GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Autorizadas quase 3 mil pessoas com passaporte estrangeiro a deixar Gaza; nenhuma delas é brasileira

Para o Itamaraty, há um 'jogo de empurra' entre Egito, que controla a passagem de Rafah, e Israel, que culpa o Hamas pelo atraso

Pessoas atravessam um portão para entrar na passagem de fronteira de Rafah para o Egito, no sul da Faixa de Gaza - Mohammed Abed/AFP

A passagem de Rafah, único ponto da fronteira da Faixa de Gaza controlada pelo Egito, foi aberta pela primeira vez para a passagem de civis e feridos na última quarta-feira (1º). Antes, o ponto de trânsito era utilizado somente para a passagem de comboios com ajuda humanitária. Desde a abertura, cerca de 2,9 mil civis estrangeiros e/ou com dupla nacionalidade e feridos foram autorizados a deixar o enclave palestino, com seus nomes divulgados em pelo menos cinco listas. Nenhum dos 34 brasileiros na região estavam entre eles.

As tratativas para liberação são organizadas pelo Egito, EUA, Catar e Israel. Os grupos contam com nacionais de Alemanha, Austrália, Áustria, Bulgária, Canadá, Finlândia, França, Filipinas, Indonésia, Jordânia, Japão, República Checa, Azerbaijão, Barhein, Bélgica, Coreia do Sul, Croácia, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Macedônia, México, Suíça, Sri Lanka, Chade, Reino Unido, Romênia, Moldávia e Ucrânia.

No sábado e no domingo, a fronteira foi fechada após forças israelenses atingirem um comboio de ambulâncias na sexta-feira — deixando 15 mortos e 60 feridos. As passagens de feridos e portadores de passaportes estrangeiros ficaram suspensas durante esse período. O ponto de trânsito foi reaberto somente nesta segunda-feira. Não foi divulgada uma lista oficial dos autorizados a se deslocar, mas calcula-se que cerca de 100 pessoas tenham deixado Gaza, a maioria de passaporte turco.

Desse total de autorizados, estima-se que o número de pessoas com passaporte estrangeiro e feridos que efetivamente deixaram o enclave palestino pela fronteira com o Egito seja de mais de 2,1 mil. Pelo menos 7 mil estrangeiros aguardam a saída do enclave.

Veja abaixo o número de pessoas autorizadas a sair de Gaza desde quarta-feira:

Quarta-feira (01/11) → 1ª lista
A fronteira é aberta pela primeira vez. O primeiro grupo autorizado a fazer a travessia contém 450 estrangeiros e 90 feridos.

Estavam na lista cidadãos australianos, austríacos, búlgaros, finlandeses, indonésios, jordanianos, japoneses e tchecos, além de pessoas ligadas à Cruz Vermelha e a outras ONGs.

Brasileiros não são contemplados.

Quinta-feira (02/11) → 2ª lista
Um total de 576 estrangeiros autorizados pelo Egito. O processo é pouco transparente e no qual, segundo fontes, Israel participa. Desse total, 400 são americanos.

Brasileiros novamente não são contemplados

Sexta-feira (03/11) → 3ª lista
Outros 571 civis com passaportes estrangeiros são autorizados. Destes, 367 são cidadãos americanos e 127 são britânicos.

Os Estados Unidos — que não entraram na lista no primeiro dia de abertura da fronteira — e Reino Unido, ambos membros permanentes e com direito a veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, são importantes aliados de Israel na guerra contra o Hamas.

Brasileiros não entram mais uma vez. Autoridades do governo não sabem apontar o motivo, embora especulações tenham crescido no âmbito político, diplomático e acadêmico, entre elas a de uma retaliação ao governo brasileiro por suas posições em votações no Conselho de Segurança da ONU, que foi presidido pelo Brasil no mês de outubro

Sábado (4/11) → 4ª lista
Mais 599 estrangeiros são autorizados a sair da Faixa de Gaza. Pelo terceiro dia consecutivo, e em plena visita do secretário de Estado americano, Antony Blinken, os americanos são maioria do grupo, com 386 cidadãos autorizados. Em seguida, há britânicos (112), franceses (51) e alemães (50).

Sem nenhum brasileiro na lista pelo quarto dia consecutivo, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, informa que seu par de Israel, Eli Cohen, garantiu a ele que os brasileiros poderão cruzar a passagem de Rafah até a próxima quarta-feira.

Ao Globo, o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, negou que haja razões políticas para o fato de os brasileiros terem sido excluídos das primeiras listas de estrangeiros sendo liberados de Gaza. Os critérios para definir a inclusão de cidadãos não são claros.

A passagem é fechada até segunda-feira após forças israelenses atingirem um comboio de ambulâncias.

Segunda-feira
A passagem é reaberta.

Não é divulgada uma lista oficial, mas estima-se que cerca de 100 pessoas portadoras de passaporte estrangeiro, a maioria turca, tenha deixado Gaza por Rafah. Ao menos seis veículos que transportavam palestinos feridos cruzaram o posto, segundo uma autoridade egípcia disse à AFP.

No Itamaraty, a avaliação é que há um "jogo de empurra" entre Egito e Israel, que culpa o Hamas pelo atraso, e um claro privilégio para estrangeiros de países aliados a Tel Aviv.

Terça-feira → 5ª lista
Uma nova lista de 605 estrangeiros autorizados a sair é divulgada. Novamente, não inclui o Brasil.

Segundo o embaixador do Brasil na Palestina, Alessandro Candeas, o grupo conta com 605 pessoas, incluindo nacionais de Alemanha (159), Canadá (80), França (61), Filipinas (46), Moldávia (51), Reino Unido (2), Romênia (104) e Ucrânia (102).

A passagem de Rafah
A cidade de Rafah fica no sul do enclave palestino, na fronteira com a Península do Sinai egípcia. A passagem está sob controle do Egito desde um acordo fechado com Israel, em 2007, quando o Hamas tomou o poder na Faixa de Gaza e expulsou o grupo palestino laico Fatah para a Cisjordânia, controlada pela Autoridade Nacional Palestina, reconhecida pela ONU como legítima liderança dos palestinos.

Nos 16 anos seguintes, Israel e Egito mantiveram um duro controle do que, e de quem, entra e sai do território dominado pelo grupo terrorista. Pelo acordo, a passagem de suprimentos para Gaza por Rafah precisa de autorização israelense.

A Faixa de Gaza tem apenas outras duas passagens para saída e entrada de pessoas e mercadorias. Uma é a de Erez, que fica ao norte e leva ao sul do território israelense, e foi atacada pelo Hamas na invasão do dia 7 de outubro. A outra passagem, de Kerem Shalom, serve apenas ao transporte de cargas e também está no sul de Gaza, na fronteira com Israel e perto do território egípcio.

O cenário de "cerco total" em Gaza e a ameaça de uma invasão por terra em alta escala ao norte depositaram sobre o Egito a pressão da comunidade internacional pela abertura de um corredor humanitário em Rafah.

No mês passado, o presidente Abdel Fattah al-Sisi mostrou-se aberto a oferecer ajuda humanitária a Gaza, mas recusou refugiados, alegando que eles deveriam "permanecer firmes e continuar nas suas terras". Há no Egito o temor de uma crise interna provocada por um grande fluxo de pessoas bem como o risco de infiltração de terrorista do Hamas no país.

O enclave sempre foi uma dor de cabeça para o líder egípcio. Seus laços estreitos com Israel e os Estados Unidos colidem desconfortavelmente com as opiniões pró-palestinos do seu próprio povo.