Guerra no Oriente Médio

"Cada dia é pior do que o anterior": Shahed al-Banna conta como está a vida dos brasileiros em Gaza

Cerca de 30 cidadãos do país esperam nas cidades de Khan Younis e Rafah, no sul da Faixa de Gaza, para embarcarem nos aviões da FAB rumo ao Brasil

Sinalizadores são lançados pelas forças israelitas na Faixa de Gaza - Yuri Cortez / AFP

Água acabando, falta de luz, sem internet e pratos cada vez mais vazios. Esse é o relato da jovem Shahed al-Banna, de 18 anos, que está em uma casa alugada pelo governo brasileiro, na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza — única passagem de trânsito do enclave palestino controlada pelo Egito.

Em um vídeo gravado nesta terça-feira (31), a estudante contou que a situação está “difícil” e que, apesar da ajuda enviada pela Embaixada do Brasil, está cada dia mais trabalhoso encontrar mantimentos.

A energia parca dificulta também a comunicação com o mundo exterior. Ao lado do pai, Ahmed al-Banna, a estudante mostra cerca de três celulares desligados com os seus carregadores, além do que parecem ser duas baterias portáteis, e diz que tentará uma tomada disponível num mercado próximo.

Em outro vídeo, ela mostra uma construção de apenas um cômodo, onde vários celulares e baterias são carregados ao mesmo tempo, com diversas extensões para dar conta da demanda.

A conexão com a internet também depende de buscas por lugares com sinal disponível. Na última quinta-feira, um intenso bombardeio israelense destruiu o sistema de telecomunicação da única companhia que ainda operava no enclave palestino, a Palestine Telecommunications Company (Paltel), deixando a região sem internet por quase dois dias.

— Daqui a alguns dias acho que a gente já não vai mais conseguir encontrar água. Não temos luz. Olha o tanto de carregador… Não temos internet também, temos que ficar procurando um lugar com internet para conseguir manter contato com as pessoas daí [do Brasil]. — explicou a jovem, que desabafou: — Está difícil, gente. As fronteiras estão fechadas, muita gente está morrendo todo dia. Cada dia está ficando pior do que o dia anterior.

Al-Banna comentou ainda que não há comida entrando pelas fronteiras. Pelo menos 140 comboios com ajuda humanitária entraram no enclave, variando entre 10 e 20 por dia. Ainda assim, o número é irrisório, já que o mínimo necessário para atender às necessidades dos palestinos em Gaza são 100, segundo a UNRWA, agência da ONU para os refugiados palestinos.

Antes da guerra entre Israel e o Hamas, grupo que controla o enclave palestino desde 2007, iniciada no dia 7 de outubro, entravam cerca de 300 a 500 comboios no enclave, segundo a organização Médico Sem Fronteiras (MSF).

Há pelo menos 34 pessoas próximas à fronteira que aguardam autorização do Egito para irem ao Cairo com veículos alugados pela embaixada do Brasil e, de lá, embarcarem em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).

São 24 brasileiros, sete palestinos em processo de imigração e três palestinos familiares que darão início à imigração. Mais da metade, 18, são crianças. Há também dez mulheres e seis homens. Ao menos 18 estão em Rafah e 16 na cidade de Khan Younis, também no sul do enclave, informou a Embaixada nesta sexta-feira.

Na tarde desta terça, o segundo voo com ajuda humanitária enviado pelo Brasil pousou no Egito, onde aguardará a liberação da fronteira para a repatriação dos brasileiros. O problema é que não há perspectiva de quando isso vai acontecer — já são três semanas de negociações com o Cairo. O país, que controla a passagem de Rafah desde 2007, concordou com a abertura do ponto de controle para a entrada da ajuda humanitária e aceitou receber os brasileiros em Gaza. Ainda assim, tem relutado em abrir a fronteira para a passagem de civis, temendo uma possível infiltração de combatentes terroristas no país.

Para contornar a demora “demasiadamente longa e preocupante”, como descreveu a Embaixada brasileira, seguidas de sucessivas expectativas frustradas, o governo tem alugado casas, enviando informações sobre possíveis bombardeios e o envio de recursos para que os brasileiros em Gaza possam comprar água, gás e remédios, além de apoio psicológico e médico à distância. Ainda assim, o Itamaraty observou nesta segunda-feira que as perspectivas são de “rápida degradação das condições de vida e segurança”.

Por enquanto, os brasileiros em Gaza têm adaptado sua rotina ao que é possível, procurando um pouco de normalidade na “ordem pública” já em colapso, com os preços de alimentos, água e gás quase triplicando na região.

Assim, o fogo à lenha tem substituído o gás, ao passo que burros e cavalos têm feito o transporte de civis que padecem sem combustível — produto de extrema importância inclusive para ambulâncias e o funcionamento de hospitais. Com fome, milhares de pessoas invadiram e saquearam armazéns da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA na sigla em inglês), no domingo. Tudo isso interrompido, de tempos em tempos, pelo som de bombardeios e pelo cenário de casas, edifícios e construções reduzidas a escombros.