Campanha negativa sobre Milei domina último debate presidencial na Argentina
Até mesmo na discussão sobre economia, candidato peronista, que comanda o Ministério da Economia, controlou a agenda com ataques contra seu rival da direita radical
O último debate antes do segundo turno presidencial na Argentina, em 19 de novembro, girou em torno da campanha negativa do candidato peronista Sergio Massa contra seu rival, o líder do partido A Liberdade Avança, Javier Milei. Até mesmo quando o assunto foi economia, num país no qual a taxa de inflação anual já supera 120%, o peronista, que comanda o Ministério da Economia, conseguiu dominar a discussão.
A avaliação de analistas, meios de comunicação e fontes de ambas as campanhas, foi de que Massa conseguiu se impor claramente sobre Milei. A diferença é que os assessores do candidato da direita radical atribuem o bom desempenho do peronista ao que chamam de “campanha do medo” e, também, à utilização de informação de inteligência. Já os colaboradores de Massa negaram as acusações e destacaram a colaboração de assessores estrangeiros, entre eles brasileiros e espanhóis, na preparação do peronista.
Algumas das acusações foram lançadas por Ramiro Marra, um dos principais colaboradores de Milei, que disputou o governo da cidade de Buenos Aires e foi derrotado. Segundo disse Marra ao canal de TV Todo Notícias, "Massa é um mentiroso e está fazendo uma campanha do medo contra Milei que é vergonhosa, usando, até mesmo, informação de inteligência”.
O colaborador de Milei se referiu especificamente a informações dadas pelo candidato peronista durante o debate sobre um estágio realizado no passado pelo candidato da direita radical no Banco Central, depois do qual Milei, segundo Massa, teria sido rechaçado para ocupar uma vaga na instituição. O candidato peronista afirmou que Milei tem uma questão pessoal com o Banco Central por ter sido rejeitado, e que por essa razão defende sua destruição.
O último debate entre os dois candidatos que disputarão o segundo turno na Argentina teve momentos de forte tensão, nos quais Milei acusou Massa de mentiroso e de "formar parte de um governo de delinquentes", e o peronista levantou dúvidas sobre o equilíbrio emocional de seu rival.
Em sintonia com vídeos lançados por sua campanha nas últimas semanas, o candidato da aliança entre peronistas e kirchneristas União pela Pátria acusou seu adversário de ser violento, representar uma ameaça para as relações da Argentina com o Brasil, China, com o Papa Francisco e para a luta do país pela soberania das Ilhas Malvinas e para a sobrevivência da saúde e educação públicas, entre outras coisas.
— Diga a verdade aos argentinos, você vai romper relações com o Brasil e China, colocando em risco o trabalho de 2 milhões de argentinos? — perguntou Massa a Milei.
A reposta do candidato da direita radical foi confusa:
— Qual é o problema, se [Jair] Bolsonaro e [Alberto] Fernández não se falavam? Qual seria o problema se eu não falasse com Lula?
Massa também acusou Milei de admirar a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher, para o peronista, “uma eterna inimiga” da Argentina, e perguntou se estava disposto a pedir desculpas ao Papa, a quem Milei acusou de “acobertar ditadores assassinos”, em entrevistas a meios locais e internacionais.
— Não teria problemas em pedir desculpas, e de fato já me comuniquei e minha mensagem chegou a ele [ao Papa]. Se ele vier ao país em 2024, será muito bem recebido — afirmou o candidato da direita radical.
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Numa estratégia similar a que utilizou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em debates com o ex-presidente Jair Bolsonaro, o candidato peronista focou em propostas polêmicas de seu rival e lhe fez perguntas diretas, que deixaram, no debate argentino, Milei claramente nervoso. Massa conseguiu descolocar o candidato da direita radical em várias oportunidades, e Milei vinculou os ataques ao que chama de "campanha do medo". O candidato do partido A Liberdade Avança responsabilizou os assessores brasileiros do peronista por essa campanha, e, em suas palavras finais, pediu aos argentinos que não se deixem amedrontar.
Apesar da economia argentina estar mergulhada numa crise profunda, na parte do debate dedicada justamente a temas econômicos, o mais atacado foi Milei e não Massa, que comanda o Ministério da Economia. O peronista, que deveria ter sido o mais questionado, se sentiu tão a vontade que fez perguntas a Milei, por exemplo, sobre sua proposta de dolarização. O candidato da direita radical deu respostas confusas, e não conseguiu capitalizar a grave crise econômica que assola o país.
— A saída da Argentina não é com dolarização, é com exportações, trabalho com renda mais alta e um acordo de unidade nacional — disse Massa.
Milei passou grande parte do tempo explicando sua decisão de fechar o Banco Central, sem esclarecer concretamente como vai dolarizar a economia.
Convencer indecisos
Segundo recentes pesquisas, a disputa entre Massa e Milei será acirrada até o final, com um percentual de indecisos que oscila entre 5% e 18%, chegando, em alguns casos isolados, a superar 30%. Muitos eleitores da ex-candidata Patricia Bullrich, da aliança opositora Juntos pela Mudança, não estão convencidos em votar por Milei, apesar do apoio explícito dado ao candidato pelo ex-presidente Mauricio Macri, e pela própria Bullrich. Os indecisos decidirão a eleição, que, segundo as mesmas pesquisas, tem final aberto. De uma média de 19 pesquisas divulgadas nos últimos dias, a diferença entre Milei e Massa é de menos de um ponto percentual.
Com este pano de fundo, o principal objetivo do candidato peronista no debate era convencer eleitores indecisos de que a opção por Milei representa um risco para a democracia e para os interesses nacionais. Nos últimos dias, a campanha de Massa teve como foco mostrar falas agressivas do seu rival. No debate, Milei se referiu várias vezes aos “brasileiros” que participam da campanha de Massa e, segundo ele, “mentem”. Mas, perante os ataques de Massa, não soube responder, reagindo, em quase todos os casos, com nervosismo.
No encerramento do debate, Milei pediu aos argentinos que votem “sem medo, porque o medo paralisa e se nos paralisamos isso beneficia o status quo”. Já o candidato peronista voltou a defender um governo de união nacional e o fim das divisões entre os argentinos.