Emirados Árabes Unidos são acusados de usar evento para fazer acordos de petróleo e gás
Conversas estariam previstas para ocorrer com ao menos 15 países, incluindo a China, segundo documentos obtidos por jornalistas independentes e parceria com a BBC
Os Emirados Árabes Unidos planejaram usar seu papel de anfitrião na COP28 para discutir acordos de petróleo e gás com ao menos 15 governos estrangeiros, revelaram documentos obtidos por jornalistas independentes do Centre for Climate Reporting em parceria com a BBC de Londres. A notícia veio à tona nesta segunda-feira (27), três dias antes do início da conferência do clima das Nações Unidas em Dubai.
Segundo a equipe de jornalistas, os materiais foram preparados pela equipe da COP28 dos Emirados Árabes Unidos para o presidente da cúpula, o sultão Ahmed al-Jaber, antes das reuniões com governos estrangeiros entre julho e outubro deste ano. Al-Jaber dirige a empresa estatal de petróleo, Adnoc, e a empresa estatal de energias renováveis, Masdar. Sua indicação para comandar a cúpula da ONU para o clima este ano atraiu diversas críticas devido ao conflito de interesses percebido.
Os documentos vazados, cuja autenticidade a CCR afirma ter verificado, foram obtidos por meio de um "denunciante" que permanece anônimo por medo de represálias, disse o centro de reportagens sobre o clima. Trata-se de uma compilação de 150 páginas de relatórios preparados pela equipe da COP28 para as reuniões do sultão al-Jaber com pelo menos 27 governos estrangeiros, conforme a BBC.
O material inclui "pontos de discussão" sobre energias fósseis e renováveis. Com a China, por exemplo, a Adnoc queria "avaliar conjuntamente oportunidades internacionais" para exploração de gás natural liquefeito (GNL) em Moçambique, no Canadá e na Austrália.
Há também, segundo a BBC, resumos dos objetivos das reuniões com outros 13 países, incluindo Alemanha e Egito, que sugerem que a Adnoc quer trabalhar com seus governos para desenvolver projetos de combustíveis fósseis.
Os documentos vazados mostram ainda que os Emirados Árabes Unidos prepararam pontos de discussão sobre oportunidades comerciais para sua empresa estatal de energia renovável, a Masdar, antes das reuniões com 20 países, incluindo Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha, Holanda, China, Arábia Saudita, Egito e Quênia.
Além disso, à ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, deveria ser solicitada a ajuda para "garantir o alinhamento e o endosso" da oferta da Adnoc pela maior empresa de processamento de petróleo e gás da América Latina, a Braskem, afirma a BBC. No início deste mês, a Adnoc fez uma oferta de US$ 2,1 bilhões para comprar uma participação significativa na Braskem.
Reuniões privadas
Um porta-voz da COP28, que será realizada de quinta-feira a 12 de dezembro, respondeu que "os documentos mencionados no artigo da BBC são imprecisos e não foram usados pela COP28 durante as reuniões".
"É extremamente decepcionante que a BBC esteja usando documentos não verificados" acrescentou o porta-voz, que falou sob condição de anonimato com a AFP.
À BBC, porém, a equipe dos Emirados Árabes Unidos não negou o uso das reuniões da COP28 para negociações e disse que "reuniões privadas são privadas". Também se recusou a comentar sobre o que foi discutido nas reuniões que antecederam a cúpula e disse que seu trabalho tem se concentrado em "ações climáticas significativas".
Conflito de interesses
A conselheira climática da Anistia Internacional, Ann Harrison, pediu a renúncia de Jaber como presidente da COP28.
"Os documentos que sugerem que ele foi instruído a promover os interesses comerciais nas reuniões da COP apenas alimentam nossas preocupações de que a COP28 foi totalmente capturada pelo lobby dos combustíveis fósseis para atender aos seus interesses pessoais que colocam toda a humanidade em risco" disse Harrison ao Financial Times. "O sultão al-Jaber alega que seu conhecimento interno do setor de combustíveis fósseis o qualifica para liderar uma cúpula climática crucial, mas parece cada vez mais que uma raposa está guardando o galinheiro".
Para Kaisa Kosonen, coordenadora de políticas do Greenpeace Internacional, a cúpula "deveria se concentrar no avanço das soluções climáticas de forma imparcial, e não em acordos secretos que alimentam a crise".
“Esse é exatamente o tipo de conflito de interesses que temíamos quando o diretor de uma empresa petrolífera foi nomeado para esse cargo", acrescentou em um comunicado. “Se essas alegações forem verdadeiras, elas são totalmente inaceitáveis e um verdadeiro escândalo"..
De acordo com o código de conduta da convenção do clima da ONU, os funcionários eleitos e nomeados não devem usar suas funções para buscar ganhos ou vantagens particulares, ou para representar os interesses de outros grupos. As regras preliminares de procedimento que ainda não foram adotadas pela COP afirmam que "o Presidente deve participar da sessão nessa capacidade e não deve exercer simultaneamente os direitos de um representante de uma Parte".
O órgão da ONU responsável pela cúpula da COP28 disse à BBC que espera que os anfitriões ajam sem parcialidade ou interesse próprio.
A COP28 é a última rodada de negociações climáticas globais da ONU e deve contar com a presença de 167 líderes mundiais, incluindo o Papa e o rei Charles III do Reino Unido.