Argentina

Lula está "semeando medo na sociedade argentina", diz Milei, sem mostrar provas, em programa de TV

Em entrevista, candidato da direita à Presidência diz ter recebido informações de bolsonaristas e jornalistas brasileiros

Javier Milei, o candidato da extrema direita argentina - Luis Robayo/AFP

Num clima de tensão e incerteza sobre o resultado do segundo turno da eleição presidencial argentina, em 19 de novembro, o candidato da direita radical Javier Milei, falou, em entrevista ao canal de TV do grupo La Nación, em supostas interferências do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de seu rival, o peronista Sergio Massa.

Perguntado sobre as afirmações de Massa e de sua campanha sobre o risco de que, se o candidato do partido A Liberdade Avança for eleito presidente, o valor mínimo das passagens no transporte público passe de 55 pesos para 1.100 pesos (de R$ 0,32 para R$ 6,47, na cotação do Real paralelo na Argentina), Milei respondeu que, segundo informações que recebeu de bolsonaristas e "alguns jornalistas brasileiros", Lula e estrategistas do PT “estão semeando medo na sociedade” argentina.

O candidato da direita radical, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, acrescentou que essas informações indicam que "Lula está interferindo nesta campanha, financiando parte dela, e dentro desse pacote existe um conjunto de consultores brasileiros que são os melhores especialistas em campanha negativa, eles semeiam medo na sociedade”. Milei disse, ainda, que “isso [o aumento das passagens] não vai acontecer”.

Não existe qualquer prova — e Milei não apresentou nenhuma na entrevista ao canal do La Nación — sobre suposto financiamento do Brasil à campanha do peronista. Em julho passado, a Corporação Andina de Fomento (CAF), um dos bancos regionais e de desenvolvimento mais importantes da região, aprovou um crédito de US$ 1 bilhão para a Argentina, para ajudar o país a saldar seus vencimentos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas o financiamento, que alimentou acusações entre membros da equipe de Milei sobre uma suposta ajuda do Brasil ao governo argentino em plena campanha, é uma decisão institucional, que nada tem a ver com o governo brasileiro.

Quando foi confirmada a presença de estrategistas brasileiros na equipe de campanha de Massa, a grande maioria deles próximos do PT, a assessoria do partido disse que "não indicou nem intermediou atuação de qualquer pessoa em campanhas políticas em outros países”. Os estrategistas contratados pelo candidato peronista — que também tem em sua equipe consultores espanhóis e americanos — trabalharam em campanhas do ministro Fernando Haddad e do próprio Lula, em 2022.

A presença de estrategistas brasileiros na Argentina já foi criticada pelo ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), hoje um dos principais aliados políticos de Milei. Em entrevista a canais de TV locais, Macri disse que “os brasileiros estão fazendo a mesma coisa que fizeram na campanha de 2019”, quando o ex-chefe de Estado foi derrotado nas urnas pelo presidente Alberto Fernández, e não conseguiu se reeleger. Macri se referiu, como Milei, a uma campanha que busca gerar medo em relação ao rival.

Várias fontes da equipe de Massa negaram as acusações. As fontes lembraram que Milei, em entrevista a meios locais, disse que cortaria “todos” os subsídios dados pelo Estado argentino. Na entrevista ao canal de TV do La Nación, o candidato da direita radical argentina tentou, como vem fazendo nos últimos tempos, suavizar declarações de seu passado recente. Milei disse que se chegar ao poder não “adotaremos medidas que causem dando às pessoas. O reajuste tarifário acontecerá à medida que melhore a renda” das pessoas.

Mudança de estratégia
Depois de ter levado uma surra nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) de 13 de agosto — quando Milei foi, individualmente, o candidato mais votado —, Massa ampliou seu grupo de estrategistas, incorporando vários estrangeiros, além dos brasileiros. A estratégia para dar a volta por cima, o que, de fato, aconteceu no primeiro turno, foi elevar a rejeição a Milei. Fora elaboradas dezenas de vídeos com falas do candidato da direita radical, abordando questões como livre porte de armas, venda de órgãos e eliminação de subsídios.

Na reta final antes do primeiro turno, a campanha de Massa fez uma jogada que foi acusada de suja inclusive pela ex-candidata presidencial, Patricia Bullrich, da aliança Juntos pela Mudança, agora aliada de Milei. Nos ônibus e trens de Buenos Aires e da província de Buenos Aires foram colocados avisos informando quanto custariam as passagens se Milei ou Bullrich fossem eleitos. O aviso aparecia na hora em que a pessoa pagava a passagem.

A estratégia de reforçar a imagem negativa de Milei — quando é quase impossível melhorar a imagem positiva de Massa, com mais de 120% de inflação ao ano — deu certo. O candidato e ministro da Economia obteve 36% dos votos, contra quase 30% de seu rival da direita radical. Agora, a grande questão é se Massa, que enfrentou obstáculos inesperados, entre eles a escassez de combustível que afetou todo o país no final de outubro, conseguirá crescer ao ponto de vencer a eleição, ou se o peronismo tem um teto impossível de perfurar.

Numa campanha na qual parece valer tudo, Milei está contra-atacando com todas as ferramentas que tem ao seu alcance, inclusive acusações sem provas contra o presidente brasileiro.