Matthew Perry falou acerca de sobriedade: 'Ainda é um processo diário de melhoria'
Ator teve uma carreira brilhante, apesar de ter passado muitos momentos alheio, esquivo e entorpecido e nunca ter escondido isso
Uma confissão: quando recebi a notícia de que o ator Matthew Perry havia morrido — no último sábado (28), em decorrência de um afogamento em casa —, minha mente adotou a cadência particular que Perry aperfeiçoou como Chandler Bing, o personagem que ele interpretou por dez temporadas na série da NBC “Friends”. Aqui está o que pensei: “Não poderia ser mais triste?”
Perry, 54 anos, morreu quase um ano após a publicação de “Amigos, amores e Aquela Coisa Terrível”, livro de memórias incomumente sincero sobre vício e recuperação. Conforme detalhou na publicação, ele passou muitos dos melhores anos de sua carreira alheio, esquivo, entorpecido – condições que normalmente não encoraja uma ótima atuação. Mas ele foi ótimo. E parecia razoável, embora ingênuo, esperar que a sobriedade pudesse torná-lo melhor, devolvendo-o ao brilho nervoso e instintivo dos seus anos de sucesso. Essa esperança está agora encerrada.
Ator profissional desde a adolescência, Perry apareceu em mais de uma dúzia de sitcoms antes de atuar em “Friends”, em 1994. Lembro-me de tê-lo visto pela primeira vez anos antes, em um episódio de “Growing Pains” exibido pela minha escola durante evento destinado a anunciar os perigos de dirigir embriagado. Principalmente anunciava Perry e seu charme ansioso e imprudente.
Dizer que ele nunca fez nada tão bom como “Friends”, antes ou depois, não é diminuir sua conquista. Mesmo entre os talentos irreprimíveis de seus colegas de elenco, Perry se destacou por seu jeito meio desatento, talento natural para a comédia e timing que a maioria dos cronômetros invejaria. Se você assistiu a mais do que alguns episódios do programa — e muitos, muitos milhões viram, incluindo fãs nascidos anos após sua exibição inicial —, terá absorvido os ritmos de Chandler, seus bordões, a maneira como o rosto bonito e lunar se esticava para vender uma reação. Ele tinha um compromisso absoluto com o que uma frase exigia e uma maneira suave e própria de ironizá-la. Seu personagem foi alvo de piadas. Perry estava envolvido nessas mesmas piadas. Havia nele uma infantilidade que parecia desculpar o pior comportamento de seus personagens, em “Friends” e nos papéis subsequentes.
Esses papéis nunca o serviram tão bem, e os programas aos quais ele se apegou raramente sobreviveram a uma segunda temporada. Suas co-estrelas encontraram outros filmes e séries para mostrar seus talentos. Os últimos projetos de Perry, apesar do excelente trabalho em “Studio 60 on the Sunset Strip” e “The Good Wife”, foram em grande parte sombrios e esquecíveis. Pode ser difícil para os meninos crescerem.
Parece ter sido difícil para Perry. “Eu queria tanto ser famoso”, disse ele ao The New York Times em 2002. “Você quer atenção, quer dinheiro e quer o melhor lugar no restaurante. Não pensei quais seriam as repercussões.” Essas repercussões incluíram tormento com os vícios e perda de qualquer anonimato. (Também tinha algumas vantagens ocasionais. Em suas memórias, ele escreveu que depois que uma reação a um anestésico parou seu coração, um funcionário de um hospital na Suíça realizou procedimento por cinco minutos inteiros para restaurar o ritmo. “Se eu não tivesse feito ‘Friends’, ele teria parado aos três minutos?”, ele se perguntou, sombriamente.)
Suas lutas eram um segredo aberto, então nem eram segredo. (Ele falava abertamente, embora de forma otimista, já em 2002.) E é realmente um milagre que ele pudesse ter o desempenho que teve, dentro e fora da reabilitação, mesmo quando vários membros do elenco o confrontaram sobre seu uso de álcool. Ele parece ter ficcionalizado alguns aspectos disso em “The end of longing”, peça que escreveu e estrelou. Embora o crítico do Times tenha sido tranquilo com o drama, escreveu que Perry era “genuinamente assustador como um calhambeque movido a etanol.”
Falando ao Times no ano passado, Perry tratou sua sobriedade duramente conquistada como séria e tênue. “Ainda é um processo diário de melhoria”, disse ele. "Diariamente." Na tela, ele conseguia disfarçar essa luta. Essa foi a genialidade de “Friends” e a genialidade de Perry: fazer tudo parecer fácil. “Friends” sempre foi uma fantasia, uma visão caiada da vida urbana, em que os personagens tinham apartamentos impecáveis e infinitos momentos de lazer. (Afinal, qual era o trabalho de Chandler? Por que ele ia lá tão raramente?) Mas assisti-lo, como fiz no sábado à noite, durante horas, era relaxar na confiança de sua comédia, no charme indiscreto de Perry. Na tela, com um cardigã horrível de mangas curtas, ele ainda está lá por nós.