exceto as mais extremas, e as imagens disponíveis do local sugerem que algo deveria ser identificável no chão — disse N.R. Jenzen-Jones, diretor da Armament Research Services, consultoria sediada na Austrália.
OMS: crise humanitária e 16 médicos mortos
Para os palestinos, o debate sobre quem foi afinal o responsável pelo ataque ao hospital obscurece um contexto mais amplo, no qual os ataques israelenses devastaram bairros inteiros, deslocaram centenas de milhares de palestinos e mataram outras milhares de pessoas.
— Você ignora todos os outros massacres — disse ao NYT Hamad, o oficial do Hamas.
Israel cortou quase todo o fornecimento de eletricidade, comida, água e combustível, exacerbando uma crise humanitária na região e deixando hospitais sem energia e até mesmo fórmulas infantis. Dezenas de instituições públicas no norte de Gaza, incluindo hospitais como o Ahli Arab, foram avisadas por Israel para serem evacuados.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou no sábado que pelo menos 19 hospitais tiveram a estrutura abalada desde o início da guerra em 7 de outubro. Na semana passada, a organização disse que três hospitais sofreram "danos graves ao ponto de não estarem mais funcionando". Pelo menos 16 profissionais de saúde foram mortos e 28 ficaram feridos, de acordo com a OMS.
— Nunca vivemos uma guerra tão intensa aqui — disse Motasem Mortaja, jornalista palestino que documentou as consequências do ataque ao hospital.
Oficiais israelenses afirmam que seus ataques têm como alvo membros de grupos armados palestinos e sua infraestrutura militar, e que o Hamas e seus aliados são os culpados pelas mortes de civis ao construírem bases e lançadores de foguetes em áreas residenciais.
Israel também contesta o número de mortos palestinos, mas sem fornecer detalhes. As agências de inteligência dos Estados Unidos avaliam que a explosão no hospital matou de 100 a 300 pessoas. As autoridades de Gaza, por sua vez, se recusaram a divulgar os nomes das pessoas mortas na explosão, dizendo que muitos corpos ainda não foram identificados.
Vice-presidente do conselho do hospital, o reverendo Fadi Diab diz ser difícil confirmar o número de mortos. O padre afirma que a administração do hospital em Gaza lhe disse que entre 450 e 500 cidadãos de Gaza desabrigados estavam se abrigando no local do hospital antes da explosão, mas não estava claro quantos estavam no estacionamento quando a explosão ocorreu.
— O número de vítimas pode estar exagerado? É possível. Mas também pode estar correto? Sim — disse o Padre Diab em uma ligação telefônica. — Neste momento, ninguém é capaz de fazer essa verificação.