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Ganhador de Nobel da Paz, "Batalhão de Suez" prega maior reconhecimento nacional

Em entrevista à Folha, Carlos Alberto de Medeiros, presente no 18º dos 20 contingentes enviados para o Egito, luta por aposentadoria para soldados que participaram das Tropas de Paz

Carlos Alberto Medeiros, integrante do "Batalhão de Suez" - Junior Soares/Folha de Pernambuco

Reconhecimento é um prêmio que vai além de condecorações. Rompe a limitação física e eterniza momentos. Mas, a depender do contexto, pode ser o mais difícil de alcançar. É preciso ser lembrado, valorizado e validado. O Brasil talvez dê um valor aquém do ideal a um feito pouco divulgado - seja por desconhecimento ou desinteresse. Há 35 anos, o País, ao lado de outras nações, ganhou o Prêmio Nobel da Paz, ainda que de maneira coletiva, ao integrar as Forças de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Um mérito que tem como base a ação de soldados brasileiros que se juntaram para cessar um confronto no Oriente Médio. Os membros do “Batalhão de Suez”.

O Programa Folha Política da Rádio Folha FM 96,7, com Jota Batista. ouviu alguém que não se limitou a pesquisar o assunto. Carlos Alberto de Medeiros, de 78 anos, esteve lá, em 1967, no 18º dos 20 contingentes de tropas enviados para o Egito, durante o conflito iniciado em 1956 que envolveu a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Uma atitude que prejudicava os interesses de países como França e Inglaterra, além de restringir a navegação de Israel pela área.

“O canal de Suez é um ponto crucial para a economia mundial por conta da proximidade com a Ásia, África e Europa. Isso mexeu com os países do Ocidente. Quando houve a nacionalização, aconteceu uma resposta imediata, com a invasão ao Egito. A ONU entrou em ação porque estávamos na época da Guerra Fria, que tinha as disputas política e econômica entre União Soviética e Estados Unidos”, afirmou Medeiros.

Além do Brasil, que enviou um total de 6.300 militares para a região, também participaram da missão Índia, Canadá, Noruega, Finlândia, Colômbia, Dinamarca, Suécia e as antigas Indochina e Iugoslávia. Cada grupo permanecia na região aproximadamente por aproximadamente um ano.

"Eu tinha acabado de servir ao exército quando surgiu essa oportunidade de fazer parte das Forças de Paz. Fui de forma voluntária. Após um treinamento militar rigoroso, fui ao Egito. Fiquei um ano e dois meses por lá. Eu era intérprete da polícia militar da ONU. Fomos o primeiro País a adentrar na Faixa de Gaza. Alguns ficaram na fronteira física entre Israel e Egito, fazendo patrulhas noturnas e ficando nos postos de observação. Outros ficaram no Deserto do Sinai”, apontou.

Segundo Medeiros, o Batalhão de Suez, que ganhou o nome por atuar justamente perto do Canal de Suez, retirou cerca de duas mil minas terrestres, utilizando baionetas. Um trabalho que enfrentou diversos desafios na região. “Ficamos no deserto. Morávamos dentro de buracos porque tinham muitas tempestades. O vento é forte, a areia fina e, quando entrava no nariz, poderia gerar hemorragias gravíssimas, podendo evoluir para problemas sérios”, citou.

O ex-soldado também contou como era a relação brasileira com os civis do Oriente Médio. "Tinham países que colocavam minas para que os refugiados de guerra, que viviam na linha abaixo da miséria, não chegassem perto para pedir alimentos. No nosso caso, íamos na cantina arranjar feijão, arroz e dávamos o pouco que tínhamos. Criamos uma simpatia com o povo de lá, tanto que, quando terminou a missão, colocaram o nome ‘Brasil’ em um bairro lá".

Valorização é maior fora do Brasil

Enquanto a ONU, a comunidade internacional e os habitantes das regiões ocupadas ressaltaram o papel importante do Brasil no conflito, o mesmo não aconteceu dentro do próprio País.

“O retorno ao Brasil foi simplesmente horrível. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que as tropas que chegavam de regiões de conflito deveriam passar por uma junta médica e depois uma quarentena. Essas áreas eram endêmicas, com muitas doenças. Principalmente onde estávamos. Mas chegando aqui, a tropa foi dispensada, sem qualquer exame. Uma vez, encontrei um amigo canadense que tinha um avô brasileiro e esteve comigo na missão. Ele me disse que, no Canadá, ele recebeu prêmios, medalha, certificado…e quando me perguntou o que tinha acontecido conosco, eu disse que ninguém sabia que tínhamos participado desse grupo”, lamentou.

A missão no Oriente Médio durou 10 anos. O Brasil na época era presidido por Juscelino Kubitschek, que tinha interesse em projetar o País no cenário internacional. Depois, passou pelas gestões de Jânio Quadros, João Goulart, Castelo Branco e Costa e Silva, até chegar ao fim, em 1967, após eclodir a “Guerra dos Seis Dias”, com as forças armadas do Estado de Israel entrando em confronto com as do Egito, Síria, Jordânia e Iraque.

Israel solicitou a retirada das tropas da ONU e invadiu o Egito. Na ação, porém, o Batalhão de Suez não foi retirado a tempo, ficando no meio do “fogo cruzado”. Diversos soldados foram gravemente feridos no período e um cabo, Adalberto Ilha de Macedo, morreu na ação.

Luta pela memória do Batalhão

Medeiros é representante Norte-Nordeste da associação dos ex-integrantes do batalhão, que tentou, via projeto de lei (PLS 332/2011), de autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), assegurar o pagamento de pensão especial vitalícia, no valor de dois salários mínimos mensais, aos ex-integrantes da tropa brasileira. Pelo texto, o benefício se restringiria a quem comprovasse renda mensal inferior a justamente dois salários mínimos ou que não tivesse meios para prover a subsistência da família. A matéria foi aprovada pelo Senado em 2014, pela Câmara dos Deputados em 2015, mas vetada neste ano pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

“O veto foi absurdo porque o que ele pede já está escrito no projeto, mas agora (hoje) está marcada uma nova votação para tentar derrubar o veto”, frisou.

“Muitos colegas nossos passam fome. Eu não sou rico, mas tive apoio da minha família e condição de estudar. Mas não posso ficar bem se eu vejo gente nessa situação terrível. Alguns amigos me procuraram para pedir um almoço. A nossa história precisa fazer parte da história do Brasil. Afinal de contas, não é todo dia que se ganha um Nobel. Ali tem sangue nosso, sentimento e vida. Só quem esteve lá é quem sabe.”