México investiga morte da primeira pessoa não-binária a receber passaporte sem gênero no país
Jesus Ociel Baena, que atuava na Justiça Eleitoral mexicana, era figura proeminente da comunidade LGBTQIA+
O corpo da primeira pessoa não-binária a receber passaporte mexicano sem gênero, antes um proeminente magistrado do país, foi encontrado em uma casa em Aguascalientes, região central do país, informaram as autoridades mexicanas, desencadeando protestos na capital e indignação entre a comunidade LGBTQIA+.
Segundo os investigadores, além de Jesus Ociel Baena, também foi encontrado o corpo de uma segunda pessoa no local. Uma investigação foi lançada para determinar a causa de ambas as mortes, afirmaram as autoridades, que acreditam que possam estar relacionadas a uma "questão pessoal".
Manifestantes se reuniram na capital, Cidade do México, contestando a versão das autoridades e entoando "crime de paixão, mentira nacional". Outros protestos surgiram em todo o país.
— Pedimos à procuradoria que forneça resultados rapidamente [sobre a investigação] — disse a ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, candidata nas eleições presidenciais de 2024.
Baena, de 38 anos, tornou-se a primeira pessoa magistrada não-binária — ou seja, alguém que não se identifica nem com o gênero masculino, nem com o feminino — a servir em um tribunal eleitoral mexicano em outubro de 2022. Segundo relatos, também foi o primeiro caso em toda a América Latina. Baena recebeu o primeiro passaporte do país que não mencionava o gênero do titular em 17 de maio, considerado um "dia histórico" pelo ex-ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard.
No final de julho, Baena disse que as autoridades estavam lhe oferecendo proteção após "múltiplos ataques" e "ameaças de morte" nas redes sociais.
O grupo de defesa dos direitos Letra S recorreu ao X, anteriormente Twitter, para instar as autoridades mexicanas a investigar "minuciosa e imparcialmente o que aconteceu".
Discriminação desde a infância
Baena usava a linguagem neutra e publicava fotos e vídeos usando saia, salto alto e carregando um leque de arco-íris em escritórios judiciais em suas redes sociais com centenas de milhares de seguidores. Ao longo de sua carreira, buscou a participação de pessoas da comunidade LGTBQIA+ na política do México, o segundo país com mais crimes de ódio na América Latina, com 305 atos de violência de 2019 a 2022.
Durante entrevista à jornalista Gabriela Warkentin, em outubro de 2022, explicou que o caminho para se reconhecer e se autodenominar como pessoa não binária foi marcado pela violência e pela discriminação desde muito cedo.
— Durante muito tempo me percebi como mulher, gostava de roupas femininas, gostava das coisas que elas faziam, ou dos estereótipos das meninas. E isso criou um terreno fértil para que eu sofresse discriminação durante toda a minha infância, tanto na minha família como na escola — disse.
Baena saiu de casa quando a sua família descobriu a sua identidade de gênero, regressando após seis meses sem comunicação, com a posterior aceitação dos familiares. Anos depois, estudante da Faculdade de Direito da Universidade Autônoma de Coahuila, tornou-se presidente da sociedade estudantil, onde se expressou abertamente como homossexual. Foi graças a essa experiência que se aprofundou nos processos democráticos e, em 2006, participou de um concurso da oposição para supervisão eleitoral do então Instituto Federal Eleitoral (IFE).
Foi um trabalho temporário que combinou com o ensino em Coahuila. Algum tempo depois, teve a oportunidade de participar de um novo concurso, onde concorreu com mais de 2 mil candidatos em todo o país, obtendo uma vaga permanente na Justiça Eleitoral do estado de Aguascalientes. Lá, assumiu-se como pessoa não-binária e lutou pelos direitos LGBTQIA+ e incentivou o uso da linguagem neutra.
— Quando coloquei saia pela primeira vez, há quatro anos, coloquei salto, pintei batom e saí de casa, foi um medo — reconhecera em outubro deste ano. — Quebrei meu próprio teto de vidro saindo na rua e achava que todos já estavam me esperando com uma pedra. Aí aquela pedra virou discurso verbal, mas a questão é que é mais importante superar os medos pessoais. (*Com AFP e El País.)