PRECONCEITO

Antissemitismo e islamofobia crescem em meio a guerra entre Israel e Hamas

Nos EUA, Biden anunciou ter simplificado os procedimentos para prestar queixas de discriminação nos campi universitários do país

Imóvel em distrito de Paris com Estrelas de Davi pintadas à noite - Geoffroy Van Der Hasselt/AFP

Estrelas de Davi pichadas em portas e fachadas de edifícios em Paris, na França, uma invasão a um aeroporto em uma república russa e ameaças publicadas na Internet contra um centro comunitário judaico no campus de uma universidade americana. Do outro lado, uma criança muçulmana de seis anos assassinada a facadas nos Estados Unidos. No rescaldo das quase quatro semanas da guerra entre Israel e o Hamas — que estourou após o ataque do grupo terrorista ao território israelense em 7 de outubro, deixando ao menos 1,4 mil mortos e levando Israel a realizar a maior ofensiva militar da História na Faixa de Gaza —, manifestações antissemitas e islamofóbicas aumentaram ao redor do globo, sobretudo nos EUA e em países europeus, alertam autoridades e ONGs.

De acordo a Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês), entidade à frente da luta contra o antissemitismo nos EUA, os incidentes no país aumentaram aproximadamente 400% nas duas semanas após o ataque a Israel, quando comparado com o mesmo período no ano anterior. Um quadro que já atinge "níveis históricos", avaliou o diretor do FBI, Christopher Wray, nesta terça-feira.

Uma das vítimas recentes do aumento do antissemitismo no país foi a senadora de Nevada, a democrata Jacky Rosen, que também é judia. John Anthony Miller, de Las Vegas, foi acusado de ameaçar matar Rosen, em mensagens enviadas ao seu escritório. Entre elas, o homem dizia querer "terminar o que Hitler começou", de acordo com uma queixa criminal tornada pública na segunda-feira.

— É perigoso, é inaceitável. Em qualquer lugar do mundo, e com certeza aqui nos EUA — disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, em entrevista à CNN.

Para o governo, a situação é particularmente alarmante em escolas e faculdades americanas, onde, no geral, o conflito no Oriente Médio tem causado grandes tensões entre estudantes e docentes.

Na prestigiada Harvard, cerca de 30 organizações estudantis pró-Palestina divulgaram um comunicado culpando Israel pela violência após os eventos de 7 de outubro, gerando indignação de alguns políticos e personalidades públicas no país. Mas as preocupações aumentaram sobretudo após um usuário de um blog ligado à Universidade de Cornell, em Nova York, ter ameaçado levar uma arma ao campus para atirar em estudantes judeus.

Diante do quadro — e embora não tenha especificado oficialmente um número total de casos —, a Casa Branca emitiu um comunicado na segunda-feira alertando sobre um "aumento preocupante" dos incidentes nesses locais, levando a administração do presidente Joe Biden a anunciar algumas medidas para abordar a questão.

Entre elas, incluem-se visitas do secretário de Educação, Miguel Cardona, a universidades e a promoção de mesas de debates com estudantes judeus. O governo também anunciou ter simplificado os procedimentos para prestar queixas de discriminação nos campi universitários do país — tanto para as vítimas de antissemitismo, quanto para as vítimas de islamofobia.

Casos na Europa
Casos de antissemitismo também se espalharam na Europa após os ataques do Hamas. Um dos últimos incidentes reportados aconteceu nesta terça-feira, quando estrelas de Davi, símbolo da religião judaica e do Estado de Israel, foram marcadas em diversos prédios na capital francesa — também em meio a um aumento nas queixas de atos antissemitas no país (819 no total, pouco mais do dobro que no ano de 2022), com mais de 400 detenções relacionadas a esses atos, segundo o ministro do Interior, Gérald Darmanin.

O Ministério Público parisiense informou que já abriu uma investigação sobre as marcas, por danos à propriedade de terceiros agravados por motivações relacionadas à origem, raça, etnia ou religião. Tal crime, informaram, pode resultar em uma pena máxima de quatro anos de prisão e uma multa de até € 30 mil (R$ 160,5 mil na cotação atual). Grupos de defesa e autoridades locais condenaram as pichações como "atos antissemitas e racistas".

"Este ato de marcação lembra os métodos da década de 1930 e da Segunda Guerra Mundial que levaram ao extermínio de milhões de judeus", denunciou a prefeita do distrito XIV, Carine Petit, na rede social X (antigo Twitter).

Outro incidente recente ocorreu neste fim de semana, quando uma multidão invadiu o aeroporto da república russa do Daguestão, após a chegada de um voo vindo de Tel Aviv. O local foi fechado, mas posteriormente reaberto com redirecionamento temporário de voos de Israel para outras cidades. Cerca de 60 pessoas foram presas, com muitos deles proferindo slogans antissemitas.

Em Londres, os incidentes de antissemitismo aumentaram 14 vezes em relação ao mesmo período no ano passado, segundo a polícia local. Além disso, o Community Security Trust — que compila relatos de antissemitismo no Reino Unido — afirmou que as três semanas após o ataque do Hamas registraram o maior número de casos desde 1984, quando o órgão começou a coletar dados.

Já na Alemanha, foi reportado um aumento de 240% nos incidentes antissemitas durante o período de 7 a 15 de outubro, em comparação com o ano anterior, de acordo com um estudo divulgado em 18 de outubro pela Associação Federal de Departamentos de Pesquisa e Informação sobre Antissemitismo (Rias). Atos antissemitas foram reportados na capital, Berlim (onde a sinagoga Kahal Adass Jisroel foi alvo de ataques com coquetéis molotov), e em outras cidades alemãs, a maioria com memoriais de vítimas do Holocausto sendo pichados ou danificados.

Islamofobia também cresce
A guerra também levou a um aumento expressivo da islamofobia em alguns países. Nos EUA, o Conselho de Relações Islâmico-Americanas (Cair, na sigla em inglês) recebeu 774 queixas de incidentes relacionados à islamofobia entre 7 de outubro e terça-feira. Isso representa o nível mais alto desde 2015 e é quase três vezes maior do que a média de queixas em 2022 para o mesmo período.

O órgão mencionou em relatório casos que incluem o de um jovem palestino agredido no Brooklyn e o assassinato de um menino muçulmano, Wadea al-Fayum, de 6 anos, em Illinois. O garoto, de origem palestina, foi esfaqueado 26 vezes no sábado por um septuagenário que alugava uma casa para sua família. Segundo a Polícia, Wadea e a mãe foram atacados "porque são muçulmanos e pelo conflito em curso no Oriente Médio". O Departamento de Justiça investiga o caso como crime de ódio.

— Definitivamente vimos um aumento nas ameaças em todo o país. Está focado no povo judeu e na comunidade muçulmana — disse Robert Contee III, diretor assistente do FBI, em uma coletiva de imprensa nesta semana.

Por sua vez, segundo a ONG britânica TellMAMA, que atua contra o ódio aos muçulmanos no Reino Unido, os casos aumentaram em seis vezes quando comparados com o período de 7 a 19 de outubro de 2022, com um total de 291 incidentes reportados até então. Em Londres, a polícia reportou um aumento de 140% dos casos.

"Lamentavelmente, apesar do aumento na presença de oficiais, vimos um aumento significativo nos crimes de ódio em toda Londres," disse a polícia em um comunicado. "Isso inclui abusos direcionados a indivíduos ou grupos pessoalmente ou on-line, danos criminais motivados racial ou religiosamente, e outros delitos."

A quantidade de informações sobre ataques direcionados a árabes e muçulmanos desde o início dos conflitos, no entanto, é insuficiente, alerta a ONG Human Rights Watch (HWR). "Os Estados têm a obrigação, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos, de proteger o direito à vida e à segurança de todas as pessoas dentro de seu país, sem discriminação. Isso inclui a proteção contra a violência antissemita e islamofóbica. Os governos devem coletar dados desagregados por raça e etnia para que possam responder de maneira mais eficaz ao racismo estrutural e outras formas de discriminação", afirma a ONG.

Segundo as autoridades israelenses, os ataques do Hamas mataram 1,4 mil pessoas, a maioria civis, e fez 239 reféns, levados para Gaza. Do lado palestino, as autoridades de Gaza afirmam que os bombardeios israelenses já deixaram cerca de 8.500 mortos e mais de 20 mil feridos. Segundo a ONG britânica Save the Children, 3.200 menores já morreram no enclave palestino.