GUERRA ISRAEL-HAMAS

Sem plano concreto para o 'dia seguinte' de invasão terrestre a Gaza, Israel preocupa aliados

Em pronunciamento na TV, Netanyahu não dá detalhes ou prazos de quando ação militar começaria; diplomacia para resolução do conflito está estagnada e intensidade de bombardeios aumenta diariamente

Cratera na cidade de Rafah, em Gaza, após ataques israelenses - AFP

Enquanto uma solução diplomática para a resolução do conflito entre Israel e o Hamas não avança e a intensidade dos bombardeios aumenta diariamente em Gaza, crescem as críticas, inclusive de aliados, da ausência de um plano concreto do governo israelense para o enclave após a invasão terrestre, cada vez mais iminente.

Netanyahu prometeu “exterminar o Hamas”, mas sem definir claramente o que isso significa. Nesta quarta-feira, em um discurso à nação, incentivou cidadãos israelenses a andarem armados e pediu aos civis palestinos para saírem de Gaza, dando a entender que a invasão por terra irá acontecer em breve. Segundo o Wall Street Journal (WSJ), o premier teria concordado em adiar, pelo menos por enquanto, o movimento das tropas, até que os Estados Unidos enviem defesas antimísseis para a região — de acordo com autoridades dos EUA e de Israel ouvidas pelo jornal, o Pentágono estaria trabalhando para implantar cerca de 11 sistemas de defesa aérea na região.

— Temos que responder pelo que aconteceu no dia 7 de outubro. Na condição de responsável pela guerra, vou fazer de tudo para uma vitória esmagadora. Vamos avançar adiante, com força e fé — declarou o primeiro-ministro em pronunciamento na TV, sem dar prazos ou detalhes da invasão. — O momento do Exército é definido pelo gabinete de guerra e pelo chefe do Estado Maior. Estamos atuando para ter as melhores condições [para isso].

Mas quase 20 dias após o ataque sem precedentes do grupo terrorista, que deixou mais de 1.400 israelenses mortos, Netanyahu ainda não apresentou um programa detalhado para a Faixa de Gaza em um cenário pós-invasão, levantando receios dentro do governo — e em Washington — de que não há sequer consenso interno sobre o futuro da estreita faixa costeira onde viviam, antes do conflito, 2,3 milhões de pessoas.

E qualquer plano para a região, concordam analistas, deveria estabelecer de imediato quem passará a controlar Gaza no “dia seguinte”.

Oposição cobrou plano ao aderir a gabinete de guerra
Como condição para aderir ao governo de emergência de Netanyahu nos dias que se seguiram ao ataque, os líderes da oposição Benny Gantz e Gadi Eisenkot, ambos ex-chefes militares, insistiram, sem sucesso, na criação e apresentação de um plano para a retirada dos militares de Israel do território e com a determinação de quem substituiria o Hamas no comando civil do enclave. Mas até agora não há respostas, apesar do esforço frenético do alto-escalão do gabinete de guerra de estabelecer objetivos, criar cenários pós-conflito realistas e alcançar algum consenso entre o comando das forças armadas israelenses e as lideranças políticas do país.

Um tema recorrente nas propostas debatidas dentro do governo é o de se evitar a reocupação israelense de Gaza. Israel retirou-se do enclave em 2005 e o Hamas governa a região desde que um golpe violento, em 2007, expulsou a Autoridade Nacional Palestina (ANP), mais moderada.

Também se discute a necessidade de reforçar a ANP, que pode ser chamada a retomar o controle de Gaza, apesar de ser considerada uma instituição fraca e sem credibilidade entre os próprios palestinos. Qualquer medida do tipo, no entanto, também exigiria mudanças generalizadas na política de Israel para a Cisjordânia ocupada, onde a ANP está sediada, inclusive sobre a crescente expansão dos assentamentos.

"Não importa o sucesso da operação militar na derrota do Hamas. O imperativo político do grupo e o apoio da população à resistência continuarão", apontou Tom Beckett, tenente-general reformado do Exército britânico e diretor-executivo do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos do Oriente Médio. "Ou Israel reocupa Gaza para controlá-la ou, ao se retirar após uma ofensiva, cederá terreno à resistência"

Lina Khatib, diretora do Instituto do Oriente Médio da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, concorda.

— É falso que a existência ou legitimidade do Hamas estejam ligadas ao seu sucesso militar. Ele pode ser derrotado militarmente e permanecer politicamente relevante — disse ao New York Times.

Para Khatib, Israel teria de controlar o que resta de Gaza e guarnecer suas forças armadas no local até que algum tipo de solução política lhe permita deixar o terreno, o que irá sobrecarregar o Exército, especialmente se o Hezbollah abrir uma segunda frente de conflito a partir do sul do Líbano, ou uma onda de violência entre colonos e palestinos explodir na Cisjordânia ocupada.

— É claro que, se os centros urbanos de Gaza forem destruídos e as operações terrestres levarem ao deslocamento de grande parte da população, será mais fácil para os militares de Israel controlarem Gaza sem ocupá-la totalmente — afirmou a especialista da Universidade de Londres.

"Não repitam os erros dos EUA", alerta Biden
Muitas propostas independentes sobre o futuro de Gaza pós-invasão circularam em Washington nos últimos dias. E foram, destacam especialistas, erroneamente identificadas como posições oficiais israelenses. Mais de uma vez, inclusive, os Estados Unidos manifestaram diretamente sua preocupação com o tema, segundo fontes próximas do processo.

Em visita a Tel Aviv, na semana passada, o presidente americano, Joe Biden, pediu ao governo israelense que não repetisse os erros dos EUA, “consumidos pela raiva” após os ataques de 11 de Setembro — assim como Netanyahu, o então presidente George W. Bush também não tinha um plano claro para o futuro do país antes de iniciar a invasão do Iraque.

Na visita, Biden tentou convencer os seus interlocutores de que havia alternativas à ofensiva terrestre em um futuro imediato. Além de temer pela vida dos reféns americanos, os EUA e seus parceiros ocidentais temem que a ocupação, sem um plano claro para Gaza, aumente o risco de uma conflagração regional no Oriente Médio.

— Quando perceberam que não havia plano, os americanos "enlouqueceram " — disse ao Financial Times uma fonte israelense.

Em editorial publicado nesta quarta-feira, o jornal francês Le Monde também criticou duramente a falta de um projeto concreto do governo israelense para o futuro de Gaza e citou a proposta do presidente Emmanuel Macron de criação de uma “coligação regional e internacional” para lutar contra o Hamas. "Uma proposta mal-construída e a priori irrealista, mas uma forma de tentar afastar o projeto de invasão de Gaza e suas consequências incalculáveis", escreveu o jornal.

Em viagem ao Egito, Macron disse nesta quarta-feira em Cairo que uma operação terrestre "maciça" de Israel em Gaza seria um "erro" pois "colocaria em perigo a vida de civis, sem proteger Israel a longo prazo".