MUNDO

Acordo Israel-Hamas: dos 150 primeiros palestinos soltos, 80% eram menores

Mecanismo legal herdado do Mandato Britânico da Palestina permite que palestinos sejam presos sem evidências de crime e sigam na prisão por até 10 anos sem formalização de denúncia

Adolescente palestino reencontra sua mãe após ser libertado de prisão em Israel - Fadel Senna / AFP

Em cinco dias de acordo, 150 palestinos confinados em prisões israelenses foram libertos em troca de alguns dos 240 reféns sob controle do Hamas desde o ataque de 7 de outubro. Composto majoritariamente por adolescentes de 14 a 18 anos, além de mulheres adultas, o perfil do grupo põe luz a uma série de arbitrariedades contra o povo palestino no sistema prisional de Israel — que permite, entre outras coisas, prisões sem provas e julgamentos de menores por tribunais militares.

Dos 150 prisioneiros palestinos, dois terços estavam encarcerados sob a chamada "detenção administrativa": mecanismo legal herdado do Mandato Britânico da Palestina que autoriza a prisão de qualquer pessoa suspeita de ter cometido ou planejar cometer um crime no futuro. A prisão pode ser estendida indefinitivamente com base em "evidências secretas", o que faz com que muitos passem meses e até anos privados de liberdade sem uma acusação formal ou sequer saber pelo que estão sendo punidos.

Segundo Israel, o procedimento é uma forma de conter suspeitos enquanto reúnem evidências, mas organizações de direitos humanos classificam como uma violação ao devido processo legal.

Um dos casos mais emblemáticos de detenções administrativas é a do adolescente palestino Amal Nakhleh, que está em cárcere desde janeiro de 2021, então com 17 anos, e teve a prisão estendida sem acusação formal diversas vezes. O jovem, que sofre de uma rara doença autoimune neuromuscular, precisa de cuidados médicos contínuos. Sua libertação foi amplamente cobrada por entidades como a Anistia Internacional e a ONU, mas seu nome não consta na lista de libertos pelo acordo e ele segue sob custódia das forças israelenses.

 

Nakhleh já havia sido preso meses antes, quando voltava para casa depois de fazer compras em Ramallah, na Cisjordânia ocupada. Na ocasião, ele foi detido sob suspeita de atirar pedras — um dos delitos mais comuns entre os menores presos por Israel, cuja pena máxima pode chegar a 20 anos.

Dos 3 mil palestinos presos desde 7 de outubro, 1,2 mil foram com base na detenção administrativa, segundo o Clube de Prisioneiros Palestinos, ONG de direitos humanos. Antes da guerra, o mesmo número de pessoas já estava sob custódia das autoridades israelenses com base no procedimento.

Em Israel, diversas legislações permitem que menores sejam presos sob suspeitas frágeis repetidas vezes, como no caso de Omar Ibrahim Abu Mayaleh, de 15 anos, libertado na segunda-feira. O adolescente havia sido detido pela última vez em abril, após várias passagens pela prisão. Segundo as autoridades israelenses, ele havia tentando jogar um coquetel molotov dentro de um carro das forças de Israel, mas acabou sendo alvejado e preso.

As prisões de menores por detenção administrativa podem ser estendidas até 40 vezes, podendo somar 10 anos. Quando presos, grande parte dos interrogatórios acontecem sem a presença dos responsáveis ou de advogados e, se a detenção ocorrer por motivos de segurança — como em muitos casos envolvendo crianças palestinas —, as sessões não precisam acontecer em um idioma que as crianças e adolescentes compreendam.

A partir dos 16 anos, adolescentes palestinos já podem ser julgados e condenados como adultos. Em 2016, o país alterou sua lei para que crianças menores de 14 anos pudessem ser acusadas criminalmente. A mudança foi motivada pelo caso do palestino Ahmed Manasra, preso com 13 anos, mas cuja acusação por tentativa de homicídio só foi oficializada quando ele já havia completado 14 anos e poderia responder pelo crime. Manasra foi condenado a 12 anos de cárcere, mas a pena depois foi reduzida para nove anos.

Segundo a al-Jazeera, é comum que menores recebam sentenças de acordo com a idade que têm no momento do julgamento, e não na data do suposto delito. A prática, no entanto, contraria as determinações do direito internacional.

Também não são raros casos de menores detidos após terem sido feridos pelas forças de segurança israelenses. Abdurahman al-Zaghal, que estava na lista de libertados no domingo, é um desses. Em agosto, após ter saído de casa para comprar pão, ele foi baleado na cabeça por soldados e teve a prisão decretada em seguida, segundo seu tio, que relatou a história à BBC. Desde então, ele está em uma unidade de tratamento intensivo, o que fez seu julgamento acontecer à revelia. Segundo as autoridades do país, ele havia tentando jogar um coquetel molotov no posto de um assentamento israelense. Ainda em tratamento, ele segue no hospital, mas agora sem tornozeleira eletrônica.

Antes da guerra, 146 crianças e adolescentes estavam no sistema penitenciário de Israel, cerca de 10% do total de presos, segundo Abdallah Zgari, presidente da ONG Clube de Prisioneiros Palestinos. No entanto, em pouco mais de um mês de conflito, esse número mais que triplicou. Cerca de 350 menores foram detidos no período, totalizando 500 num universo de mais de 8,3 mil palestinos encarcerados. Anualmente, 700 menores que vivem na Cisjordânia ocupada são processados por tribunais israelenses.

Desde 2000, no início da segunda Intifada, cerca de 13 mil crianças e adolescentes palestinos foram detidos por forças israelenses. Dessas, mais de 1,5 mil precisaram receber tratamento médico durante a prisão na última década. Para grupos de direitos humanos, que denunciam relatos também de torturas, os números sugerem que elas foram vítimas de maus-tratos (Com agências internacionais).