Acordo

Pressão política dos EUA e "célula secreta" foram cruciais para alcançar pacto por reféns em Gaza

Pouco depois dos ataques de 7 de outubro, o Catar pediu à Casa Branca que formasse uma pequena equipe de conselheiros para ajudar no trabalho de libertação dos sequestrados

Parentes, amigos e simpatizantes de reféns mantidos pelo Hamas participam de protesto em Tel Aviv - Ahmad Gharabli/AFP

As negociações que levaram à aprovação de um cessar-fogo temporário entre Israel e o Hamas para a libertação de reféns e prisioneiros na noite de terça-feira ganharam os holofotes da imprensa internacional nos últimos dias. Mas, nos bastidores, as mediações de EUA, Catar e Egito foram postas em marcha já nos primeiros dias da guerra. Pouco depois dos ataques de 7 de outubro, o governo catari fez um pedido à Casa Branca: formar uma pequena equipe de conselheiros para ajudar no trabalho de libertação dos sequestrados.

O esforço secreto, classificado por uma autoridade dos EUA como um "processo extremamente excruciante de cinco semanas", incluiu um tenso envolvimento diplomático pessoal do presidente americano, Joe Biden, que manteve várias conversas urgentes com o emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, nas semanas que antecederam o acordo.

Também envolveu horas de negociações meticulosas com uma "célula secreta" de altos assessores da Casa Branca, entre eles o secretário de Estado Antony Blinken, o diretor da CIA, Bill Burns, o conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, e seu vice, Jon Finer, e o enviado dos EUA para o Oriente Médio, Brett McGurk, entre outros.

Autoridades da Casa Branca envolvidas no esforço, que falaram sob condição de anonimato, forneceram detalhes extensos sobre as cinco semanas de negociações delicadas que levaram a um acordo no qual 50 dos quase 240 reféns sequestrados pelo Hamas devem ser libertados em troca de 150 prisioneiros palestinos durante uma pausa de quatro dias nos combates.

Envolvimento de alto nível
Pouco depois de 7 de outubro, o Catar — um mediador estabelecido há muito tempo no Oriente Médio — abordou a Casa Branca com informações confidenciais sobre os reféns e o potencial de libertação deles, disseram as autoridades. Os catarianos pediram então que uma pequena equipe, que eles chamaram de "célula", fosse criada para “trabalhar a questão com muito cuidado, em segredo, junto aos israelenses”.

A missão coube a Sullivan, que orientou McGurk e outro funcionário do Conselho de Segurança Nacional, Josh Geltzer, a dar início à iniciativa. Isso foi feito sem informar outras agências relevantes dos EUA porque o Catar e Israel exigiram sigilo extremo, com apenas algumas pessoas envolvidas, disseram as autoridades.

Ainda segundo as fontes americanas, o que se desenrolou a partir daí foi um esforço internacional tenso, assolado por cortes repentinos de comunicação com o Hamas, disputas sobre listas de reféns e preocupações com a segurança local.

McGurk, um diplomata sênior com grande experiência no Oriente Médio, fazia ligações diárias pela manhã com o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim al-Thani. Ele se reportava a Sullivan e Biden era informado diariamente sobre o processo. Autoridades da Casa Branca também mantinham "diariamente, às vezes de hora em hora, um envolvimento de alto nível com o Egito e com Israel sobre a questão dos reféns".

O próprio presidente Biden entrou nas conversações, em 13 de outubro, quando realizou chamadas de vídeo com as famílias dos americanos que haviam sido sequestrados ou estavam desaparecidos. Cinco dias depois, embarcou para Israel para conversar pessoalmente com Netanyahu e seu gabinete de guerra sobre a libertação dos reféns e a entrada de assistência humanitária em Gaza.

Segundo autoridades da Casa Branca, nas últimas semanas, Biden concluiu que, para convencer Netanyahu a aceitar a suspensão dos ataques por um dia inteiro — em vez de pausas mais limitadas por várias horas de cada vez, como anunciado inicialmente — seria necessário vincular o cessar-fogo temporário a um acordo para libertar os reféns que, suspeita-se, estejam sendo mantidos em túneis usados pelos combatentes do Hamas.

Projeto piloto
Biden apresentou esse caso com urgência cada vez maior a Netanyahu durante 13 ligações que fez desde os ataques de 7 de outubro e na reunião cara a cara com o primeiro-ministro em Tel Aviv, na qual ressaltou sua disposição de aumentar a pressão sobre o colega, disseram as autoridades. O apoio inicial de Biden ao direito de Israel de se defender nas horas seguintes às primeiras investidas do Hamas evoluiu para repetidos pedidos de contenção por parte das forças israelenses em Gaza.

Dois dias depois da viagem a Israel, em 20 de outubro, o trabalho da equipe da Casa Branca ajudou a libertar duas reféns americanas, Natalie e Judith Raanan, o que foi visto como "um projeto piloto" para as negociações gerais, disse uma das autoridades.

— Conseguimos rastrear, mais ou menos em tempo real [as reféns] à medida que saíam de Gaza, atravessavam a fronteira e eram libertadas — declarou. — [Seu retorno seguro para casa] nos deu alguma confiança de que o Qatar realmente poderia cumprir a missão por meio da célula que havíamos criado.

E então começou um esforço redobrado para libertar mais reféns, com contatos frequentes entre o diretor da CIA, William Burns, e o diretor do Mossad, a agência de Inteligência de Israel, David Barnea. Também seguiu-se uma enxurrada de telefonemas entre Biden e Netanyahu nos dias 20, 22, 23 e 25 de outubro.

— Biden estava envolvido diariamente em conversas e propostas extremamente difíceis que eram levadas de um lado para o outro — disse o funcionário, observando que as discussões giravam em torno de corredores de transporte, vigilância e prazos.

O primeiro sinal de progresso ocorreu no final de outubro, quando as autoridades dos EUA receberam informações, por meio de intermediários no Catar e no Egito, de que o Hamas poderia aceitar um acordo para libertar mulheres e crianças. Em troca, queriam que Israel libertasse prisioneiros palestinos, interrompesse os ataques e adiasse uma invasão terrestre.

Com as tropas israelenses se aglomerando nos arredores de Gaza, as autoridades de Israel e dos Estados Unidos debateram se deveriam aceitar o acordo. Tel Aviv não acreditava que o Hamas estivesse levando a sério a oferta e se recusaram a adiar a ofensiva terrestre. O grupo fundamentalista palestino, por sua vez, se recusou a fornecer qualquer prova de vida sobre os reféns, o que levou à paralisação das negociações.

Idas e vindas
Na Casa Branca, Biden e sua equipe de política externa continuaram pressionando. E em 14 de novembro, a esperança voltou a crescer depois que Netanyahu ligou para Biden para dizer que poderia aceitar a última oferta do Hamas. Porém, poucas horas após a ligação, as forças israelenses invadiram o Hospital al-Shifa em Gaza, que, segundo eles, servia como centro de comando do Hamas. As comunicações entre o Hamas e as autoridades do Catar e do Egito então cessaram de repente. E quando o Hamas voltou a falar, horas depois, deixou claro: o acordo estava cancelado.

Durante vários dias, o grupo armado exigiu que as tropas israelenses se retirassem do hospital, o que Israel recusou. Demorou vários dias para que as negociações fossem retomadas, após uma ligação de Biden para o emir do Catar.

As autoridades americanas pressionaram ainda mais Israel e, por meio de intermediários, também o Hamas. Após o telefonema de Biden, seus principais assessores, incluindo o diretor da CIA, reuniram-se com o emir no Catar para analisar o último rascunho — um texto de seis páginas com etapas detalhadas para implementação em ambos os lados.

Em uma semana, a pressão diplomática deu resultado. Na noite de terça-feira, quando o Gabinete israelense fez sua votação final para aprovar o acordo, Biden saiu de Washington para um feriado de Ação de Graças de cinco dias com sua família na ilha de Nantucket.

A decisão de Israel, anunciada pelo Gabinete de Netanyahu, permitirá uma pausa de pelo menos quatro dias nos combates em Gaza. Se for mantida, será a mais longa interrupção das hostilidades desde que os ataques do Hamas em 7 de outubro levaram as forças israelenses a iniciar seu bombardeio no enclave palestino.