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Onda de calor atrasa plantio e ameaça safra de soja e milho em 2024

Consultorias reduzem estimativa para produção brasileira e agricultores contabilizam prejuízos. Mudas plantadas não vingam sob altas temperaturas

Safra de soja - Arquivo/Agência Brasil

A terra ressecada e o calor escaldante têm atrasado o plantio de soja no Brasil, que é o maior produtor global do grão. E pode afetar ainda a próxima safra de milho, que sequer pode ser plantado até que a soja seja colhida.

Endrigo Dalcin, que cultiva grãos e oleaginosas no Mato Grosso, vê no horizonte de sua fazenda os efeitos do clima. Ele havia planejado semear 4.900 hectares de soja para depois substituir a maioria disso por milho em janeiro ou fevereiro, mas até agora só conseguiu plantar 3 mil hectares.

Chuvas escassas mataram cerca de um quarto das mudas de seja de Dalcin, e agora ele terá que replantar em algumas áreas. Quando a soja substituta estiver pronta para ser colhida, será tarde demais para semear toda a safra de milho que ele havia imaginado.

"Definitivamente, estamos reduzindo nossas expectativas para o plantio de milho" disse Dalcin.

Ele não está sozinho. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estimou este mês a próxima safra do Brasil em 129 milhões de toneladas, abaixo das 137 milhões de toneladas da temporada anterior, e é provável que essa estimativa caia ainda mais no próximo relatório, de dezembro.

A pesquisa da corretora Agrinvest Commodities sugere que o plantio de milho de inverno no país está prestes a cair pelo menos 7% nesta temporada, enquanto a produção pode diminuir até 14%. As estimativas para a soja também estão caindo, com a Agrinvest reduzindo sua previsão para a produção do país no ano de plantio 2023-2024 para 155,4 milhões de toneladas, abaixo dos 163 milhões de toneladas estimados algumas semanas antes.

"Se não chover nos próximos sete dias, é muito provável que cortemos ainda mais as estimativas de produção do que já fizemos" disse Marcos Araujo, sócio da Agrinvest, no início desta semana.

Uma queda na produção dos dois maiores cultivos do país, que está entre os principais exportadores globais, poderia ter efeitos cascata ao redor do mundo. O Brasil assumiu a liderança nas exportações de soja há uma década e tirou a liderança dos EUA no milho este ano. Assim, ganhou uma enorme influência no comércio global de alimentos.

As safras brasileiras, que crescem ano após ano, se tornaram cada vez mais importantes após as interrupções no fornecimento da Ucrânia devido à invasão russa. Sua soja e milho desempenham um papel importante na economia da China, com compradores adquirindo colheitas brasileiras em parte para reduzir a dependência dos EUA.

O ritmo de plantio de soja em Mato Grosso, responsável por cerca de um terço de toda a soja produzida no Brasil, é o mais lento desde pelo menos 2017, segundo a agência estadual Imea. Ao nível nacional, este é o ritmo de plantio mais lento desde pelo menos 2019, conforme dados da Datagro.

A Coacen, a maior cooperativa agrícola de Mato Grosso, espera que a área de plantio de sua próxima safra de milho seja de 10% a 15% menor.

"Mas esse número pode ser maior, dependendo do clima" disse Leandro Bianchini, supervisor comercial da Coacen.

Os agricultores brasileiros geralmente plantam soja em setembro e outubro, colhendo a safra de janeiro a março. Assim que isso é colhido, eles plantam frequentemente a chamada safrinha, ou segunda safra de milho do ano, que começa a ser colhida em maio.

Mesmo considerando a seca esperada em algumas áreas devido ao padrão climático El Niño, o Brasil tem sofrido com uma escassez hídrica incomum e calor extremo em regiões produtoras-chave, com temperaturas próximas a 40°C nesta semana. O meteorologista rural Marco Antônio dos Santos, da Clima Rural, diz que as chuvas podem retornar às áreas agrícolas até 20 de novembro.

Os problemas não param por aí. As sojas que sobreviverem ao clima seco arriscam ter rendimentos inferiores ao normal, disse Michael Cordonnier, presidente do Soybean and Corn Advisor, com sede em Illinois.

E mesmo depois de colher tudo, um gargalo na logística do país ameaça dificultar as exportações. Uma seca severa na região amazônica interrompeu os embarques de grãos em barcaças fluviais, um problema que forçou um grande operador a revisar para baixo suas estimativas para o ano.

Diante de todos os desafios, alguns agricultores estão simplesmente contabilizando suas perdas. Paolo Vivenza, um agricultor brasileiro que mora em Campos Altos, em Minas Gerais, que antes se concentrava em café, adicionou soja e milho há vários anos depois de vê-los subir de preço. Ele teve um ótimo ano em 2023, colhendo duas safras - soja no verão e milho no inverno - ambas com rendimentos recordes.

Mas este ano, suas sojas estão atrasadas, então ele teve que desistir dos planos para uma colheita de milho. Ele nem comprou as sementes. Em circunstâncias raras, alguns agricultores cansados das condições ruins estão arando suas sojas para plantar algodão em vez disso. Não é uma troca fácil - o algodão requer maquinário e insumos diferentes - mas para qualquer produtor já familiarizado com a fibra, pode ser um investimento que vale a pena.

"É melhor ter uma boa safra de algodão do que metade de uma safra de soja" disse Cordonnier.