ARGENTINA

Eleição: Milei domina redes sociais, mas Massa cresce na reta final; futebol vira tema político

Pesquisa da FGV analisou mais de 5,5 milhões de publicações sobre a disputa entre Javier Milei e Sergio Massa

Os candidatos à presidência da Argentina, Sergio Massa e Javier Milei (D) - Tomas Cuesta e Juan Mabromata/AFP

Com a Argentina a dois dias de uma eleição decisiva para o futuro do país, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) traçou um perfil das movimentações de Sergio Massa e Javier Milei nas redes sociais. Além da esperada polarização, o estudo confirma a força do candidato da direita radical nas mídias digitais e revela os temas que movimentaram as interações — incluindo o futebol.

Os pesquisadores da FGV Comunicação Rio analisaram cerca de 5,5 milhões de publicações no Facebook, Instagram, YouTube e X (anteriormente conhecido como Twitter) entre 13 de agosto e 13 de novembro e confirmaram, logo de cara, que Milei, um nome que ganhou força justamente nas redes sociais, manteve esse domínio, especialmente no Instagram.

Hoje, Milei tem 3,5 milhões de seguidores na plataforma — Massa tem menos de 500 mil — e, na reta final da campanha, conseguiu aumentar esse número. Mais do que isso, o Instagram foi, segundo a FGV, onde houve o maior volume de engajamentos (respostas, republicações e visualizações): das 50 publicações monitoradas pelos pesquisadores com mais destaque, 45 foram no Instagram, e todas elas de Milei.

— As redes atrativas crescentemente são de narrativas pictóricas fragmentadas. Instagram, YouTube e TikTok tendem a liderar cada vez mais — disse ao GLOBO Marco Aurelio Ruediger, diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV.

Migração antes do primeiro turno
No Facebook houve um fenômeno peculiar. Apoiadores de candidatos que não chegaram ao segundo turno começaram uma migração para Massa e Milei antes do primeiro turno. Uma antecipação que, para Ruediger, reflete a situação política na Argentina, com muitos eleitores alegando que vão às urnas não eleger seu favorito, mas sim aquele que consideram ser o menos pior.

— O que ocorre é que não são os candidatos em si, mas a exaustão com um modelo repetido de opções políticas. Vimos isso no Brasil. Um esgotamento que leva a opção pelo oposto. Mas vimos também no que isso dá. Pode ser uma mudança para [algo] muito pior. Há um problema estrutural na dinâmica eleitoral Argentina que gera instabilidade e escolhas subótimas de política por conta da sazonalidade da escolha da representação — afirmou.

Nessa “migração”, Massa levou vantagem. Ele expandiu sua base direta de apoio, passando de 16,4% das páginas analisadas para 19%, e teve a campanha fortalecida por páginas ligadas a outros setores da esquerda (8%). Já Milei perdeu força: se no primeiro turno 14,7% das páginas analisadas eram a seu favor, no segundo turno o número passou para 8,7%, mesmo com o apoio de eleitores de Patricia Bullrich, candidata da coalizão Juntos Pela Mudança, e de aliados do ex-presidente Mauricio Macri.

Em termos nominais, a maior quantidade de menções à eleição ocorreu no X, com 5,3 milhões, turbinadas por publicações de apoiadores, de lado a lado, e também pela dinâmica da plataforma — no domingo, quando Massa e Milei estiveram frente a frente em um debate na TV, houve picos durante a transmissão, com os usuários comentando em tempo real o desempenho dos candidatos.

No Facebook, a vantagem de Massa se confirmou nas menções: das 120 mil publicações sobre as eleições analisadas pela FGV, o ministro da Economia recebeu mais palavras positivas do que negativas, incluindo declarações de apoio de lideranças políticas e religiosas. Milei, em menor número, foi alvo de acusações de ser incapaz de governar.

O candidato antissistema conseguiu reverter a desvantagem no Instagram, onde as 18.945 publicações feitas no período pesquisado são majoritariamente favoráveis a ele. Ali, tentou inflamar seus seguidores com o apoio recebido de Bullrich e também com enquetes e “stories” sobre seus passos de campanha e sobre o desempenho no debate.

Fraude e futebol
Sobre os discursos, o estudo da FGV mostrou que os dois candidatos apostaram em temas como o nacionalismo, estado da economia, liberdade, além de ataques a seus rivais. Publicações envolvendo o Brasil, incluindo comparações entre Milei e Jair Bolsonaro, representaram cerca de 1% de todo o material pesquisado — já as informações falsas, como as alegações infundadas feitas por Milei de uma fraude nas urnas, tiveram destaque.

O futebol integrou essa lista já na reta final. Há alguns dias, uma entrevista esquecida de Milei, de 2022, na qual ele defende que todos os os clubes de futebol adotem o modelo de Sociedade Anônima de Futebol, voltou a circular. Em um país onde a cultura clubística é tão enraizada, sugerir que os times fossem vendidos a investidores soou como uma ofensa, que conseguiu a façanha de unir rivais.

— Futebol é emoção e trazer o tema de privatizar gera incertezas ao torcedor. Talvez na área mais bem-sucedida no imaginário do argentino. Mexer nisso pelo discurso político desgasta mais que impulsiona. Futebol é maior que a política nas redes — diz Ruediger.

Boca Juniors, River Plate, Racing, Independiente, Argentinos Juniors e até a Federação Argentina de Futebol (cujo presidente é próximo de Massa): todos emitiram notas de repúdio a Milei e à ideia de “privatizar” o futebol argentino. O tema também inundou as contas de canais esportivos, ex-jogadores, influenciadores e, claro, torcedores.

Em um efeito secundário, usuários também encontraram publicações antigas de Milei, chamando Diego Armando Maradona de “Maradroga”, e sugerindo que Pelé é melhor do que ele — uma verdade absoluta para os brasileiros, mas que pode ser encarada como heresia no país vizinho. Uma polêmica de fim de campanha que desafia o velho (e questionável) ditado de que futebol e política não se misturam.