Milei é eleito presidente da Argentina em eleição histórica
Em discurso à nação, candidato do peronismo disse que já ligou para o novo presidente eleito, embora resultados oficiais ainda não tenham sido divulgados
Depois de ter ficado em segundo lugar no primeiro turno da eleição presidencial, em 22 de outubro passado, quase sete pontos percentuais abaixo do primeiro colocado, o peronista Sergio Massa, o candidato à Presidência da direita radical argentina, Javier Milei, conseguiu dar a volta por cima e venceu a disputa pelo comando da Casa Rosada. Com 87% dos votos apurados, Milei obteve 55,95%, e Massa 44,04%. O resultado é a pior derrota sofrida pelo peronismo e, desde 2003, pelo kirchnerismo em 40 anos de democracia.
Antes mesmo da divulgação do resultado, Massa reconheceu a derrota em discurso à nação, e disse já ter ligado para o ultradireitista parabenizando-o pela vitória.
— Esta jornada de hoje ratifica uma coisa frente a tanta discussão: a Argentina tem um sistema democrático forte, sólido e que sempre respeita os resultados. Obviamente os resultados não são os que esperávamos, e me comuniquei com Javier Milei para parabenizá-lo, porque é o presidente que a maioria dos argentinos escolheu para os próximos quatro anos — disse o peronista em discurso à nação na noite deste domingo. — Os argentinos escolheram outros caminhos, e a partir de amanhã (segunda) o dever de dar certezas e dar garantias sobre o funcionamento político e econômico da Argentina é responsabilidade do presidente eleito.
Com uma participação de 76% dos eleitores, um pouco abaixo dos 77,65% registrados no primeiro turno, o fundador e líder do partido A Liberdade Avança se tornará o primeiro outsider da História da Argentina a eleger-se presidente.
Numa disputa com idas e vindas e, por momentos, profundamente acirrada, venceu o desejo de mudança dos argentinos. A campanha negativa sobre o candidato, considerada por ele e seus assessores, uma campanha de medo, não conseguiu superar o sentimento antikirchnerista e a vontade de milhões de argentinos de darem uma oportunidade a um candidato que vem de fora do sistema político, prometeu acabar com os privilégios da “casta” e tirar a Argentina do buraco, após décadas de sucessivas crises.
A virada a favor de Milei confirmou uma tendência regional de candidatos que não são os mais votados no primeiro turno, mas conseguem crescer de forma expressiva em pouco tempo e eleger-se. Nos últimos dois anos, em oito eleições presidenciais latino-americanas nas quais houve segundo turno, cinco candidatos viraram o jogo no Chile, Costa Rica, Guatemala e Equador (em 2021 e 2023).
— A Argentina teve o nono segundo turno em eleições presidenciais na América Latina entre 2021 e 2023, e, como aconteceu e outros cinco pleitos, houve uma reviravolta — comenta Daniel Zovatto, diretor para as Américas do Idea Internacional.
Antes da divulgação dos primeiros resultados, o candidato da direita radical argentina, de 53 anos, enviou mensagens pelo aplicativo WhatsApp a integrantes de sua campanha dizendo, comentaram ao GLOBO fontes próximas a Milei, que “tudo indica que ganhamos por pelo menos quatro pontos de vantagem”.
O candidato de A Liberdade Avança fez, segundo fontes de sua campanha, uma boa eleição nas províncias de Córdoba, Mendoza, Santa Fe e na cidade de Buenos Aires — tradicionalmente antikirchnerista—, além de ter ficado em primeiro lugar em quase todo o país. Na província de Buenos Aires, onde vive um terço do eleitorado nacional, segundo as mesmas fontes, Massa venceu, mas não conseguiu uma diferença o suficientemente ampla para compensar a derrota em outros distritos eleitorais. Já fontes da campanha de Massa admitiram que a tendência era favorável a Milei em várias províncias argentina, e a expressão do peronista quando saiu de sua casa em direção ao comando de campanha era de frustração.
— Foi uma eleição transparente. Estou otimista porque foi um dia em que a democracia se expressou — declarou Guillermo Francos, um dos principais colaboradores de Milei, cotado para assumir o Ministério do Interior, antes da divulgação dos primeiros resultados.
O provável futuro ministro, um veterano articulador político, não mencionou problemas com as cédulas de votação. Durante o dia, Karina Milei, irmã e chefe de campanha do provável presidente eleito, informou à Justiça Eleitoral sobre a utilização de cédulas de votação das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), de 13 de agosto, no segundo turno deste domingo, e pediu que fosse consideradas válidas. Em paralelo, Malena Galmarini, a esposa de Massa, disse que a campanha do peronista detectou papeletas rasgadas e solicitou que todas — mesmo as que foram danificadas na parte em que está o número do candidato e data — fossem contabilizadas.
Como conseguiu o admirador dos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, que surgiu na política local há apenas dois anos, quando foi eleito deputado pela cidade de Buenos Aires com 17% dos votos, derrotar a aliança entre peronistas e kirchneristas sem uma estrutura política sólida, governadores e prefeitos aliados? A resposta é simples: mesmo, em muitos casos, assustados com sua personalidade e propostas polêmicas — várias suavizadas na segunda etapa da campanha — a maioria dos argentinos priorizou o desejo de tirar kirchneristas e peronistas do poder.
Recentes escândalos de corrupção envolvendo dirigentes da aliança entre peronistas e kirchneristas União pela Pátria na província de Buenos Aires, somados ao desastre econômico, intensificaram uma onda favorável a Milei nas últimas semanas. Antes do provável presidente eleito tornar-se um ator político relevante, havia consenso no país sobre a enorme dificuldade do peronismo de reter o poder, dado o fracasso, principalmente econômico, do governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, eleito em 2019 no primeiro turno, com 48% dos votos, contra 40% do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019). Mas a candidatura do ministro da Economia conseguiu um bom desempenho no primeiro turno, ficando em primeiro lugar, com 36,78% dos votos. Uma fortíssima campanha negativa sobre Milei rendeu bons resultados, e o candidato da direita radical obteve, no final de outubro, apenas 29,99%.
Na primeira fase da eleição, a máquina peronista entrou em campo com toda sua força, e Milei praticamente não conseguiu ampliar os votos que obteve nas Paso, realizadas em agosto.
Poucos dias depois do primeiro turno, uma grave crise de desabastecimento de gasolina impactou na campanha de Massa, e na reta final, admitem membros de sua equipe, os ataques a Milei não tiveram o impacto conseguido antes do primeiro turno e, paralelamente, o candidato da direita radical começou a colher os frutos de sua aliança com Macri e com a ex-candidata presidencial Patricia Bullrich, que conseguiu 23,81% no primeiro turno.
A opinião generalizada no país é de que as próximas duas semanas, até a posse, prevista para 10 de dezembro, serão tensas e de prováveis turbulências financeiras. As negociações entre Milei, Macri e Bullrich para formar um governo de coalizão devem começar em breve, admitiram fontes próximas da ex-candidata presidencial. O presidente eleito tem uma equipe pequena, sem experiência política, e precisará de todo o apoio necessário para formar um novo governo. O respaldo do partido Proposta Republicana (Pro), liderado por Macri, foi essencial para o provável triunfo de Milei, e esse respaldo, admitiram fontes vinculadas a Bullrich, ex-presidente do Pro, implicará a demanda de um amplo espaço no futuro governo. Na noite deste domingo, a Coalizão Cívica, que integrava junto ao Pro e outros partidos a aliança Juntos pela Mudança, anunciou sua decisão de abandonar a que foi, até o surgimento de Milei, a principal força opositora da Argentina.