Senado vota projeto que cria diretrizes para as PMs sob divisão do governo entre apoio e crítica
Texto é visto como um aceno às forças de segurança em meio a crise de segurança no Rio, mas é alvo de reclamações de setores da esquerda
O Senado deve votar nesta terça-feira (7) o projeto que cria uma lei orgânica dos policiais e bombeiros militares. Caso seja aprovado sem nenhuma mudança em relação ao texto que veio da Câmara, a proposta seguirá para análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode sancionar ou vetar.
A votação faz parte de um pacote de demandas da Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como bancada da bala. O aceno ao grupo conta com o apoio de parte do governo, principalmente do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino — a aprovação da norma é uma demanda das forças de segurança, que se aproximaram do bolsonarismo na gestão anterior. O apoio também é visto como importante no momento em que estados como Rio de Janeiro e Bahia passam por crises de segurança.
A iniciativa traz diretrizes para o funcionamento das corporações, que serão recomendadas aos estados. O projeto provocou divisões no Poder Executivo. Enquanto o Ministério da Justiça atua para a aprovação, inclusive para evitar mudanças que possam fazer o texto voltar à Câmara e assim retardar o aval do Congresso, os ministérios dos Direitos Humanos, do Meio Ambiente e das Mulheres fizeram críticas à proposta.
Pontos do projeto
O projeto regulamenta diversas garantias para os policiais militares, como seguro contra acidente de trabalho, auxílio periculosidade e pensão para dependentes e cônjuges. Também proíbe incitação ao discurso de ódio nas redes sociais. O texto original é discutido há 22 anos no Congresso e foi enviado pelo governo federal ainda durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
Secretários do Ministério da Justiça, como Ricardo Capelli (Executivo), Tadeu Alencar (Segurança Pública) e Elias Vaz (Assuntos Legislativos) já se manifestaram favoráveis ao projeto. O relator do projeto é o senador Fabiano Contarato (ES), que é líder do PT, partido do presidente, que deu parecer favorável e fez apenas ajustes de redação, sem alterar o mérito do que foi aprovado pelos deputados.
Do outro lado, os ministérios das Mulheres, do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos veem com preocupação alguns trechos e representantes, como possíveis limitadores para o ingresso de mulheres nos quadros da corporação e retirada de competências do Ibama.
Críticos temem que a cota de 20% para mulheres acabe se transformando, na prática, em um teto. Candidatas em um concurso da PM do Distrito Federal, por exemplo, reclamam na Justiça da cota de 10% para a disputa. Elas dizem que homens passaram no concurso e tiveram notas piores que mulheres que não passaram.
Outro trecho alvo de insatisfação dá ao agente de segurança o poder de fazer fiscalização ambiental, o que é visto pelo Ministério do Meio Ambiente como invasão de competências do Ibama.
O Ministério dos Direitos Humanos divulgou uma nota em que também critica a iniciativa e elenca outros pontos de reclamação. A pasta comandada por Silvio Almeida "pede maior atenção e debate para que o projeto não potencialize futuras violações de direitos humanos".
Entre os trechos destacados de forma negativa pela pasta estão pontos que determinam a criação de ouvidoria subordinada ao comandante-geral da PM e os que regulamentam que os comandantes respondem diretamente ao governador, o que na avaliação dos críticos esvaziam o papel das secretarias estaduais de segurança pública e reduzem os instrumentos de controle dos PMs.
O ministério também considera que "não há avanços no ponto de vista de uma discussão transparente e democrática sobre o uso da força, sobre o combate ao racismo e sobre a construção de um policiamento baseado em evidências".
Como forma de atender as diferentes alas, integrantes do Ministério da Justiça defendem que eventuais mudanças devem ser tratadas por meio de vetos parciais de Lula.
Em nota publicada nesta segunda-feira, diversos movimentos sociais "manifestam extrema preocupação com os rumos da política de segurança pública brasileira que, mais uma vez, parece estar a reboque de ondas de violência, absolutamente inaceitáveis, mas que exigem o necessário aprofundamento do debate para dar conta do enorme desafio posto".
O documento cita que há uma "inquietação dos subscritores com a aproximação da aprovação". A carta é assinada por diversos grupos ligados ao movimento negro e também pelo 342Artes, de artistas, e pelo Prerrogativas, de advogados próximos ao PT.
"Nossa pressão é para que os senadores alterem ou rejeitem a proposta. Mas o lobby das polícias está muito forte. Se não conseguirmos vamos a uma campanha pelo veto do presidente Lula", disse o ativista Douglas Belchior.
Em julho, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, disse que o projeto é "uma pauta importante". Da mesma forma, Tadeu Alencar, da Secretaria de Segurança Pública, declarou que o governo "vem de um movimento de retomada do diálogo com as forças de segurança, que é bem fértil".
Da oposição, o líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), endossa a iniciativa:
"Tem meu apoio, a gente já patrocinou o apoio à (lei orgânica da) Polícia Civil e agora à Polícia Militar e bombeiros. São projetos fundamentais e, falando do estado do Rio de Janeiro, com toda violência, a importância da segurança pública é maior ainda".
O projeto foi impulsionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e foi aprovado pela Câmara no final do ano passado. Na época, Lula já tinha vencido a eleição e montava uma transição de governo. Na Casa, o texto contou com apoio de partidos de esquerda, como PT e PSB, mas recebeu a oposição do PSOL.
Inicialmente a proposta retirava poder dos governadores sobre o processo de escolha dos comandantes-gerais, ao tornar obrigatória a escolha por meio de uma lista elaborada pela categoria, mas esse trecho foi suprimido pelo então relator, deputado Capitão Augusto (PL-SP) ainda no ano passado.
Antes de ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o texto já havia passado pela Comissão de Segurança Pública da Casa. Dentro do mesmo pacote de acenos às corporações de segurança, o Senado também aprovou a lei orgânica dos policiais civis e discute um projeto que proíbe as saídas temporárias dos presos.