Ultradireitista Milei terá de forjar alianças para governar na Argentina
Partido do presidente argentino é minoria na Câmara e no Senado e não conseguiu eleger nenhum candidato a cargo majoritário para governar nas províncias
O presidente eleito da Argentina é o primeiro oriundo de fora da política tradicional a ocupar, a partir do dia 10 de dezembro, a Casa Rosada. Líder e fundador do A Liberdade Avança, partido criado em 2021 para lançar sua candidatura a deputado, Javier Milei não conta sequer com um correligionário no comando das províncias e das cidades do país.
Suas bancadas na Câmara e no Senado serão minoritárias, e qualquer projeto de lei exigirá negociações com diversos setores políticos, sobretudo com a ala da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança que o apoiou no segundo turno da eleição, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e pela ex-ministra Patricia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno.
Com denúncias de cobrança (ilegal) para candidatos a diversos cargos em sua legenda - modus operandi confirmado por ex-aliados do líder da direita radical - o partido de Milei concorreu em todas as eleições provinciais, sem uma única vitória regional. Mesmo nas 16 províncias - de um total de 23, mais a capital - nas quais o presidente eleito foi o mais votado nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de agosto, seu partido não conseguiu eleger candidatos majoritários.
Milei entrou na política há menos de três anos, e a falta de estrutura política sólida em seu entorno é apontada como uma de suas principais fraquezas. Num país que precisa urgentemente resolver problemas econômicos gravíssimos, analistas se preocupam com sua capacidade de construir uma aliança política ampla, que dê sustentabilidade a seu governo.
"No Congresso, a única alternativa é negociar com Macri e Bullrich", diz Mariel Fornoni, diretora da consultoria Management & Fit.
O novo Congresso argentino, que também será empossado em dezembro, será o mais fragmentado que o país já teve desde a redemocratização, em 1983, justamente por conta do aparecimento do partido de Milei. Embora minoritário, A Liberdade Avança rompeu o esquema bipartidário, vigente, na prática, há 40 anos.
Sem maioria
Os números, destaca Fornoni, são relativos. A composição do Parlamento depende de negociações que começarão com a posse e determinarão a margem de manobra de Milei.
A Juntos pela Mudança terá 93 deputados e 24 senadores. A aliança entre peronistas e kirchneristas União pela Pátria controlará 109 cadeiras na Câmara e 34 no Senado. Já o partido do presidente eleito foi o que mais cresceu: os “libertários” terão 35 deputados (eram apenas três) e seus primeiros oito senadores. Partidos regionais não alinhados terão um total de 12 deputados e seis senadores.
"Ninguém terá maioria, mas Milei precisará fechar mais acordos (do que Massa teria) para conseguir votos suficientes para aprovar reformas", diz a analista.
O presidente eleito já negocia com a ala da Juntos pela Mudança que respaldou sua candidatura, mas buscará aliados até mesmo dentro do peronismo. Tudo dependerá, frisa Fornoni, de seu desempenho como presidente.
"No peronismo, fissuras nunca podem ser descartadas", enfatiza a diretora da Management & Fit.
Político novato, durante a campanha Milei demonstrou ter pouco jogo de cintura para lidar com setores críticos do país. Sua aliança com Macri e Bullrich foi cimentada apenas em interesses eleitorais de ambos os lados. Resta saber se construirão agora uma aliança de governo de fato.
Fontes próximas dos dois lados contam que a ala da Juntos pela Mudança que apoiou Milei publicamente pretende agora iniciar a negociação de ministérios e cargos de primeiro escalão. Mas as incertezas sobre o resultado dessas negociações é alimentada pela conhecida dificuldade do presidente eleito em lidar com opiniões contrárias às suas. Macri e Bullrich não concordam, por exemplo, com a dolarização e o fechamento do Banco Central, destaques do programa de governo da direita radical que, já disse o presidente eleito, são “inegociáveis”.
Durante a campanha, Milei afirmou que, caso o Congresso não aprove seus projetos de reformas, recorrerá a plebiscitos. Mas a Constituição argentina não prevê a utilização desse instrumento para implementar reformas econômicas, sociais ou de Estado. Falas antigas do então candidato deixam no ar dúvidas sobre seu real comprometimento com as regras de jogo do sistema democrático argentino e a possibilidade de alternativas nunca antes usadas para compensar a falta de apoio institucional, sobretudo, no Parlamento.