"A paz não será possível enquanto o Hamas permanecer no controle de Gaza", diz ex-enviado dos EUA
Dennis B. Ross, representante dos EUA para o Oriente Médio durante o governo Clinton, explica por que deixou de defender um cessar-fogo entre Israel e Hamas e analisa cenários para "o dia seguinte" em Gaza
Por 35 anos, dediquei minha vida profissional à política de pacificação, resolução de conflitos e planejamento dos EUA — seja na antiga União Soviética, na Alemanha reunificada ou no Iraque do pós-guerra. Mas nada me preocupou tanto quanto encontrar uma solução pacífica e duradoura entre Israel e os palestinos.
"No passado, eu posso ter sugerido um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje está claro para mim que a paz não será possível agora ou no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder e a capacidade do Hamas de ameaçar Israel — e de submeter os civis de Gaza a cada vez mais episódios de violência — precisam acabar."
Depois de 7 de outubro, há muitos israelenses que acreditam que sua sobrevivência como Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas, para eles, não é. Se o Hamas continuar como uma força militar e ainda estiver governando Gaza após o fim da guerra, ele atacará Israel novamente.
E, independentemente de o Hezbollah abrir ou não uma verdadeira segunda frente no Líbano durante o conflito, ele também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar Israel inabitável e fazer com que os israelenses deixem o país. Embora o Irã tenha negado o envolvimento no ataque do Hamas, Ali Khamenei, líder supremo iraniano, há muito tempo fala que Israel não sobreviverá por mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses representantes militantes para atingir tal objetivo.
Dado o poderio das Forças Armadas de Israel — de longe as mais poderosas da região —, os objetivos do Irã e de seus colaboradores pareciam implausíveis até algumas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante do Exército israelense: "se não derrotarmos o Hamas, não poderemos sobreviver aqui".
Israel não é o único a acreditar que precisa derrotar o Hamas. Nas últimas duas semanas, quando conversei com autoridades árabes da região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza. Eles deixaram claro que, se o Hamas for considerado vencedor, isso validará a ideologia do grupo, dará vantagem e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.
Mas eles disseram isso em particular. Suas posturas públicas têm sido bem diferentes. Apenas alguns estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1.400 pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, à medida que Israel retaliasse e o sofrimento e as baixas palestinas aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam indignados e eles precisariam ser vistos como defensores dos palestinos, pelo menos retoricamente.
Em nenhum momento o instinto de atender ao humor das ruas foi exposto de forma mais reveladora do que nas imediatas denúncias contra Israel depois que o Hamas afirmou que o país bombardeou o hospital al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Até o momento, várias agências nacionais de inteligência disseram que o provável é que o hospital tenha sido atingido por um foguete palestino.
No entanto, as pessoas de toda a região — e do mundo — viram Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que isso também havia sido feito deliberadamente. Até mesmo os Emirados Árabes Unidos, que haviam condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração posterior condenando "o ataque israelense que teve como alvo o Hospital Batista al-Ahli na Faixa de Gaza, resultando na morte e no ferimento de centenas de pessoas". Em seguida, conclamou "a comunidade internacional a intensificar os esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais perdas de vidas".
À medida que os bombardeios aéreos de Israel em Gaza aumentam de ritmo e as mortes de civis também, os apelos internacionais para um cessar-fogo imediato estão aumentando. Alguns estão pedindo que Israel abra mão de uma invasão terrestre. Mas o fim da guerra agora significaria que o Hamas venceria. No momento, sua infraestrutura militar ainda existe, sua liderança permanece praticamente intacta e seu controle político de Gaza é incontestável. Como o Hamas fez após os conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, é quase certo que o grupo se rearmará e se restaurará. Ele poderá aumentar seu sistema de túneis que passam por baixo do enclave. A faixa continuará empobrecida, e a próxima rodada de guerra será inevitável, mantendo os civis de Gaza e grande parte do resto do Oriente Médio reféns dos objetivos do Hamas.
Uma campanha terrestre israelense teria um custo extremamente alto. Se ela prosseguir, os soldados israelenses invasores certamente perderão suas vidas, e haverá ainda mais vítimas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao inserir a sua capacidade militar nas comunidades, usando hospitais, mesquitas e escolas para armazenar sua munição. Mas derrotar o Hamas não pode ser feito apenas com ataques estratégicos aéreos, da mesma forma que não conseguimos erradicar o Estado Islâmico em Mosul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, pelo ar. Nessas lutas, os Estados Unidos contaram com parceiros locais, que realizaram os terríveis e dispendiosos combates terrestres nas cidades, enquanto nossas forças devastaram a maioria do seu território do céu.
O que significaria a derrota do Hamas? Significaria que sua infraestrutura militar, grande parte da qual está fisicamente conectada à infraestrutura civil, foi amplamente destruída e sua liderança dizimada, deixando o grupo sem a capacidade de barrar uma fórmula de reconstrução de Gaza baseada na desmilitarização, como fez no passado. Em essência, isso significaria que Gaza não teria mais como fazer uma guerra e seu poderio militar não poderia ser reconstruído.
Tal fórmula deverá orientar o dia seguinte em Gaza. Isso exigiria que Israel permanecesse em Gaza após o fim dos combates até que pudesse entregar o local a algum tipo de governo provisório para evitar um vácuo e iniciar a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deveria ser administrado, em grande parte, por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia ou da diáspora — sob um guarda-chuva internacional, que incluiria nações árabes e não árabes.
Os Estados Unidos precisariam mobilizar e organizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como as Nações Unidas ou até mesmo agindo conforme a proposta do presidente Emmanuel Macron, da França, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para combater o Hamas. A coalizão poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.
Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer a polícia — e não forças militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos responsáveis pela reconstrução. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Catar poderiam fornecer a maior parte do financiamento para a reconstrução, explicando suas funções, conforme necessário, para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. O Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência fosse destinada aos fins pretendidos.
É claro que o clima em Gaza, após o fim dos combates, será sombrio e raivoso. Milhares de civis foram mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale a pena observar que as pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos habitantes de Gaza eram contra o rompimento do cessar-fogo do Hamas com Israel na época. Levar ajuda para Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates cessarem poderia ajudar a mostrar aos residentes que a vida pode melhorar quando o Hamas não estiver mais impedindo a reconstrução de Gaza.
A forma como Israel conduzirá sua incursão terrestre afeta tudo isso e até mesmo se essa realidade pós-guerra poderia se materializar. Para que Israel diminua a pressão de vizinhos e da comunidade internacional para interromper seu ataque, o país deve demonstrar de forma mais convincente que está lutando contra o Hamas, e não tentando punir os civis palestinos. Deve criar corredores seguros para a assistência humanitária, inclusive a partir do território israelense por meio do ponto de passagem Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, deve permitir que organizações internacionais, como os Médicos Sem Fronteiras, operem com segurança no local e incluam médicos israelenses para que possam montar hospitais de campanha — algo que eles têm experiência em fazer na Síria e na Ucrânia.
Os líderes políticos de Israel precisam enfatizar clara e publicamente que deixarão Gaza e suspenderão o cerco depois que o Hamas for militarmente derrotado e amplamente desarmado. Eles devem comunicar que entendem que é necessária uma resolução política com os palestinos de forma mais geral. Essa não é uma mensagem que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteja transmitindo agora, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é uma mensagem que os parceiros de Israel na região precisam ouvir — e logo.
Não há soluções fáceis para Gaza, mas há apenas um caminho a seguir nesta guerra. Um resultado que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do restante do Oriente Médio.
*Dennis B. Ross é ex-enviado dos EUA ao Oriente Médio durante o governo do presidente Bill Clinton. Diplomata, atuou como diretor de planejamento de políticas no Departamento de Estado dos EUA sob o comando do presidente George W. Bush e foi conselheiro especial para o Golfo Pérsico e o Sudoeste Asiático da ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Atualmente, é conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e leciona na Universidade de Georgetown.